Investigadora da Associação Cívica Transparência e Integridade diz que vistos Gold e alojamento local estão a empurrar as pessoas para fora da cidade, aumentando os preços do imobiliário.
Susana Coroado, investigadora da Associação Cívica Transparência e Integridade (TIAC) — organização não-governamental que tem como missão combater a corrupção — diz que é preciso “insistir no conceito de beneficiário efetivo”. O Parlamento já aprovou um diploma que obriga os bancos a revelarem quem são os beneficiários efetivos que participam no seu capital mas Susana Coroado entende que é preciso ir mais longe.
Recentemente foi aprovada uma proposta sobre os beneficiários efetivos. Esta iniciativa vem já resolver o problema que já tinha sido identificado como um ponto fraco pela TIAC?
Não, o problema é que só vai abranger bancos. Precisávamos que abrangesse todas as empresas.
O que falta então? Tornar a proposta mais abrangente?
Sim, alargar a proposta a todas as empresas. Obrigar a que as empresas, seja no seu site, na documentação que entregam às autoridades, revelem os beneficiários efetivos, quem são os seus proprietários. E também que haja uma base de dados, um registo que o Governo é obrigado a fazer no âmbito da transposição da quarta diretiva anti-branqueamento de capitais que, tanto quanto sabemos, devia estar a sair.
O Governo vai ter que fazer o registo de beneficiários efetivos das empresas registadas em Portugal. Mas a grande dúvida é saber em que moldes será criado esse registo, se é uma base de dados amiga do utilizador… o que temos agora é o upload de documentos em PDF. Isso é muito difícil de procurar. Era interessante que fosse uma base de dados que fosse fácil para o utilizador…
O cidadão comum?
Essa é a segunda questão. Não se sabe se vai ser de acesso livre a todos ou só às entidades sujeitas a obrigações relativas a branqueamento de capitais. A quarta diretiva obriga a que seja só essas entidades: autoridades criminais, tributárias, bancos, imobiliárias, etc.
A quinta diretiva, que está a ser estudada, já está a tentar que seja mais universal, pelo menos a quem prove interesse legítimo. E isso é fundamental. Como vimos agora nesta questão dos offshores e da divulgação ou não, a sociedade civil — sejam organizações não governamentais, seja jornalistas — precisa de ter acesso a essa informação.
Ainda relativamente a esta proposta, que abrange apenas os bancos… é ou não aqui que reside o principal problema?
Depende. Os bancos são obrigados a conhecer os seus clientes e quando suspeitam de transações, em que não conseguem identificar o beneficiário ou por outro motivo, eles são obrigados a comunicar. Também têm de apresentar ao Banco de Portugal os planos de prevenção de branqueamento de capitais. O setor financeiro é um setor de risco mas, por outro lado, também está a trabalhar na luta contra o branqueamento de capitais há muito mais tempo…
Tem outras ferramentas?
Exatamente, e as sanções que lhes foram impostas são muito mais frequentes e são muito altas. Portanto, o setor bancário, embora ainda haja problemas, é um setor que já sabe o que precisa de fazer. O problema em Portugal são as outras entidades não financeiras.
Como…
Estamos a falar de profissões como advogados, notários, solicitadores, que também têm essas obrigações de reporte de atividade suspeita…
Imobiliárias também?
Exatamente, que ainda por cima são um mercado enorme e que, por ser tão grande, estão pouco reguladas e portanto é muito mais difícil o controlo… Vendedores de diamantes, obras de arte, tudo o que sejam produtos de luxo…
Outro problema identificado pela associação são as ações ao portador mas também aqui há uma proposta para acabar com isso…
Vamos ver como vai ser regulamentado. E se realmente vai haver fiscalização e se terminam ou não.
O que nos falta então fazer para combater o problema do branqueamento de capitais?
Temos que fazer duas coisas, em dois níveis diferentes. Por um lado, ao nível da prevenção. Verificámos que há um desconhecimento do conceito de beneficiário efetivo. Especialmente as imobiliárias, mas em geral, as entidades obrigadas consideram que basta conhecer a empresa — por exemplo, se alguém está a comprar um apartamento, basta que se saiba o nome da empresa que está a comprar para estar tudo bem. E isso é um problema. É preciso insistir no conceito de beneficiário efetivo, que estamos a falar de pessoas naturais.
