Da economia à saúde, 13 medidas de políticas públicas vistas à lupa

  • Lusa
  • 20 Julho 2022

Relatório do ISCTE sobre o estado da Nação em 2022 analisa 13 áreas da governação, como a economia e a inovação empresarial, o emprego, a função pública ou o combate à corrupção.

O relatório do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais (IPPS-ISCTE) sobre o estado da Nação em 2022 faz 13 retratos e analisa 13 medidas de políticas públicas, da descentralização na saúde ao combate à corrupção.

“O objetivo deste relatório é proporcionar um retrato da situação do país nas várias áreas da governação, percebermos quais são os principais desafios, as principais oportunidades e depois analisar com mais profundidade em cada uma das áreas uma medida de política pública, entre muitas que seria possível analisar”, explicou à Lusa Ricardo Paes Mamede, coordenador do relatório do IPPS-ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

São quase 90 páginas que juntam contributos de 15 investigadores em 13 capítulos que correspondem outras tantas áreas da governação – Saúde, Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, Proteção Social, Emprego, Economia, Estado, Justiça, Transportes, Habitação, Democracia e Demografia. Os capítulos são curtos e estão divididos em duas partes, uma de diagnóstico e outra, mais desenvolvida, de análise de uma medida específica de política pública.

Economia e a inovação empresarial

Diagnóstico

Vítor Corado Simões, da Lisbon School of Economics and Management, aborda, neste capítulo, as Agendas Mobilizadoras, uma das medidas de política económica incluída no PRR, que tem associado um “envelope financeiro” de 558 milhões de euros. É um instrumento para acelerar a “transformação estrutural da economia portuguesa”, afetada por um “eterno problema do padrão de especialização” e de “competitividade internacional”.

Política em análise

Numa análise às Agendas Mobilizadoras, Corado Simões aponta o “potencial transformador” e assinala riscos que se colocam no futuro. Podiam ter “maior ambição”, além de mais “diversidade de competências” e “falta de parceiros tecnológicos”. “É bom que as políticas públicas assumam riscos e procurem estimular o reforço da complexidade e a transformação da economia portuguesa e alguns riscos que se colocam à sua execução”, conclui.

Estado e administração pública

Diagnóstico

O retrato é feito por João Vasco Lopes, do ISCTE, que aponta o “envelhecimento” e a “degradação salarial” da administração pública. Em 2021, ano dois da pandemia de covid-19, registou-se “o mais elevado número de entradas e de saídas na administração pública durante a última década, com destaque para o setor da saúde”.

Política em análise

É analisado o Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública (PlanAPP), criado em 2021, que define estratégias, prioridades e objetivos das políticas públicas. “Entre os riscos e desafios que o PlanAPP enfrenta incluem-se o funcionamento em silos de diferentes entidades do Estado, o foco excessivo na conjuntura e até o risco de extinção associada a mudanças de governo”.

Saúde

Diagnóstico

Os investigadores Gonçalo Santinha, da Universidade de Aveiro, e Julian Perelman, da Universidade Nova de Lisboa, concluem que a pandemia de covid-19 “veio agudizar as desigualdades sociais” no acesso à saúde”, deixando os mais pobres mais desprotegidos. E dão um exemplo: “O risco de não aceder a uma consulta por razões financeiras é de 6% para os mais ricos e de 26% para os mais pobres.”

Política em análise

A política analisada é a da descentralização de algumas competências na saúde para os municípios. Essa descentralização pode contribuir que se tenha “em consideração a diversidade de fatores” com impacto na saúde das populações, mas também “poderá não responder melhor às necessidades de saúde se não for acautelada a articulação entre os diversos atores e uma afetação adequada de recursos”. Os investigadores deixam ainda um alerta: “A descentralização na saúde pode abrir porta a investimentos muito desiguais entre autarquias ricas e pobres, cavando ainda mais o fosso das desigualdades em saúde.”

Educação

Diagnóstico

Susana Batista, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, aborda os “grandes progressos nacionais” e as “assimetrias regionais”, concluindo que essas diferenças, regionais ou locais, devem ser tidas em conta “na conceção de políticas” no setor.

