Governo quer alargar serviços mínimos das greves a creches e lares e permitir compra de até dois dias de férias
Proposta prevê ainda compra dois dias de férias em troca de redução de salário, reposição do banco de horas individual, fim dos limites ao outsourcing e alargamento dos prazos dos contratos a termo.
O Governo quer alargar os serviços mínimos das greves às creches e lares de idosos e permitir a compra de dois dias de férias em troca de salário mas sem perda de outras regalias, anunciou esta quinta-feira a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, no final da reunião da concertação social.
Patrões veem as mexidas com bons olhos já as centrais sindicais alertam para os riscos de maior precarização, com a CGTP a criticar aquilo que considera ser um “assalto aos direitos dos trabalhadores”.
O anteprojeto da reforma laboral, aprovado em Conselho de Ministros esta quinta-feira, e apresentado às confederações patronais e sindicais, determina ainda o fim dos limites ao outsourcing após despedimentos, o regresso do banco de horas individual e o alargamento do prazo dos contratos a termo, indicou a ministra.
Ao todo, o Governo propõe alterar “cerca de uma centena de normas do Código do Trabalho e nove diplomas complementares”, revelou Maria do Rosário Palma Ramalho. No que diz respeito à greve, o objetivo é “ser um bocado mais exigente quanto à definição dos serviços mínimos, mas sem beliscar o direito à greve, é mais compatibilizar com outros direitos fundamentais como o direito ao acesso à saúde, ao trabalho e ao direito a circular”, começou por explicar a governante.
Para além disso, serão alargados os setores imprescindíveis para os quais a legislação já prevê serviços mínimos obrigatórios. “Há apenas uma nova área para os cuidados a crianças, pessoas doentes ou portadoras de deficiência, incluindo as que estão em cuidados continuados”, ou seja, ligada também a “creches e lares” de idosos, esclareceu.
Questionado pelos jornalistas se os serviços mínimo obrigatórios passam a abranger escolas básicas e secundárias, além de creches, fonte oficial do Ministério do Trabalho respondeu: “Não está definido”.
O Código do Trabalho, no n.º 2 do artigo 537.º, apresenta uma lista exemplificativa de setores onde, por estarem em causa necessidades sociais impreteríveis, pode justificar-se a imposição de serviços mínimos. Entre eles incluem-se:
- Correios e telecomunicações;
- Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
- Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
- Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
- Abastecimento de águas;
- Bombeiros;
- Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;
- Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho de ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respetivas cargas e descargas;
- Transporte e segurança de valores monetários.
O alargamento dos serviços mínimos a outros setores pode ser inconstitucional, como já referiu ao ECO Sofia Carneiro Silva, da CCA Law Firm: “Se a proposta do Governo vier a permitir a imposição de percentagens mínimas de trabalhadores durante greves fora desses contextos, poderá colidir com o direito à greve consagrado no artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa. Tal cenário poderá originar um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade”.
No que diz respeito à possibilidade de compra de dias de férias, a proposta do Executivo prevê que o trabalhador possa faltar de forma justificada “mais dois dias antes ou depois do período normal de férias com perda de retribuição mas sem perda de mais regalias”, afirmou.
Ou seja, o trabalhador poderá meter até mais dois dias a seguir ou antes do seu período de férias com perda do correspondente a dois dias de salário mas sem penalizações noutros benefícios como subsídio de refeição, de férias ou de natal e na contagem de tempo da carreira contributiva para cálculo da pensão de velhice ou prestação de desemprego.
O documento que a ministra entregou a patrões e sindicatos estabelece ainda a reposição do banco de horas individual, mas em moldes diferentes do do passado, uma vez que, na proposta do Executivo, “passa a ser subsidiado pelo regime de horas em convenção coletiva”, explicou Rosário Palma Ramalho. Ou seja, será possível instituir o banco de horas se a contratação coletiva o prever, daí o presidente da Confederação Empresarial (CIP), Armindo Monteiro ter criticado ainda as “amarras” que subsistem à proposta.
Contratos a termo passam a ter a duração de três anos
Também há mudanças nos prazos dos contratos a termo. “A proposta é que não durem menos do que um ano, apenas em casos excecionais, quando, até agora, eram de seis meses”. Ou seja, o mínimo passa de seis meses para um ano. Também a duração máxima vai ser alargada: no caso dos contratos a termo certo, o prazo “aumenta de dois para três anos” e, nos contratos a termo incerto, sobe de “quatro para cinco anos”, acrescentou.
