Parceiros preferenciais, bónus aos pensionistas e IRC dominam debate onde imigração foi quase ausente
Governo quis acabar com o "papão" e dizer que fala com todos, sem preferência por CH ou PS e tentou calar a oposição com um suplemento para os reformados e nova descida do imposto sobre as empresas.
Três medidas anunciadas, um primeiro-ministro que afirma recusar uma relação de longo prazo com um único parceiro preferencial e pouca discussão sobre um dos temas que mais tem marcado a agenda nas últimas semanas: a imigração. É este o retrato de mais de quatro horas de debate do Estado da Nação, onde o Governo esgotou o tempo, deixando por responder a grande maioria das perguntas da oposição, e o termo “fanfarrão” gerou o momento mais aguerrido de debate.
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, arrancou o debate com um aviso. “O Governo ouviu os portugueses e continua a ouvi-los no dia-a-dia da sua governação. Sabem que não somos daqueles que cedem erradamente à espuma mediática, que fazem do ruído um modo de intervenção, dos que se distraem à procurar falsos papões”, afirmou.
Guinando à direita e à esquerda, afastou parceiros preferenciais. E nem quando o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, o desafiou para clarificar o que era o “acordo de princípio” na imigração com o Chega, Montenegro não desarmou: “Não sei o que é esse princípio de acordo”.
Mas pediu “humildade” ao PS para “saber viver neste tempo político” em que já não é líder da oposição, lugar agora ocupado pelo Chega. Dando respaldo às afirmações do chefe do Governo, o líder da bancada do PSD, Hugo Soares, reforçou: “Quero acabar com o papão. O nosso parceiro privilegiado são os portugueses”.
Primeiro-ministro falou aos pensionistas e repetindo a fórmula usada no verão passado anunciou um suplemento extraordinário a ser pago em setembro.
Mas André Ventura veio em sobressalto acenar com “o entendimento” que conseguiu formar com o Executivo na imigração, “sem ser às escondidas”, e apontou ainda os pactos para a descida do IRS que passou com os votos favoráveis do Chega. Ficou a falar sozinho.
Ainda assim, o PS acusou o Governo de ter construído com o Chega um bloco de direita “com matriz orbanista” e “radical”. O líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, atirou: “O primeiro-ministro disse que ia planar, planou, planou e aterrou no colo de André Ventura”.
Mas o ministro dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, acabou por atirar o ónus para os socialistas, acusando-os de se autoexcluir num eventual entendimento: “Em matéria de imigração, herdamos uma situação descontrolada, e assistimos a uma versão de factos de preferir um entendimento com o Chega em vez do PS. Como teria sido possível um acordo com o PS se o PS ainda não reconhece os erros que cometeu e nega a existência do problema, desligando-se da realidade que todos os portugueses sentem? Não terá sido o PS a prescindir de fazer parte da solução? Quem nem sequer reconhece o problema está a excluir-se”.
Jogando ao ataque, Luís Montenegro levou dois trunfos na manga, que usou após elencar conquistas do Executivo, como a redução do IRS aprovada esta semana no Parlamento e já promulgada pelo Presidente da República. Primeiro, o primeiro-ministro falou aos pensionistas e repetindo a fórmula usada no verão passado anunciou um suplemento extraordinário a ser pago em setembro.
O Conselho de Ministros vai aprovar esta sexta-feira “a atribuição de um suplemento extraordinário para todas as pensões até 1.567,50 euros, que será pago em setembro e terá um valor de 200 euros para as pensões até 522,50 euros”, isto é, o equivalente a uma vez o Indexante dos Apoios Sociais (1xIAS), revelou o primeiro-ministro.
O chefe do Executivo indicou que as pensões entre 522,50 euros e 1.045 euros, o que correspondente a 2xIAS, terão direito a um bónus pontual de 150 euros e todas as reformas entre 1.045 e 1.567,50 euros ou 3xIAS irão receber um suplemento de 100 euros. Ao todo serão “dois milhões e 300 mil” os pensionistas que irão beneficiar o apoio.
O bónus euros vai abranger pensões “de velhice, de sobrevivência e de invalidez” da Segurança Social do sistema convergente, isto é, da Caixa Geral de Aposentações (CGA), e do setor bancário, esclareceu o chefe do Governo.
Montenegro referiu ainda que, tendo em conta o impacto do ano passado, cerca de 60% dos dois milhões e 300 mil pensionistas que tiveram direito ao suplemento dizem respeito ao primeiro escalão, isto é, os que auferem prestações até 522,50 euros. “Em média, dentro desse escalão, esta prestação suplementar tem uma equivalência próxima ao valor de meia pensão, visto que abaixo dos 522,50 euros a pensão media anda à volta dos 400 euros; no escalão seguinte, entre 522,50 e 1.045 euros, corresponde a 20% e, no terceiro escalão, entre 1.045 e 1.567,50 euros, a 8% do valor, o que mostra a progressividade da medida”, detalhou.
O primeiro-ministro justificou a adoção da mesma medida do ano passado tendo em conta a trajetória das contas públicas: “Chegamos a meio do ano e com a execução orçamental que temos é possível atribuir mais uma vez este suplemento”.
“Sempre dissemos que se a execução orçamental o permitisse iríamos, na medida do possível, devolver o esforço, dando à sociedade parte daquilo que estivesse a exceder as nossas expectativas”, sublinhou.
O suplemento extraordinário é pontual, isto é, será atribuído uma única vez, ou seja, não contará para efeitos de atualização anual das reformas. A descida do IRS terá efeitos já a partir de agosto, por via da redução das tabelas de retenção na fonte, revelou Luís Montenegro, por isso os pensionistas vão beneficiar de um duplo bónus, tal como no ano passado: por via do suplemento e pela diminuição dos descontos para o Fisco.