Política em análise

A política pública em análise é da recuperação das aprendizagens pós-pandemia. Em 2021, segundo um estudo do IAVE, os alunos revelaram desempenhos aos alunos com idade equivalente em 2019. O plano 21/23 Escola+, do Governo, com verbas do PRR, está centrado na ação das escolas e professores, mas Susana Batista alerta existe o risco de a diferença de capacidades e recursos entre estabelecimentos de ensino “acentuar desigualdades” entre escolas e alunos.

Cultura

Diagnóstico

Na área da Cultura, Pedro Costa, do ISCTE, alerta que as famílias gastam menos em cultura e lazer, uma tendência já com duas décadas, e agravada pela pandemia. Embora também afirme que houve um “crescimento das práticas ‘caseiras’” (com recurso a plataformas de `streaming´, por exemplo) a par de maior volume de receita e espetadores em festivais de música, no património e cinema.

Política em análise

A transposição da diretiva europeia do audiovisual, para “garantir um quadro fundamental” para regulação e financiamento do setor, também “contem ameaças e desafios para manter a diversidade e especificidade do cinema e audiovisual nacional”.

Ciência e Tecnologia

Diagnóstico

Tiago Santos Pereira, do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra, destaca, no seu texto, o interesse dos portugueses em novos desenvolvimentos científicos (80%) ou descobertas médicas (70%) mas também que a precariedade no emprego científico continua elevado, especialmente entre os jovens.

Política em análise

É abordada a experiência dos Laboratórios Associados, instituições centrais na estruturação dos sistemas científico e tecnológico, e que têm tido impacto na “consolidação de equipas de elevada qualidade e internacionalização”. Neste capítulo, é apontado um problema: o financiamento insuficiente que “não permite realizar os programas de atividades propostos e avaliados”.

Proteção de social e os idosos

Diagnóstico

Paulo Pedroso, do ISCTE e ex-ministro, é o responsável por este capítulo em que conclui que a falta de cuidados para idosos é um risco a agravar-se. Portugal, concluiu, é dos países onde é mais reduzida a cobertura de idosos por cuidados de longo prazo e é também dos que menos recursos despendem.

Política em análise

O Pacto de Cooperação para a Solidariedade, acordado entre o Estado, autarquias e IPSS, de 2021, é analisado por Pedroso, para concluir que o plano de descentralização alarga a cooperação a outros domínios como o apoio à primeira infância (creches e creches familiares). “A dependência mútua entre o Estado (que financia) e a rede de IPPS (que asseguram muitas respostas sociais a que o Estado está obrigado) criou um equilíbrio delicado, que o novo Pacto alarga a outros domínios”, diz.

Emprego e os jovens

Diagnóstico

É o emprego, ou a falta dele ou ainda a precariedade, que estão no centro da análise do capítulo de Paulo Marques Rita Guimarães, do ISCTE. Os jovens são o “elo mais fraco” no mercado de trabalho em Portugal quer durante a pandemia quer nesta fase de recuperação económica. E a sua principal fragilidade é mesmo os vínculos contratuais precários.

Política em análise

A Agenda do Trabalho Digno, lançada pelo Governo PS, é analisado pelos dois investigadores, que sublinham a importância de se focar nos “segmentos de mercado de trabalho mais vulneráveis”, a par da opção das medidas a favor da “promoção da estabilidade no emprego”. Ou seja, uma tentativa de “nivelamento por cima”, combatendo a “segmentação do mercado de trabalho” e num “aumento da regulação das formas de contratação atípica”. E consideram importante o reforço da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT).

Justiça e combate à corrupção

Diagnóstico

É o advogado Rui Patrício, da Faculdade de Direito, Universidade Nova de Lisboa, que faz um retrato ao setor, centrado no problema da falta de confiança dos cidadãos na justiça. Que, defende, deve ser estudado: “impõe-se um estudo alargado, profundo, multidisciplinar sério” sobre os motivos que levam mais de metade dos portugueses a não confiar na justiça, segundo um estudo do Eurobarómetro.

