Da surpresa à inevitabilidade, as reações da Saúde à demissão de Marta Temido
Bastonário da Ordem dos Médicos diz que só Marta Temido pode explicar porque entendeu já não ter condições para governar. Sindicatos divididem-se entre surpresa e inevitabilidade.
As reações do setor ao pedido de demissão da ministra da Saúde dividem-se entre a surpresa e a inevitabilidade, horas depois de ter sido anunciado, já durante a madrugada, que Marta Temido pediu para sair do Governo. O bastonário da Ordem dos Médicos acredita que só a ministra pode explicar o porquê de entender já não ter condições para governar. Enquanto isso, os sindicatos acreditam que a decisão é lógica.
Ordem dos Médicos espera um novo ministro da Saúde que “faça acontecer”
O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) disse que só o primeiro-ministro, António Costa, e a ministra da Saúde, Marta Temido, podem explicar o porquê da demissão da titular da pasta da Saúde e que para o cargo se pretende alguém que “faça acontecer”.
Em declarações à agência Lusa, Miguel Guimarães referiu que para o Ministério da Saúde se pretende “um ministro que faça acontecer e que resolva os problemas que afetam a saúde em Portugal e que de uma forma transversal afetam todos os portugueses”.
“A saída da senhora ministra do Governo é uma decisão dela e que só ela pode explicar aos portugueses. E só o senhor primeiro-ministro pode explicar porque aceitou de imediato esta demissão”, referiu, a propósito do pedido de saída do Governo de marta Temido, conhecido hoje de madrugada.
Para Miguel Guimarães falta saber se a saída de Temido se deve “ao facto de já não ter alternativas para resolver os graves problemas da saúde em Portugal”. “Ou foi porque o Governo não lhe deu condições para executar as medidas estruturais que eventualmente poderia querer fazer no Serviço Nacional de Saúde”, questionou.
A saída da senhora ministra do Governo é uma decisão dela e que só ela pode explicar aos portugueses.
“O problema não é a ministra, são as políticas”
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE), Ana Rita Cavaco, relativizou o impacto da demissão da ministra da Saúde, considerando que o principal problema do setor está nas “políticas que o governo decide implementar”.
Ana Rita Cavaco garantiu não ter ficado surpreendida com a saída de Marta Temido e notou que as “profundas divergências” que teve com a ex-governante ao longo de quase quatro anos deixam-na à vontade para defender que o problema não passa pelo nome do titular da pasta da Saúde.
“As decisões que se tomam relativamente ao setor – não é só o Serviço Nacional de Saúde (SNS) – são decisões que estão em consonância com o primeiro-ministro. A estratégia não é de uma pessoa só”, destacou a bastonária, que continuou: “É uma questão de ideologia e do que está por detrás das decisões que se tomam e dos recursos colocados à disposição para tomar ou não essas decisões, porque os problemas estão identificados há muitos anos.”
“Somos um país que escolhe pôr dinheiro na banca e na TAP ao invés do SNS. Sem um mínimo não é possível fazer as reformas que estão identificadas há muito”, acrescentou, acentuando a responsabilidade de António Costa: “É o chefe do executivo. Portanto, Marta Temido trabalhou com as condições que lhe deram e fê-lo em consonância com o primeiro-ministro”.
Segundo a bastonária da OE, havia já um “desgaste muito grande” em torno de Marta Temido. Contudo, a maior preocupação de Ana Rita Cavaco centrou-se na definição de respostas para os problemas apontados pelos enfermeiros e na necessidade de reformas estruturais que entendeu serem “decisivas” para as pessoas.
“O que nos preocupa agora é quem vai a seguir e se vai fazer aquilo que é necessário: vão rever a carreira dos enfermeiros? Vão finalmente negociar o internato? Vão ter medidas de fixação para enfermeiros?”, questionou a responsável, sem deixar de lembrar “os enfermeiros que estão a sair das escolas e a emigrar para países estrangeiros sem uma medida de fixação”, com exceção para os contratos de quatro meses.
