BRANDS' TRABALHO Promova Talks: “Sendo mulher, demonstrar confiança não chega”

  • Trabalho + CIP
  • 22 Novembro 2022

A quinta convidada da II temporada do "Promova Talks" é Sandra Rodrigues, da EDP. A responsável apresentou os desafios do seu percurso, mas também falou das mudanças positivas que tem observado.

A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) desenvolveu o “Promova Talks”, o espaço de debate do Projeto Promova, que visa sensibilizar as empresas para o tema da igualdade de género. Esta iniciativa, que agrega vários podcasts com as convidadas da primeira temporada, pretende alargar o acesso das mulheres a cargos de liderança nas empresas portuguesas.

Sandra Rodrigues, Head of Consolidation Department na EDP, é a quinta convidada desta série de podcasts. Antes de assumir este cargo na EDP, a responsável passou por diversos cargos relacionados ao ramo financeiro noutras empresas nos quais pôde observar alguns desigualdades.

Até chegar ao cargo no qual se encontra atualmente na EDP, fez todo um percurso no ramo financeiro. E, tendo em conta que a área das finanças é, muitas vezes, ocupada por homens, alguma vez sentiu uma forma de tratamento diferente por ser mulher?

Eu entrei no mercado de trabalho através de uma Big Four em auditoria financeira, onde os processos de recrutamento e de progressão de carreira eram bem conhecidos por todos, exceto no nível máximo, o de partner, que era ocupado apenas por homens. Todos os outros níveis estavam igualmente distribuídos por homens e por mulheres, pelo que equipas mistas e equilibradas eram o habitual e o tratamento não era diferenciado. No entanto, aquando do recrutamento, recordo uma questão direta sobre planeamento familiar, a qual não foi colocada aos candidatos homens.

A questão sobre planeamento familiar voltou a ser-me colocada quando mudei para a banca, onde, apesar de incorporar uma área corporativa e não comercial, o cenário que encontrei já foi bem diferente. Estávamos no final do século XX, as equipas eram constituídas maioritariamente por homens e cargos de direção ocupados por mulheres eram, claramente, exceção. Talvez por isso fosse percetível alguma condescendência masculina, que, apesar de dispensável, não considero que tenha sido uma barreira para a minha aprendizagem e crescimento profissional, até porque foi mesmo essa aprendizagem/experiência que me trouxe o desafio EDP e a gestão de equipas que tanto me entusiasma e onde ainda hoje me mantenho.

O que é ainda poderia ou deveria ser feito para promover uma igualdade de género em todas as áreas de trabalho?

Eu acredito que ainda haja mesmo muito a fazer. Talvez começar por alertar que a nossa sociedade, ainda nos dias de hoje, olha de forma distinta para a confiança no masculino e a confiança no feminino. Geralmente, quando uma pessoa transmite confiança aos outros, eles assumem que ela é competente até prova em contrário. E isto acontece com frequência se a pessoa em questão for um homem, mas, sendo mulher, demonstrar confiança não chega. Neste caso, a mulher tem que demonstrar igualmente a competência e a dedicação aos outros. Ou seja, é como se, sendo mulher, estas três capacidades estão indissociáveis – confiança, competência e preocupação com os outros.

No que diz respeito à parentalidade, se trouxermos a lei portuguesa para a partilha obrigatória de dois progenitores (algo que já acontece até no país vizinho), talvez ajude seriamente a relativizar o peso cultural no que diz respeito a esta matéria, uma vez que 13 anos depois de implementados incentivos legais para a partilha da mesma, continuamos sem assistir a grandes resultados. O chamado mês do pai é bastante revelador do entendimento da nossa sociedade e consequente de quem faz a lei, colocando diferentes expectativas nos trabalhadores do sexo masculino e do sexo feminino.

Que mudanças é que a EDP tem vindo a desenvolver para promover a igualdade e a inclusão?

A EDP, como empresa socialmente responsável, incorpora os princípios diversidade, equidade, coesão, sentido de pertença nos seus valores e práticas e reconhece que estes valores são de responsabilidade de todos os seus colaboradores. Isto é algo que considero que também transmitimos à sociedade, quer nas nossas publicidades, nas nossas campanhas, na nossa interação com a sociedade em si.

Atualmente, a grande maioria dos colaboradores são homens, uma vez que no setor da energia, a maior parte das funções estão, tradicionalmente, mais associadas aos homens. Não obstante, a diferença tem vindo a atenuar-se, sendo claro que o nosso compromisso continua a ser o de recrutar e selecionar homens e mulheres de igual forma e mediante os mesmos critérios, nomeadamente no compromisso, no reconhecimento do trabalho dos nossos colaboradores ao nível dos processos de promoção e de progressão de carreira. É muito importante que o acompanhamento dos colaboradores e a progressão seja feita em iguais critérios e isso não pode colocar em causa o objetivo de recrutar e de manter mais mulheres.