Política em análise

Rui Patrício avalia uma parte da Estratégia Nacional Anticorrupção, um programa de cumprimento normativo, que representa uma “privatização do combate à corrupção”, dado que as “entidades privadas têm agora a seu cargo uma tarefa de prevenção de crimes que tradicionalmente estava apenas reservada a entes públicos”. “O novo paradigma da prevenção da corrupção é produto de um implícito reconhecimento de algum falhanço ou mesmo derrota por parte do Estado (que tem tido o monopólio preventivo-repressivo) e dos tradicionais instrumentos de regulação estatal”, escreve.

Transportes

Diagnóstico

A pandemia criou a expectativa de uma alteração de padrões de comportamento dos cidadãos quanto aos transportes que não se confirmou, segundo Filipe Moura, do Instituto Superior Técnico. Ou seja, o tráfego automóvel em Lisboa e Porto quase recuperou para os valores pré-pandémicos.

Política em análise

Neste capítulo, são avaliadas as várias experiências municipais de gratuitidade ou redução de preços dos transportes públicos, como Cascais, que em 2020 tornou gratuito o transporte público no concelho, ou Lisboa, que já este ano aprovou o transporte gratuito para estudantes residentes, jovens com menos de 18 anos e cidadãos com mais de 65. Essa eliminação ou redução de preços é provavelmente suficiente para “induzir uma transferência de modos muito significativa”, mas é preciso aguardar pelos resultados.

Habitação

Diagnóstico

Esta foi mais uma área afetada pela pandemia e Sandra Marques Pereira titula, no seu capítulo, que há uma tendência a consolidar-se em Portugal: o recuo da propriedade habitacional. Com uma descida, desde 2001, dos agregados familiares que são proprietários da casa onde vivem E identifica uma maior desigualdade dos jovens no acesso à habitação, decorrente das condições económicas dos pais.

Política em análise

A experiência do plano de residências universitárias é analisada neste capítulo. E fica a saber-se que estava prevista a criação de 12 mil camas em residências até 2022, mas até final de 2020 tinham sido intervencionadas 1.343 por falta de verbas, problema a que o PRR deve responder. Um dos riscos associados a este plano é a execução das obras e a gestão das residências, que exige uma especialização.

Democracia

Diagnóstico

Portugal é considerado uma “democracia com falhas” pelo ‘Democracy Index’, mas há sinais de maior participação da juventude. Se é certo que os jovens têm maior tendência para se abster em eleições, “há diversos sinais que indicam uma crescente vitalidade de uma multiplicidade de coletivos e grupos ativistas na juventude”. A conclusão é de Maria Fernandes-Jesus, da York St. John University e do ISCTE que destaca como exemplo a participação política dos jovens “por formas mais pontuais e individualizadas”, nomeadamente através da Internet.

Política em análise

O caso da exploração de lítio em Portugal é um exemplo de como é existe “escassa consideração pelas consultas públicas”. O Governo “manteve a intenção” de posicionar o país como um dos principais produtores de lítio a nível europeu, apesar da discordância quase unânime na consulta. Nesse processo, em 2021, contaram-se com 1.361 exposições de particulares e mais de uma centena de contributos coletivos.

Demografia

Diagnóstico

Jorge Malheiros, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT), Universidade de Lisboa, e Lara Patrício Tavares, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, fazem um retrato demográfico do país, concluindo que a baixa natalidade se transformou num “novo normal”. Uma das dificuldades para inverter esta tendência é a falta de estabilidade financeira, difícil de conseguir pelas gerações mais jovens para decidirem ter filhos.

Política em análise

A gratuidade das creches, decidida pelo Governo em 2021, é uma medida “pertinente, mas tímida” e o seu impacto demográfico terá de ser avaliado no futuro. Olhando o país regionalmente, há taxas de cobertura superiores a 65% em distritos do interior, mas são mais baixas em concelhos urbanos e entre as crianças mais pobres, até aos dois anos. Os dois especialistas são da opinião de que a gratuitidade das creches “deveria fazer parte de uma política integrada de melhoria de condições de natalidade” que tenha em atenção o combate à precariedade dos jovens e horários de trabalho mais flexíveis.

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