Confrontada sobre o nome do futuro titular do Ministério da Saúde e a expectativa de um melhor relacionamento com a tutela, a bastonária assumiu que “pode ser obviamente melhor” e lembrou inclusivamente o nome do secretário de Estado Adjunto e da Saúde.
“António Lacerda Sales tem uma ótima relação com todos os intervenientes do setor. É evidente que isso ajuda e gostamos sempre muito mais de trabalhar e de resolver problemas com pessoas simpáticas e que conseguem interagir connosco do que com uma pessoa que, no caso da OE, nos fez uma sindicância, porque não gostava do trabalho que fazíamos”, finalizou.
Sindicato Independente dos Médicos considera inevitável demissão da ministra
O Sindicato Independente dos Médicos considerou, por sua vez, que a demissão da ministra da Saúde era inevitável, sublinhando que já há algum tempo se assistia a uma dissociação da realidade por parte de Marta Temido relativamente aos problemas do setor.
Em declarações à agência Lusa a propósito da demissão da ministra da Saúde, Jorge Roque da Cunha disse compreender a decisão do primeiro-ministro, António Costa, em aceitar o pedido de Marta Temido.
“O Sindicato Independente dos Médicos nunca exige a demissão de membros do Governo porque isso compete aos portugueses escolher o primeiro-ministro e ao primeiro-ministro fazer as suas escolhas, mas na verdade, nos últimos meses temos assistido a uma dissociação da realidade por parte de Marta Temido quando no fim de semana passado ainda diz que contrataram milhares de profissionais de saúde e médicos, não atendendo às recomendações que a DGS efetuou ao facto de haver 1 milhão e 500 mil portugueses sem médicos de família, aos problemas permanentes das urgências de obstetrícia de medicina interna e da incapacidade de dialogar com os responsáveis do setor”, destacou.
Federação dos médicos exige mudança de política
O presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Noel Carrilho, considerou que a demissão de Marta Temido “não surpreende”, mas destaca que agora chegou a hora de avançar e encontrar soluções para os problemas do setor.
“Diria que não é surpreendente [a demissão]. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem vindo a degradar-se de tal modo que já era indisfarçável, que não se conseguisse cumprir os objetivos. Contudo, mais do que personalizar num ministro as diversas atuações, queremos perceber se este gesto se vai refletir numa mudança de política com destreza e celeridade para resolver os problemas”, destacou à Lusa Noel Carrilho.
O presidente da FNAM lembrou que qualquer tempo que se perca agora será sempre um prejuízo irrecuperável para os doentes.
“Não é um tipo de ministério que se compadeça de atrasos. É importante que se avance, que não se exerça, que não sirva esta mudança de cara no ministério para questionar mais uma vez as medidas que são necessárias. Infelizmente há várias questões a destacar de forma negativa e todas denunciadas em bom tempo, por exemplo a ausência de diálogo, que veio ferir de morte a relação com os médicos”, disse.
Noel Carrilho sublinhou que a FNAM não quer centrar-se no passado, embora seja importante fazer essa avaliação para não repetir erros no futuro.
“Queremos centrar-nos nas possibilidades futuras e estamos como estivemos sempre abertos à negociação, ao diálogo e estar do lado das soluções”, disse.
No que diz respeito ao novo ministro, Noel Carrilho disse esperar que seja “alguém com espírito dialogante aberto às ideias das pessoas no terreno” e que “traga consigo peso político, iniciativa política”.
Sindicato dos Enfermeiros consideram que demissão é “lógica”
A dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses Guadalupe Simões considerou “lógica” a razão evocada pela ministra da Saúde para se demitir, mas não estava à espera.
“Não estávamos à espera. Digamos que por um lado ficamos surpreendidos mas, por outro lado, e face àquilo que têm vindo a ser os constrangimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a ausência de soluções estruturais para os problemas parece lógico a ministra evocar as razões que evocou para pedir a demissão”, disse Guadalupe Simões.