A descida do IRS, proposta pelo Governo e viabilizada pela Assembleia da República, determina reduções do imposto entre 0,40 e 0,60 pontos percentuais (p.p.) até ao 8.º escalão de rendimentos. Em concreto, a taxa do primeiro escalão vai descer de 13% para 12,5%, a do segundo de 16,5% para 16%, a do terceiro de 22% para 21,5%, a do quarto de 25% para 24,4%, a do quinto de 32% para 31,4%, a do sexto de 35,5% para 34,9%, a do sétimo de 43,5% para 43,1% e, por último, a do oitavo de 45% para 44,6%.
A taxa do último escalão de rendimentos continua nos 48%. Simulações apresentadas pelo Governo mostram que esta nova descida do IRS vai fazer subir o salário líquido entre dois e 15 euros por mês.
O Parlamento aprovou esta quarta-feira a baixa do imposto em votação final global e o Presidente da República já promulgou o diploma, esta quinta-feira. O efeito na descida dos descontos para a Autoridade Tributária com retroativos a janeiro será repercutido já no próximo mês.
“Na segunda-feira, vamos publicar as novas tabelas de retenção na fonte para, a partir de agosto, os contribuintes sentirem essa nova diminuição das taxas do imposto”, indicou o primeiro-ministro.
Se o mecanismo da retroatividade for semelhante ao do ano passado, o alívio considerável terá impacto de forma faseada em dois meses, agosto e setembro, com eventuais acertos até ao final do ano, caso seja necessário. Ou seja, em setembro, e vésperas de eleições autárquicas, os pensionistas da Segurança Social, da CGA e da banca com prestações até 1.567,50 euros terão um duplo benefício: suplemento extraordinário e menos retenção na fonte.
Ainda no pé de dança entre PS e Chega, Hugo Soares passou uma rasteira a Ventura e até repreendeu o deputado face às críticas que dirigiu ao bónus para os pensionistas: “Julgava que estávamos numa nova fase do senhor deputado André Ventura. Considerar que é uma treta e uma balela anunciar ao país um suplemento aos pensionistas? Então, agora está contra os pensionistas?”
Depois, Montenegro acenou às empresas e anunciou que, na sexta-feira, o Conselho de Ministros irá aprovar a redução do IRC dos atuais 20% para 19% no próximo ano, voltando a cair em 2027, para 18%, e fechando a legislatura nos 17%. Uma medida prevista no programa de Governo e que avança junto com a redução da taxa de 16% para 15% nos primeiros 50 mil euros de lucro tributável.
Neste sentido, Montenegro tem a expectativa de “chegar ao final do ano e com a baixa de um ponto percentual, não se perca receita em sede de IRC. “Logo veremos”, disse.
Em entrevista ao ECO, em abril, Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, estimou que a descida de IRC concretizada através de uma redução de um ponto percentual ao ano terá um custo estimado anual entre 200 e 250 milhões de euros.
Montenegro tem a expectativa de “chegar ao final do ano e com a baixa de um ponto percentual, não se perca receita em sede de IRC. “Logo veremos”, disse.
O Parlamento foi ainda palco de um outro anúncio. Luís Montenegro revelou o alargamento, a partir de 1 de setembro, do apoio à deslocação de professores aos docentes das escolas públicas. Em causa está um incentivo, atualizado no ano passado, que varia entre 150 e 450 euros, que estava até então restrita às chamadas “escolas prioritárias”.
O Parlamento já tinha aprovado em março, com os votos contra do PSD e CDS-PP, um regime de compensação alargado a todos os professores deslocados, independentemente de estarem ou não colocados numa escola considerada prioritária. No entanto, o alargamento do apoio só entraria em vigor com o Orçamento do Estado para 2026.
A saúde também foi levada à discussão, com a oposição a criticar a crise na área, sobretudo com o encerramento de urgências. Quase ausente da discussão esteve, contudo, a imigração. Com apenas breves referências, ficou longe do debate mais inflamado que tem marcado a posição dos partidos e do Governo sobre esta matéria.
Aguiar-Branco e a repreensão pelo uso de “fanfarrão”
O momento mais quente do debate ocorreu durante uma troca de argumentos o presidente da Assembleia da República e o grupo parlamentar do PS, após o secretário-geral socialista, ter sido advertido por Aguiar-Branco. Em causa esteve a expressão utilizada por José Luís Carneiro sobre André Ventura: “Deputado tão fanfarrão”.
A advertência não foi bem recebida pelos deputados socialistas e, numa interpelação à mesa, Pedro Delgado Alves criticou José Pedro Aguiar-Branco por não ter feito nenhum reparo quando o líder do Chega afirmou que a oposição do atual líder do PS é “mais frouxa” do que a do seu antecessor.
“Sou deputado nesta câmara há muitos anos, o que estou a dizer vincula-me a mim e a mim exclusivamente: tenho vergonha da intervenção que o senhor presidente acabou de proferir porque mostra uma dualidade de critérios”, afirmou Pedro Delgado Alves.
O parlamentar socialista acusou ainda o Presidente da Assembleia da República de não ter “coragem” para advertir a “extrema-direita que estraga o debate parlamentar quotidianamente”.
As críticas, que mereceram apupos do Chega, tiveram como resposta de Aguiar-Branco a garantia que não fazia diferença entre os grupos parlamentares.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Parceiros preferenciais, bónus aos pensionistas e IRC dominam debate onde imigração foi quase ausente
{{ noCommentsLabel }}