O conceito é vago?
Não. É muito concreto, o problema é que, chegado ao terreno, quem tem essas obrigações ainda não tem verdadeiramente consciência de que estamos a falar de pessoas naturais, de indivíduos concretos, e não de empresas. Depois há também a questão de, com a pressão da crise económica, mais facilmente não se faz essa identificação por medo de perder o cliente ou para fazer a transação rapidamente.
E finalmente há o problema da falta de acesso à informação. Daí insistirmos tanto no registo dos beneficiários efetivos. Se as entidades querem fazer uma transação comercial, querem identificar o cliente, mas não têm os meios para isso…
É a mesma questão das pessoas politicamente expostas, também deve haver obrigações para se identificar, mas não havendo uma lista internacional de Pessoas Politicamente Expostas, ninguém sabe quem são.
Havendo esse registo específico, a ação poderia ser imediata?
Só podemos obrigar ao registo de empresas sedeadas em Portugal. Mas poderia ser mais fácil a identificação dos beneficiários das empresas que estão na Zona Franca da Madeira. Esse é um dos grandes problemas. Estamos a falar de offshores, de ‘Panamá Papers’, de países que não colaboram, mas não temos um offshore em Portugal.
Considera um offshore…
É uma zona que tem benefícios fiscais, é a única zona franca do mundo gerida por privados — é uma entidade privada que exerce um dos poderes mais soberanos de um Estado, que é a cobrança de impostos, porque ao decidir quem entra ou não na Zona Franca, está a decidir a quem é que o Estado deve ou não dar benefícios fiscais.
Especialmente as imobiliárias, mas em geral, as entidades obrigadas consideram que basta conhecer a empresa — por exemplo, se alguém está a comprar um apartamento, basta que se saiba o nome da empresa que está a comprar para estar tudo bem. E isso é um problema.
Justifica-se uma Zona Franca da Madeira?
O problema é que não sabemos. Pedimos que haja um estudo feito por uma entidade estrangeira independente, que avalie os custos e benefícios da Zona Franca da Madeira. A informação é residual, fala-se em criação de emprego mas há pessoas que aparentemente trabalham em dezenas de empresas ao mesmo tempo; há uma ligação enorme entre o poder político da Madeira e a Zona Franca. Aliás, já tivemos casos de deputados identificados como diretores de empresas na Zona Franca da Madeira. A questão é que não sabemos o que é que se passa… Ninguém toca na Madeira, só o Bloco de Esquerda e o PCP vão falando. Não sabemos se vale a pena ou não acabar com o offshore da Madeira, mas seria importante conhecê-lo.
Sobre os vistos Gold, também já identificou problemas. Como estamos atualmente?
A lei já foi alterada, logo na sequência de escândalos, pelo Governo anterior, e este Governo também disse que ia alterar. A questão é: nunca se alterou propriamente as regras, ou o benefício. Continuamos a ter um investimento absurdo em imobiliário, e todas as outras opções que foram dadas continuam a zero.
Podemos falar sobre se é legítimo ou não ter vistos Gold, a questão de se tratar as pessoas de forma diferente — os imigrantes que trabalham aqui há anos, às vezes têm imensas dificuldades em conseguir residência, mas estas pessoas compram residência e passado pouco tempo podem comprar nacionalidade por meio milhão de euros e viverem aqui duas semanas por ano… Há essa questão, mas, sobretudo, Portugal, como já se viu, não tem meios suficientes para verificar a origem do dinheiro.
Muitas vezes o problema não é o visto em si, é que, com a desculpa de querer o visto, podem ser feitas muitas compras com o único objetivo de branquear capitais, com a agravante de que os países a quem tem sido atribuído mais vistos Gold são a China e a Rússia. Que são, por um lado, jurisdições onde é muito difícil haver trocar de informações, e, segundo, há estatísticas que mostram que a maioria dos fluxos financeiros ilegítimos sai desses países.
