BRANDS' ECOSEGUROS Revisão do regime prudencial das seguradoras europeias
Vanessa Serrão, Manager EY, fala do processo de revisão do regime de solvência II no mercado segurador europeu em curso e elenca as alterações propostas pela EIOPA e a Comissão Europeia.
Seis anos após a implementação do regime de solvência II no mercado segurador europeu, encontra-se em curso um processo extenso de revisão do regime, com a reavaliação de vários requisitos os quais poderão conduzir a impactos significativos na posição de solvência das empresas de seguros.
Não obstante de ser a maior revisão do regime desde a sua implementação, ao longo dos últimos anos foram efetuadas algumas alterações aos Atos Delegados, em virtude do feedback dado pelo setor e também em resultados dos diversos exercícios de stress tests realizados. Estes exercícios tiveram como objetivo testar a resiliência do setor em cenários extremos (nomeadamente em contexto de baixas taxas de juro e impacto do COVID-19) assim como permitir a quantificação de impactos na posição de solvência de algumas das medidas propostas.
Com esta revisão mais profunda do regime que substancia numa revisão da Diretiva de Solvência II, a EIOPA (Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma) e a Comissão Europeia (CE) pretendem que o regime se mantenha adequado ao seu propósito, introduzindo uma atualização equilibrada do quadro regulamentar e reconhecimento da situação económica atual (em particular do ambiente de baixas taxas de juro).
Assim, no final do ano 2020, a EIOPA, em resposta ao pedido formal da CE emitiu o seu parecer de aconselhamento técnico sobre a revisão da Diretiva de Solvência II. Tendo sido conhecido o pacote legislativo de revisão do regime da CE em 22 de setembro de 2021. Neste pacote, a CE incluiu:
- Proposta de alteração da Diretiva de Solvência II;
- Proposta de Diretiva que estabelece uma moldura harmonizada de recuperação e resolução de empresas de seguros e de resseguros; e
- Uma análise de impacto das respetivas propostas
O que se segue?
O conjunto de medidas legislativas será alvo de debate pelo Parlamento e Conselho Europeu que podem aceitar, rejeitar ou alterar as propostas legislativas da CE. Este processo legislativo pela sua complexidade poderá levar alguns anos até que esteja concluído. A expectativa é que o processo de discussão ocorra durante os anos 2022-2023, e que em 2024 seja publicada a nova diretiva, sendo o ano 2025 o ano previsto para a sua implementação.
As alterações de Diretiva deverão conduzir a uma atualização posterior do Atos Delegados. As discussões destas atualizações deverão ser feitas em paralelo ao processo legislativo de revisão da diretiva.
Principais alterações propostas pela CE e EIOPA
A CE prevê alterações quantitativas ao nível das provisões técnicas e requisitos de capital, sendo também expectável que sejam introduzidas alterações nos requisitos de reporte e de governação.
Extrapolação das taxas de juro sem risco
A CE pretende atualizar a metodologia de extrapolação das taxas de juro sem risco, tendo por base a fórmula e parametrização proposta pela EIOPA. A alteração visa a utilização de taxas de mercado (agora referido como “first smoothing point” em substituição do “last liquid point”). Os detalhes da nova metodologia farão parte das alterações aos Atos Delegados.
Tendo em conta o impacto significativo que esta alteração poderá ter na posição de solvência das empresas de seguro, a CE confirmou a utilização de uma medida de integração progressiva e de uma medida transitória, permitindo assim uma transição harmoniosa para o novo método, não tendo, no entanto, sido detalhado o seu funcionamento. Em Portugal, é expectável que esta alteração tenha maior impacto nas empresas que exploram o ramo vida e nas empresas que comercializam a modalidade de acidentes de trabalho, dado que se tratam de responsabilidades de longo prazo.
Ajustamento de volatilidade (VA)
A CE confirmou a maioria das alterações propostas pela EIOPA relativamente ao cálculo do VA, em particular, o aumento da percentagem do spread relativo à moeda corrigido do risco de 65% para 85% e a substituição simultânea do VA do país por um ajustamento à volatilidade macroeconómica dos Estados-Membros cuja moeda seja o euro. A CE propõe ainda a utilização de um rácio de sensibilidade ao spread de crédito tendo em conta as características específicas da empresa.