O fim das restrições ao outsourcing, durante um ano, para funções que eram desempenhadas por trabalhadores que foram despedidos também faz parte do rol das mais de 100 alterações ao Código do Trabalho, segundo indicou o presidente da Confederação Empresarial (CIP), Armindo Monteiro. “Não há nenhuma razão para se proibir o outsourcing, é negar a especialização da economia portuguesa”, argumentou o mesmo dirigente.
Em causa está o artigo 338.º A do Código do Trabalho, introduzido pelo Governo socialista de António Costa, em maio de 2023, que estabelece que “não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho”. A violação desta regra implica uma contraordenação muito grave para quem recorre aos referidos serviços.
A antiga provedora e agora ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, considerou que esta restrição vai muito além dos limites constitucionais ao exercício da liberdade de iniciativa económica privada. E o Governo quer agora deixar cair esse travão ao outsourcing como exigem os patrões. Apesar disso, essa norma já teve o respaldo do Tribunal Constitucional. Ou seja, está blindada do ponto de vista da Lei Fundamental.
Patrões aplaudem proposta e sindicatos criticam ataque aos direitos dos trabalhadores
Do lado dos patrões, a proposta foi bem acolhida. Armindo Monteiro, da CIP, disse que era “uma boa base de trabalho”. O líder da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), Francisco Calheiros, também considerou o documento “uma boa base de negociação”.
Mas o presidente da Confederação de Comércio e Serviços (CCP), João Vieira Lopes, alertou para a “necessidade de consensos mínimos na concertação social”, tendo em conta a geometria do Parlamento, com a AD sem maioria absoluta. Ou seja, para que o acordo tripartido se mantenha válido é necessário o acordo de pelo menos uma confederação sindical, salientou Vieira Lopes.
Nos últimos pactos, a CGTP tem-se colocado de fora, mas a UGT tem subscrito o documento. No entanto, agora, a central sindical mostrou-se bem mais crítica face à proposta apresentada pelo Governo. O secretário-geral da UGT, Mário Mourão, considera que o documento “fragiliza os direitos dos trabalhadores”.
“A UGT sempre disse que as alterações à lei laboral não é uma matéria prioritária, numa altura em que a economia cresce e a inflação desce, apesar dos custos mais altos para os trabalhadores”, sinalizou. De lembrar que a proibição da subcontratação após despedimentos, que o Governo pretende eliminar, é uma das linhas vermelhas para a central sindical, até porque essa medida foi incluída no acordo de concertação social, em 2023, por sua iniciativa.
A CGTP endureceu ainda mais a posição. “Estamos perante uma tentativa de assalto aos direitos dos trabalhadores”, atirou o secretário-geral da intersindical, Tiago Oliveira. “Sempre que se quer mexer na lei laboral o argumentário é o mesmo, que visa responder às necessidades do mundo do trabalho e das empresas e hoje as condições estão cada vez piores”, continuou.
Para o líder da CGTP, a proposta do Executivo visa “condicionar a vida dos trabalhadores ao nível da desregulação dos horários de trabalho, é um ataque ao direito à greve, à lei sindical e um ataque à negociação coletiva”.
As negociações serão retomadas em setembro, onde estão previstas pelo menos mais três reuniões e outras duas bilaterais, indicou a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho. De lembrar que estas matérias, por se tratarem de alterações à legislação laboral, têm de passar obrigatoriamente pelo crivo da Assembleia da República.
Como a Aliança Democrática (AD) – coligação PSD/CDS que sustenta o Executivo só tem 91 deputados, isto é, não tem uma maioria absoluta de 116 de cadeiras, vai precisar do apoio dos 60 parlamentares do Chega ou dos 58 do PS para aprovar alterações à lei laboral, que têm obrigatoriamente de ser submetidas ao escrutínio da Assembleia da República.
O partido de André Ventura foi questionado pelo ECO sobre o sentido de voto, mas não respondeu. Os socialistas já levantaram o cartão vermelho, posicionando-se sobretudo contra as alterações à lei da greve e aos limites da subcontratação, tal como o ECO já noticiou.
(Notícia atualizada às 19h23)
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