Falhas no fornecimento já são a principal ameaça às empresas portuguesas
Pandemia e alterações climáticas começam a sair do radar de preocupações dos empresários. Antes da guerra, acesso a matérias-primas e componentes já era maior risco para 2022, mostra estudo da Marsh.
A escassez e a subida de preços das matérias-primas e de outros materiais essenciais para o funcionamento das empresas, como é o caso dos semicondutores em algumas indústrias, entrou na lista de preocupações diárias das empresas portuguesas durante o ano passado, ainda na ressaca das disrupções produtivas e logísticas provocadas pela pandemia de Covid-19. E tão cedo não vai sair do léxico empresarial.
Num estudo que será divulgado esta quarta-feira pela consultora Marsh Portugal, as falhas na cadeia de fornecimento surgem precisamente no topo da lista de riscos identificados pelos empresários nacionais, sendo apontadas por 58% dos inquiridos. Na tabela de 2021, este tópico surgia apenas no 9º lugar (16%) e há cinco anos não passava sequer da 21.ª posição.
Este problema, que já levou inclusive algumas fábricas a interromper a produção, como foi o caso da Bosch Car Multimédia, em Braga, relegou para a segunda posição o risco de ataques cibernéticos, que tinha encabeçado esta lista nos quatro anos anteriores. “São dois riscos com um peso muito importante na forma como o negócio local e global terá de ser repensado desde já”, sublinha o relatório.
O pódio fecha com outro “clássico”: a instabilidade política ou social (45%), que ao longo de oito anos consecutivos de estudo figurou sempre entre as três primeiras posições. As empresas foram auscultadas em dezembro de 2021 e janeiro de 2022, em plena campanha eleitoral para as legislativas antecipadas. No plano externo, o especialista da Marsh, Fernando Chaves, avisa que “não [é] de estranhar que, pelas repercussões do conflito na Ucrânia, continue entre os principais riscos” nos próximos anos.
A pandemia tropeça do 2º para o 4º posto, com uma percentagem muito inferior face à registada em 2021 (36% vs. 53%). “Acaba por ser natural, sendo agora mais determinantes outros riscos naturalmente interconectados. Não podemos deixar de relacionar este risco com o da falha na cadeia de fornecimento e lembrar que, apesar de em Portugal e na Europa os indicadores convidarem a um regresso à ‘normalidade’, noutros pontos do globo, [como na China], o prolongar dos confinamentos pode gerar falhas na cadeia de valor a nível mundial, o que só reforça a ideia de interconexão e efeito dominó entre os riscos”, lê-se no relatório.
Este questionário foi respondido antes do início da guerra na Ucrânia, a 24 de fevereiro, mas já numa altura de tensão latente com a Rússia. Uma altura, porém, já “bastante afetada” pela pressão em matéria de estrangulamento dos portos, escassez de matérias-primas, acentuado aumento dos materiais, da energia e da logística. Assim como por outros aspetos políticos, além da instabilidade mundial, como o “tempo de indecisão política nacional forçada pelas eleições e [pelo atraso na] tomada de posse de um novo Governo”.
Talento a subir e clima a “derreter”
Outro “risco crónico” para os gestores nacionais, com impacto ao nível da competitividade das empresas, é a retenção de talento (34%). Na última década não saiu dos dez primeiros lugares nem ficou abaixo dos 20%. Após um interregno de um ano (6º lugar em 2021), volta a figurar no top 5, com os autores do estudo a declararem ser igualmente “um risco a rever para o futuro, por força da adaptação das organizações às novas formas de trabalhar, em especial ao trabalho remoto”.
“Certamente recordados da crise de 2008-2009 e da vaga de emigração jovem, do aumento da competitividade tecnológica das empresas e ainda para mais com a mudança que veio para ficar no que respeita ao trabalho remoto, as empresas portuguesas voltam a destacar o risco de retenção, sendo igualmente um sinal para a urgência na resposta que esperam, a montante, no campo da formação escolar de base e nas soluções de formação contínua para adaptação às novas necessidades”, resumem.
Em sentido contrário, os temas relacionados com a ação climática parecem estar a perder fulgor: primeiro no meio de uma crise sanitária e agora num contexto de instabilidade internacional que está a arrasar as cadeias produtivas e logísticas. Os eventos climáticos extremos descem uma posição (6º lugar, 24%), a falha na mitigação e adaptação às alterações climáticas também passou de 16º para a 20º lugar, apenas selecionada por 7% dos inquiridos. E as catástrofes naturais, que em 2021 recolhiam a atenção de 9%, em 2022 estão na lista de apenas 4%.
“Esta aparente perda de importância não deixa de ser contraditória face à exposição a eventos cada vez mais recorrentes e mais destrutivos. O planeta vive uma urgência climática e queremos acreditar que estes números apenas revelam uma perceção mais urgente para os efeitos imediatos que alguns riscos de curto prazo podem ter nas empresas, mas que, ainda assim, não caíram por terra as medidas que cada organização deve manter e até aumentar para cumprirmos com as metas do Protocolo de Paris, reforçadas em 2021, em Glasgow, na COP26”, avisa a consultora liderada em Portugal por Rodrigo Simões de Almeida.
O planeta vive uma urgência climática e queremos acreditar que estes números apenas revelam uma perceção mais urgente para os efeitos imediatos que alguns riscos de curto prazo podem ter nas empresas.
O estudo nacional, que faz a ponte com o Global Risks Report 2022, desenvolvido pelo Fórum Económico Mundial, e que será analisado esta manhã no evento “Raio-X aos Riscos 2022”, questiona igualmente as empresas portuguesas sobre os riscos que o mundo vai enfrentar em 2022. A cibersegurança (51%) e a pandemia / propagação rápida de doenças infecciosas (48%) repetem os lugares cimeiros do ano passado. Mas os dois seguintes são novas entradas, associados à atual conjuntura: os choques nos preços dos produtos (commodities), com 47%; e a inflação, com 45%.
Sejam internos ou externos, a gestão dos riscos continua a figurar no rol de preocupações das empresas portuguesas – “suficiente” no caso de 44% dos inquiridos e “elevada” para 42%. Ainda assim, no espaço de um ano subiu de 9% para 14% a percentagem dos que respondem que é dada pouca importância a esta matéria nas suas empresas, aproximando-se desta forma dos valores prévios ao surgimento do coronavírus na China.
Em contrapartida, sublinha a Marsh Portugal, os valores orçamentados para esta rubrica são semelhantes ou até superiores ao dos dois anos anteriores: 37% aumentou a verba em 2022 e só 1% admite que diminuiu. “Esta não deve ser uma área a descurar, mesmo em períodos de crise, dado que poderia ser até contraproducente para as organizações baixarem as suas linhas de defesa em alturas em que podem estar mais expostas às muitas ameaças internas e externas”, conclui o estudo.
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