Requisito de capital do risco de taxa de juro
A fórmula atual de cálculo do requisito de capital de solvência (SCR) para o choque de descida de taxas de juro não reflete adequadamente os riscos relacionados com o movimento das taxas de juro, uma vez que nenhum choque é aplicado quando as taxas de juro sem risco são negativas. A EIOPA propôs uma nova abordagem (tanto para o choque de subida como de descida) denominada “relative shift approach” baseada na combinação de uma componente multiplicativa e aditiva, considerando um limite na curva pós-choque de -1,25%. A Comissão considera refletir este parecer da EIOPA com exceção de uma margem de extrapolação para taxas de juro de longo prazo. É expectável uma introdução gradual destas alterações ao longo de um período de cinco anos após a sua implementação.
Ajustamento Simétrico
É proposto pela CE uma alteração ao ajustamento simétrico que permita aumento ou diminuição dos requisitos de capital do risco acionista num máximo de 17%, em vez dos atuais 10%.
Margem de risco
O cálculo da margem de risco poderá também ser alvo de alterações, sendo a proposta da Comissão considerar a abordagem “lambda” que foi definida pela EIOPA, mas sem a utilização de um parâmetro mínimo, por forma, a permitir uma mitigação mais eficaz da volatilidade. A CE pondera também a redução dos custos de capital considerados no cálculo da margem de risco de 6% para 5%, em consonância com a redução dos custos de capital observado nas seguradoras nos últimos anos. Globalmente, a CE prevê que estas alterações iram reduzir o volume da margem de risco em mais de 50 mil milhões de euros em todo o setor na União Europeia.
SFCR e RSR
A CE apresentou uma nova estrutura para o Relatório sobre a Solvência a Situação Financeira (SFCR), que passará a contar com duas partes distintas, a primeira deverá incluir informação dirigida aos tomadores de seguros e a segunda será destinada a fornecer informações a outras partes interessadas. O Relatório Periódico de Supervisão (RSR) deverá incluir informações sobre a atividade e desempenho da empresa, sistema de governação, perfil de risco, avaliação para efeitos de solvência e gestão de capital durante o período abrangido pelo relatório.
Prazos de reporte e divulgação
A CE pretende alterar alguns prazos de reporte e divulgação de relatórios e templates de reporte quantitativo (QRT) em linha com as propostas da EIOPA (por exemplo, para empresas individuais, o prazo de divulgação do SFCR e RSR seria alargado de 14 para 18 semanas e o prazo dos QRTs anuais seria alargado de 14 para 16 semanas). Para além das alterações ao nível do prazo de reporte estão também previstas alterações no conteúdo de alguns QRT, com a eliminação de alguns reportes e a introdução de novos requisitos. As alterações ao conteúdo de reporte dos QRT deverão ocorrer antes da conclusão do processo legislativo de alteração da diretiva.
Proporcionalidade
A CE, em consonância com a proposta da EIOPA, decidiu aumentar os limiares de exclusão de aplicação do regime de Solvência II (o limiar de prémios brutos emitidos aumentou de 5 milhões de euros para 15 milhões de euros e o limiar de provisões técnicas aumentou de 25 milhões de euros para 50 milhões de euros). Foi também introduzido um novo conceito de “empresa/grupo com perfil de baixo risco”.
Alterações relacionadas com o Pacto Ecológico Europeu
A CE, em consonância com a opinião da EIOPA, aumentou o foco do Solvência II nos riscos climáticos. De facto, as seguradoras terão que identificar qualquer exposição relevante aos riscos de alterações climáticas e, quando relevante, avaliar o impacto de cenários de alterações climáticas a longo prazo nos seus nas suas atividades.
Outras propostas
São também propostas pela CE alterações ao nível do Ajustamento de Congruência ou Matching Adjustment, a utilização do submódulo de risco acionista baseado na duração deverá deixar de ser permitida, é proposta a redução do fator de correlação entre o risco de spread e risco de taxa de juro (cenário de descida) de 0,5 para 0,25, é expectável que possa ser permitida a utilização um parâmetro padrão mais favorável para os investimentos em capitais próprios detidos numa perspetiva de longo prazo, espera-se uma calibração do requisito de capital do risco de incumprimento da contraparte para empréstimos hipotecários, introdução de novas condições para a utilização de medidas transitórias e novos requisitos de divulgação e alargar o reconhecimento no âmbito da fórmula padrão de formas inovadoras de partilha não proporcional de sinistros entre seguradoras e resseguradoras, como técnicas de mitigação de risco.
É importante que o regime permaneça adequado a todos os ambientes económicos. A sua revisão pretende captar essa preocupação, mas também introduzir outros desafios que enfrentamos, que incluem entre outros, as mudanças climáticas e sustentabilidade, a digitalização, novas tecnologias e segurança cibernética.
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