UE deplora “ação unilateral” do Reino Unido e admite recorrer à Justiça

  • Lusa e ECO
  • 13 Junho 2022

Bruxelas avisa que "não irá renegociar" o Protocolo da Irlanda do Norte e acena já com a possibilidade de recorrer à Justiça para garantir o cumprimento do acordo que tinha acertado com Londres.

A União Europeia deplorou a decisão de hoje do Governo britânico de avançar com legislação para alterar unilateralmente o Protocolo da Irlanda do Norte e admite retomar ações legais contra Londres, que acusa de ter comprometido o “espírito de cooperação”.

Numa declaração à imprensa em Bruxelas, sensivelmente ao mesmo tempo que o Governo de Boris Johnson apresentava em Londres a sua proposta de lei, o vice-presidente da Comissão responsável pelas Relações Interinstitucionais (e pelo ‘pós-Brexit’), Maros Sefcovic, disse que é com “significativa preocupação” que Bruxelas toma nota da decisão britânica de avançar com legislação que atropela “elementos centrais” do Protocolo, “parte integrante do Acordo de Saída” negociado longamente entre UE e Reino Unido.

Reiterando que “a União Europeia não irá renegociar o Protocolo”, já que tal “é irrealista” — pois durante as longas negociações com Londres sobre o Acordo de Saída “não foi encontrada qualquer solução alternativa viável para este equilíbrio delicado” e “qualquer renegociação iria simplesmente trazer mais incerteza jurídica para as pessoas e empresas na Irlanda do Norte” –, Sefcovic voltou a lamentar esta “ação unilateral” de Londres, que, sublinhou, “é prejudicial à confiança mútua”.

Segundo o vice-presidente, “a Comissão irá agora avaliar o projeto de legislação do Reino Unido”, com o objetivo de sempre: o de “assegurar a implementação do Protocolo” e a “reação à ação unilateral do Reino Unido refletirá esse objetivo e será proporcional”. Tendo Sefcovic acenado, desde já, com a possibilidade de o executivo comunitário recorrer à Justiça para garantir o cumprimento de compromissos juridicamente vinculativos.

“Como primeiro passo, a Comissão considerará prosseguir o processo por infração iniciado contra o governo do Reino Unido em março de 2021. Tínhamos suspendido esta ação legal em setembro de 2021, num espírito de cooperação construtiva para criar o espaço de procura de soluções conjuntas, mas a ação unilateral do Reino Unido vai diretamente contra este espírito”, disse então.

A Comissão irá considerar o lançamento de novos processos de infração que protejam o mercado único dos riscos que a violação do Protocolo cria para as empresas e para a saúde e segurança dos cidadãos da UE.

Maros Sefcovic

Vice-presidente da Comissão Europeia

O vice-presidente acrescentou que “a Comissão irá também considerar o lançamento de novos processos de infração que protejam o mercado único da UE dos riscos que a violação do Protocolo cria para as empresas da UE e para a saúde e segurança dos cidadãos da UE.”

“Paralelamente, e em consonância com o forte e antigo compromisso da UE para com as empresas e os cidadãos da Irlanda do Norte, em breve apresentaremos em maior detalhe o nosso modelo para a implementação flexível do Protocolo, baseado em soluções duradouras no âmbito do mesmo. Tal demonstrará que existem soluções para as questões levantadas pelas empresas e pela população da Irlanda do Norte”, completou.

Londres fala em “ajustes triviais”

Hoje mesmo, ainda antes da apresentação da proposta de lei no Parlamento britânico, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, considerou apenas “ajustes triviais” as alterações ao acordo do ‘Brexit’ contempladas na mesma. “É uma alteração burocrática que precisa de ser feita. Francamente, é um conjunto relativamente trivial de ajustes no grande esquema de coisas”, disse numa entrevista à rádio LBC.

Segundo Boris Johnson, o “maior e mais antigo compromisso legal como país é com o acordo [de paz] de Belfast/Sexta-feira Santa, com o equilíbrio e estabilidade desse acordo”.

O Governo britânico apresentou hoje uma proposta de lei para alterar unilateralmente o Protocolo da Irlanda do Norte, a qual garante que não vai violar o direito internacional. A legislação vai dar aos ministros poderes para desaplicar partes do Protocolo, que foi desenhado entre o Reino Unido e UE como parte do Acordo de Saída do Reino Unido do bloco europeu para manter a fronteira terrestre na Irlanda aberta.

É uma alteração burocrática que precisa de ser feita. Francamente, é um conjunto relativamente trivial de ajustes no grande esquema de coisas.

Boris Johnson

Primeiro-ministro britânico

O acordo do Brexit introduz controlos e documentação adicional sobre mercadorias que circulam entre o Reino Unido e a província da Irlanda do Norte, atrito que foi criticado por empresas e pelos partidos unionistas, que são pró-britânicos. O Protocolo mantém na prática a Irlanda do Norte dentro do mercado único de mercadorias da UE, ficando o território sujeito a normas e leis europeias.

O texto apresentado esta tarde pela ministra dos Negócios Estrangeiros britânica, Liz Truss, contempla a criação de uma “via verde” que isentaria do controlo aduaneiro de mercadorias provenientes da Grã-Bretanha destinadas ao consumo na Irlanda do Norte, embora mantivesse uma “via vermelha” reservada aos produtos destinado à República da Irlanda, integrado no mercado comunitário único.

Da mesma forma, propõe que as empresas que apenas comercializam com a Irlanda do Norte possam escolher se são regidas por regulamentação comunitária ou britânica, e prevê ainda que os subsídios e desonerações fiscais em vigor no resto do território britânico possam ser aplicados naquela província.

Irlanda fala em decisão “muito lamentável” do vizinho

O principal argumento do executivo conservador do primeiro-ministro Boris Johnson para promover a lei é que com a atual aplicação do protocolo o Acordo da Sexta-feira Santa, que trouxe a paz à Irlanda do Norte em 1998, é prejudicado ao impedir a formação de um governo de partilha de poder entre Unionistas e Republicanos, conforme estipulado naquele documento.

Para Londres, a proposta é uma “solução prática e razoável para os problemas enfrentados pela Irlanda do Norte”, embora esteja disposto a desistir do projeto se as negociações com a UE produzirem um resultado aceitável para todas as partes.

Já o primeiro-ministro irlandês, Micheál Martin, contestou que a decisão do Reino Unido de “renegar” um tratado internacional é “muito lamentável”. Em declarações aos jornalistas, disse que “essencialmente anunciar a violação unilateral de um acordo internacional é um assunto bastante sério e não pode ser simplesmente posto de lado”.

“É uma questão muito séria porque vai ao cerne da questão da confiança e a União Europeia precisa de ter um parceiro de confiança com quem negociar”, justificou, em linha com a posição expressa na rede social Twitter pelo ministro irlandês da Defesa e dos Negócios Estrangeiros.

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