Isto não deixa Portugal fragilizado perante os parceiros internacionais?
Este tipo de políticas tem sido usado em vários países, alguns até vendem a residência de forma mais barata do que Portugal…
Com a mesma falta de controlo?
Essa questão é que varia muito. De qualquer forma, mais tarde ou mais cedo a UE vai ter fazer alguma coisa… quem diz branqueamento de capitais, diz organizações criminosas ou até mesmo terrorismo. É como o alojamento local… não há registo absolutamente nenhum de quem fica nesses alojamentos. Num hotel, não é só a pessoa que faz a reserva que tem de registar o nome, são todos os hóspedes…
Recentemente saiu um estudo sobre alojamento local que dizia que a esmagadora maioria das reservas são feitas através do Booking e não do Airbnb. Este apesar de tudo ainda pede identificação, no Booking basta um mail… Em relação ao terrorismo, qualquer célula pode ficar num alojamento local que ninguém sabe e no branqueamento de capitais o que acontece é o contrário. Ninguém controla se de facto as reservas que são feitas são mesmo verdade ou se são os proprietários que estão a inventar reservas para justificar a colocação de capital no mercado legal.
Como controlar isto?
Em relação aos vistos Gold, criar mecanismos de maior transparência, tentar perceber quem são.
Os objetivos concretos?
Sim, e também publicar… não queremos o nome da pessoa, mas tem que haver especificamente mais informação sobre de onde vem o dinheiro, o que foi comprado.
E não é isso também que faz aumentar os preços do imobiliário? Não influencia?
Sim. Tanto os vistos Gold como o alojamento local têm esse problema. Já não é só uma questão de Portugal se estar a tornar a lavandaria da Europa, mas são as consequências que isso tem para o dia-a-dia das pessoas. Têm de sair da cidade para conseguir habitação a preços acessíveis, com todos os problemas que há de acessibilidade ao centro, problemas de qualidade de vida… e depois temos uma cidade que está a ficar vazia, porque quem compra…
…não fica cá…
Pois… podem ficar cá 10 dias por ano, é menos do que os turistas ficam…
Já não é só uma questão de Portugal se estar a tornar a lavandaria da Europa, mas são as consequências que isso tem para o dia-a-dia das pessoas. Têm de sair da cidade para conseguir habitação a preços acessíveis.
Quando diz que nos estamos a tornar a lavandaria da Europa, refere-se só aos vistos Gold?
Não. Já vimos os poderes angolanos que vêm legitimar o seu dinheiro para Portugal, também com compra de apartamentos mas já tivemos problemas com transferências bancárias, o investimento que foi feito em empresas…
Aumentando a transparência, as offshores passam a ser menos atrativas?
A vantagem é essa. O que se tem alegado é que nada disto é ilegal, que é um planeamento fiscal das empresas e indivíduos, e o assunto morre aí. O ‘Panama Papers’ foi isso… falou-se dos problemas e de repente começou a dizer-se que não era ilegal e isso matou o debate. Não sabemos se é ilegal ou não porque não há informação. A algum lado vai parar o dinheiro que vem de atividades ilícitas. Não é só por causa dos benefícios fiscais que as pessoas vão para offshores mas é isso que se quer dar a entender… é também porque há confidencialidade, há pouca cooperação entre esses territórios e as autoridades de origem dos fundos… se calhar no dia em que tudo passar a ser transparente, o interesse diminui. Mas isso é mau?
Sobre as Pessoas Politicamente Expostas, falta só um registo centralizado?
Há essa questão e, por outro lado, falando de Pessoas Politicamente Expostas de topo, essas pessoas facilmente conhecem os donos dos bancos, podem ser avisados… muitas vezes acontece que são avisados pelos bancos quando há autoridades a pedir informação. Há mais diligências mas, por outro lado, é mais fácil ocultar. Por um lado, essas pessoas estão sujeitas a uma vigilância maior, por outro lado, tem mais contactos…
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“Com a desculpa de querer o visto Gold, podem ser feitas muitas compras” para “branquear capitais”
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