Governação Económica da UE: no caminho certo mas (ainda) com pouca ambição

Cabe agora aos ministros da UE chegarem a consenso que permita à Comissão preparar as propostas legislativas no primeiro trimestre de 2023. Aí conheceremos as implicações reais desta nova arquitetura.

A Comissão Europeia apresentou finalmente os seus princípios para a reforma da governação económica e do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) da UE, na semana passada. Estas “orientações” — como lhes chama a Comissão — encerram três anos de sucessivos adiamentos e suspensões devido à crise do Covid e do conflito na Ucrânia e surgem na sequência da aprovação por larga maioria do relatório do Parlamento Europeu sobre a governação económica da UE em julho de 2021, do qual fui autora.

As novas propostas são um mea culpa e uma urgência. Um mea culpa porque, com esta reforma, a Comissão reconhece que as atuais regras eram demasiado complexas, rígidas, pouco transparentes e indutoras de assimetrias que limitavam o crescimento e o investimento público. São uma urgência porque não é possível continuarmos mais tempo — regras estão suspensas até 2023 — sem um quadro de governação estável, resiliente a choques e que dê coerência à política orçamental e económica europeia.

Daí que o sentido e conteúdo destas propostas pretendam atingir dois objetivos: Primeiro, serem suficientemente consensuais para influenciarem os orçamentos nacionais já em 2024. Segundo, serem regras que possam efetivamente ser cumpridas e politicamente aceitáveis.

De uma forma global, vão na direção certa e incorporam vários pedidos feitos pelo Parlamento Europeu. Regras mais simples, claras e transparentes. Uso de indicadores observáveis, uma visão de médio prazo e uma abordagem caso a caso na análise da redução da divida pública, são apenas alguns exemplos.

O ponto central desta proposta são, porém, os novos planos orçamentais estruturais de médio prazo, que serão a espinha dorsal desta nova arquitetura, dando assim maior liberdade aos Estados Membros (EM). O modelo é largamente inspirado no Mecanismo de Recuperação e Resiliência (RRF), outro pedido do Parlamento Europeu.

Ou seja, cada EM compromete-se em seguir um plano plurianual, mínimo de quatro anos, proposto por si e negociado, acordado e acompanhado pela Comissão Europeia e aprovado pelo Conselho da UE.

Neste plano, cada Estado-membro alinhará a política orçamental com a sua estratégia de reformas e investimentos com o objetivo de cumprir a meta do défice de 3% todos os anos e reduzir a sua dívida pública para os 60% do PIB. Isto será feito já não a um ritmo igual para todos de redução de 1/20 anualmente — uma exigência insustentável quando o endividamento público só na Zona Euro está hoje acima dos 90% — mas na base da situação concreta de partida de cada país.

O esforço, trajetória e metas para a redução da dívida de cada EM serão analisadas caso a caso, tendo em conta a necessidade de equilibrar as contas públicas de uma forma sustentável, dar espaço orçamental aos Estados-membros para realizarem os investimentos e reformas necessários para promover o crescimento.

Porém, as propostas da Comissão Europeia pecam por ser pouco ambiciosas. O exemplo mais claro é a inexistência de qualquer referência a uma futura capacidade orçamental para a UE, apesar dos elogios ao RRF, SURE ou Next Generation UE ou dos pedidos expressos do BCE, FMI, Parlamento Europeu ou European Fiscal Board. Faltou também ambição, ao não dar um papel relevante e ativo ao Parlamento Europeu e aos parlamentos nacionais, uma situação que enfraquece o escrutínio democrático, decisivo dadas as enormes implicações que estas políticas orçamentais têm na vida dos cidadãos.

Com as orientações em cima da mesa, cabe agora aos ministros da UE chegarem a um consenso que permita à Comissão preparar as propostas legislativas necessárias, o que acontecerá no primeiro trimestre de 2023. Aí conheceremos os detalhes e as implicações reais desta nova arquitetura para os orçamentos nacionais.

Uma coisa é certa, uma vez desativada a chamada cláusula de escape do PEC, tem de ser dada capacidade orçamental aos EM para continuarem os seus programas de investimento necessários nomeadamente os investimentos exigidos pelas transições climática e digital.

Para contribuir para este debate, organizo esta sexta-feira, em Lisboa, uma conferência sobre a Governação Económica da UE em parceria com a Ordem dos Economistas e com o apoio do ISEG. Espero que este seja o primeiro de muitos fóruns de reflexão sobre o que queremos para a governação económica futura da UE.

*Margarida Marques é autora do relatório sobre a governação económica da UE.

  • Deputada Europeia e ex-Secretária de Estado dos Assuntos Europeus

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