BRANDS' ECOSEGUROS Desafios da IFRS 17: aplicação do Variable Fee Approach

  • BRANDS' ECOSEGUROS
  • 14 Setembro 2022

A implementação da IFSR 17 tem sido um dos maiores desafios das empresas de seguros nos últimos anos, introduzindo novos requisitos contabilísticos para contratos de seguro e resseguro.

A IFRS 17 entra em vigor para os períodos com início em ou após 1 de janeiro de 2023 e substitui as regras aplicáveis da IFRS 4 – Contratos de Seguros, introduzindo alterações significativas às abordagens e pressupostos de cálculo considerados na mensuração dos contratos, com o propósito de fornecer maior transparência e comparabilidade das demonstrações financeiras aos vários stakeholders do mercado segurador.

A norma é complexa e baseada em princípios, o que acarreta alguma subjetividade das entidades na adoção dessas abordagens e pressupostos e torna esta implementação um importante desafio para o setor.

Quando se fala em subjetividade na interpretação da norma, uma das matérias que tem sido alvo de maior discussão e preocupação no mercado nacional prende-se com a mensuração dos contratos, utilizando o modelo modificado, denominado também como Variable Fee Approach (VFA). A norma prevê três modelos distintos para a apreciação contabilística de contratos de seguro: o modelo geral, o modelo simplificado e o modelo modificado. O último é baseado no modelo geral, mas com especificidades adicionais para contratos de seguro com características de participação direta.

Os contratos de seguro com características de participação direta incluem contratos de investimento com características de participação discricionária ou não discricionária que verifiquem as condições de participação direta. Estas condições, em conformidade com o disposto na norma, são as seguintes:

  • O contrato especifica a participação do tomador numa pool de ativos subjacentes, claramente identificáveis;
  • A entidade espera pagar um montante igual a uma parte substancial do justo valor do retorno dos itens subjacentes;
  • É expectável que uma parte substancial de qualquer alteração nos montantes a pagar varie em função da alteração do justo valor dos itens subjacentes.

Contratos que cumpram os três requisitos, de forma cumulativa, são identificados como contratos com participação direta e mensurados através do VFA. Os restantes são contratos com participação indireta e avaliados de acordo com o modelo geral ou simplificado. No entanto, estes critérios incluem termos sujeitos a subjetividade, sendo, por isso, conferido algum grau de liberdade na sua interpretação e corroboração. Veja-se, por exemplo:

  • Relativamente à condição a), de que forma o contrato deve especificar esta pool? Quando é que os ativos são “claramente identificáveis”? É aceitável o contrato referir uma pool de ativos de uma forma lata ou o polo oposto, em que esta é identificada ativo a ativo? Existe um meio termo entre estes cenários que seja razoável para cumprir este ponto?
  • No que respeita ao critério b), quando é que uma parte do retorno dos ativos subjacentes é “substancial”? Pelo menos 50% deste retorno? Ou poder-se-á ponderar um outro valor? E como apurar esta percentagem? É possível equacionar diferentes rácios plausíveis para efetuar este cálculo.
  • Finalmente, na alínea c), e à semelhança do ponto anterior, o que se considera uma “parte substancial”? E, para comprovar esta substancialidade, qual o método mais apropriado para captar a correlação entre as alterações dos montantes a pagar e as variações do justo valor dos itens subjacentes?

Estas questões servem para evidenciar que a norma não é taxativa na forma de verificar estas condições, sendo que o risco que advém deste quadro é nítido: racionais díspares adotados pelas seguradoras para avaliar e classificar contratos como tendo participação direta ou não, com o consequente impacto na seleção do VFA, ou um dos outros modelos, para os mensurar.

Este potencial desalinhamento pode originar distorções significativas na consistência e comparabilidade das demonstrações financeiras entre estas entidades, já que contratos com as mesmas características podem ter por base modelos distintos de mensuração, e uma vez atribuída a classificação a cada contrato, não existe a possibilidade de reavaliar essa classificação.

Por tudo isto, o estudo do VFA é exigente e desafiante. A análise apresentada tem como objetivo refletir sobre os critérios de cumprimento das condições de participação direta, mas existem outras matérias relacionas com a aplicação do VFA que carecem de uma análise aprofundada e consenso no setor. Ficam, para debate futuro, as seguintes interrogações:

  • Uma vez que muitos destes contratos apresentam alguma antiguidade, terá o mercado informação histórica suficiente que permita, na data de transição da norma, aplicar a abordagem retrospetiva completa para calcular os mesmos? Se, e apenas se, não for praticável acomodar esta abordagem, deve-se eleger uma das abordagens alternativas: abordagem retrospetiva modificada ou abordagem do justo valor. Será que a metodologia para selecionar as abordagens de transição é concordante entre as seguradoras?
  • Fará sentido que, à luz da IFRS 4, produtos que no passado foram classificados como contratos de investimento com características de participação discricionária, mas onde se constata, ao serem reavaliados em ambiente IFRS 17, que desde a sua origem nunca distribuíram essa participação (e não é expectável que a distribuam no futuro), passem a ser aferidos através da IFRS 9 – Instrumentos Financeiros? Há espaço para argumentar que estes são, na sua essência, contratos de investimento e não contratos de seguro?

Esta reflexão deixa claro que as questões em torno do VFA, e da norma como um todo, são muitas e nem sempre de resposta evidente. Mesmo sabendo-se que não existem respostas one size fits all para todas estas interrogações, a conclusão é inequívoca: é essencial um esforço conjunto e coordenado entre todos – regulador, seguradoras e auditores – no sentido de antecipar dificuldades e alcançar entendimentos comuns que garantam, na entrada em vigor da norma, a harmonização do relato financeiro das empresas de seguros.

Texto por João Ferreira de Sousa, Manager EY, Assurance Financial Services

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