“Para nós, na realidade, não nos interessa quem é o ministro da Saúde, o que nos interessa são as políticas de saúde e sobre as políticas de saúde sabemos o que defendemos e defendemos o SNS que tem problemas estruturais e que precisam de solução”, disse ainda a presidente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
Não nos interessa quem é o ministro da Saúde, o que nos interessa são as políticas de saúde.
Guadalupe Simões recordou que com Marta Temido foi “renegociada” uma nova Lei de Bases da Saúde que coloca o SNS como o “pilar” da oferta de cuidados de saúde sendo que, frisou, é preciso aprofundar e melhorar as ofertas.
Por isso, considera a responsável pelo sindicato que “seja quem for o ministro da Saúde, o que é preciso é que o Governo, que tem a maioria absoluta” desenvolva aquilo que está expresso na Lei de Bases da Saúde.
Desta forma, insiste que é necessário “um SNS forte”, capaz de dar resposta, que seja inovador, onde os profissionais de saúde possam desenvolver investigação e que tenha capacidade para manter os profissionais.
Em concreto em relação aos enfermeiros, Guadalupe Simões diz que espera que o Governo cumpra os prazos das negociações em curso.
“Nós temos um processo negocial que está a decorrer e espera-se que quem for o próximo ministro da Saúde seja concluído dentro do prazo que estava previsto, que era setembro, e que rapidamente se avance para a alteração da carreia de enfermagem, tal como está previsto no próprio programa do Governo: a valorização das carreiras profissionais na área da Saúde”, disse à Lusa Guadalupe Simões.
Saída da ministra da Saúde era expectável
O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) considerou que a demissão da ministra da Saúde “era expectável” face à falta de condições que Marta Temido foi tendo para fazer mudanças necessárias no Serviço Nacional de Saúde.
“Diria que era uma demissão expectável (…). A dificuldade de diálogo que foi acumulando com os diferentes intervenientes acabou por ditar esta demissão. Diria que era expectável que viesse a acontecer, mas não esperávamos que fosse já”, disse à Lusa Xavier Barreto.
Na opinião do presidente da APAH, Marta Temido não conseguiu mobilizar o setor e não teve a força política para convencer o Conselho de Ministros a tomar decisões importantes sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“O SNS precisa de reformas urgentes, o setor das urgências foi o mais abordado nos últimos tempos com os encerramentos, mas é preciso lançar reformas importantes e para isso temos que ter os profissionais connosco, temos de ser capazes de os mobilizar. A senhora ministra foi perdendo essa margem de mobilização do setor para essas mudanças. Esse foi o principal problema. Teve também sempre alguma dificuldade em fazer valer dentro do Governo, dentro do Conselho de Ministros, as suas propostas de mudança e a necessidade de reforçar SNS”, sublinhou.
Questionado sobre aspetos positivos na governação de Marta Temido, o presidente da APAH realçou o combate à pandemia de Covid-19. “Destacaria o empenho e a dedicação que revelou durante o combate à pandemia, que não foi isento de erros. Houve vários problemas de descoordenação, que foram sendo mitigados até com reforço das administrações dos diferentes hospitais, mas ninguém dúvida da sua dedicação, do empenho, dos esforços que a ministra entregou no combate à pandemia”, salientou.
Quanto ao próximo ministro da saúde, Xavier Barreto disse esperar que seja um ministro com “capacidade técnica e conhecimento do setor, mas que tenha uma forte força politica para convencer o Conselho de Ministros a investir mais no SNS”.
“Reforçar aspetos fundamentais do SNS como por exemplo as carreiras dos profissionais de saúde. Destacaria a nossa, a dos administradores hospitalares, que está por rever há mais de 20 anos, que não teve nenhuma evolução durante o mandato da Marta Temido, uma situação que lamentamos e esperemos que seja uma prioridade para o próximo ministro da Saúde”, concluiu.
(Notícia atualizada pela última vez às 13h20)
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