A propósito disso, temos desenvolvido uma campanha global – #REBELSFORCHANGE – que pretende sensibilizar e promover a participação de mais mulheres em carreiras como a ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Esta campanha foi materializada num vídeo e expõe crianças – rapazes e raparigas – a vários objetos relacionados com diversas profissões, incluindo um capacete branco que eles têm de atribuir a um manequim homem ou mulher.

No caso do capacete branco, por exemplo, a maioria das crianças colocou-o no lado do manequim masculino, o que demonstra ainda a associação do género a determinadas profissões que, neste caso, é uma área profissional onde as mulheres ainda são uma minoria. Esta nossa campanha inclui várias intervenções nas redes sociais no grupo EDP, com testemunhos reais de colaboradoras em carreiras técnicas e outras ações de sensibilização internas.

No Brasil, também desenvolvemos um programa pioneiro no setor elétrico: uma escola de eletricistas para mulheres, que inclui um pacote formativo extenso (são cerca de 550 horas de formação), adequado à população, com uma atribuição de uma bolsa e uma certificação e inclusão na rede de candidatos da EDP. Referir que, no total, este programa já contou com mais de 6 mil candidaturas, 4 turmas já foram concluídas, resultando em 59 mulheres formados e 68 teve empregabilidade na EDP ou em empresas parceiras.

A sua participação no projeto Promova trouxe-lhe uma maior consciência para este tema? De que forma é que este programa a conseguiu ajudar?

Eu não diria uma maior, diria sim uma consciência diferente. Até ao Promova, a minha perceção era de que a evolução socioeconómica que conhecemos atualmente no mercado de trabalho levava as empresas a incluir nas suas agendas programas focados, essencialmente, na questão do género, programas estes que, a meu ver, visam principalmente ajudar as mulheres a imitar os homens com o pressuposto subjacente de que as mulheres merecem o mesmo ou que são igualmente capazes de os fazer.

Mas pergunto se será este objetivo lógico quando temos bastantes exemplos de lideranças que são prejudiciais para as organizações? Ora, em vez de tratarmos a liderança como um prémio ou como uma recompensa pessoal por chegar ao topo, acredito sim, que devemos olhar, antes de mais, para a liderança como um recurso para a organização. E, nesse sentido, esse recurso só é bom quando os colaboradores beneficiam dele, conduzindo a níveis mais elevados, tanto de compromisso, como de confiança e produtividade. Elevar os padrões de liderança e não simplesmente ter mais mulheres no comando deve, de facto, ser a nossa principal prioridade. E foi isso mesmo que encontrei no Promova. E por isso estou tão agradecida.

Quais foram as ferramentas oferecidas pelo projeto que provocaram mudanças na sua vida?

De todas as ferramentas oferecidas pelo Promova e, maioritariamente, são todas muito boas. De facto, o que mais valorizei foi o networking e a convivência fora da minha empresa. Mais do que as ferramentas em si, este projeto trouxe-me pessoas, pessoas dispostas a partilhar as suas experiências, pessoas que são curiosas em relação ao mundo, pessoas com diferentes perspetivas e que muito complementam a minha própria perspetiva. São pessoas que nos ensinam a questionar as nossas opiniões e a desafiar o chamado open mind. Este projeto convida-nos a deixar cair pontos de vista que já não nos servem e a valorizar a flexibilidade mental, a humildade e a nossa curiosidade. Basicamente é esta a grande valia que agora posso usufruir.

Que mensagem gostaria de deixar às futuras participantes do projeto Promova?

Em primeiro lugar, eu gostava de partilhar que o facto de eu ter colocado este projeto como prioritário na minha agenda diária que, normalmente, é bastante desafiante, foi primordial para garantir a minha presença em todos os momentos do mesmo. Sempre que algo inesperado surgia, não era necessário rever prioridades porque este projeto já era a minha prioridade. Por outro lado, realçar que, por mais espetacular que seja o projeto, a forma como nós o vivemos e experienciamos é que o torna diferenciador, pelo que o open mind e a predisposição serão sempre uma grande mais valia que as mulheres que experienciarem este projeto devem ter em consideração.

Ouça aqui o episódio:

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O Projeto Promova conta com o apoio da ANA Aeroportos, da EDP, da Randstad e da SONAE.

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