Aos 40 anos, a ASF quer autonomia e independência financeira

Margarida Corrêa de Aguiar fez celebrar os 40 anos da entidade reguladora que contou com a presença de Fernando Medina, com a apresentação de estudos pedidos a universidades e um selo comemorativo.

Fernando Medina, ministro das Finanças, abriu a conferência a uma audiência plena de seguradores.

A autoridade de supervisão de seguros e fundos de pensões, hoje ASF, fez esta quinta feira 40 anos, foi criada em 17 de novembro de 1982 com a designação ISP. Para comemorar a data Fernando Medina, ministro das Finanças, fez um discurso inaugural, os Correios emitiram um selo e uma conferência teve lugar focando os desafios do setor. Foi apresentado um estudo preliminar realizado para a ASF pela Universidade do Minho sobre a Poupança de Longo Prazo para a Reforma e outro estudo sobre protection gaps que está, igualmente a pedido da entidade supervisora, a cargo da Nova SBE.

“Contamos com a ASF quanto ao papel das seguradoras no financiamento da economia”, foi como terminou a intervenção inaugural de Fernando Medina, ministro das Finanças, que se referiu às múltiplas funções que o Governo espera do supervisor como a promoção do desenvolvimento do mercado, a proteção dos consumidores, robustez na análise da gestão de riscos com testes de resiliência e transparência, afirmando que há um papel a desempenhar pelo setor segurador no apoio financeiro às empresas.

“Introduzimos uma visão moderna da supervisão”

Margarida Corrêa de Aguiar, presidente da ASF, começou a sua intervenção indicando o mote de seu mandato, iniciado em 2019: “Introduzimos uma visão moderna da supervisão”, disse num momento em que a entidade supervisora estreia nova imagem de marca na sequência da modernização dos seus meios e métodos de comunicação.

Margarida Corrêa de Aguiar, presidente da ASF, “dar resposta às crescentes competências e responsabilidades que os legisladores nacional e europeu têm vindo a atribuir à ASF”.

A presidente relembrou a história da autoridade dos seguros, desde o seu início em 1982, com destaque para as décadas mais recentes em que, após privatizações, novos investimentos em empresas de seguros e crises financeiras, o sistema segurador em Portugal se tornou maioritariamente de capital estrangeiro. Mais recentemente a pandemia e o Brexit que, lembrou Margarida Aguiar, fez sair centenas de empresas de Portugal.

Para além do esforço de melhor comunicação, a presidente notou que “ASF tem feito uma abertura à sociedade, por exemplo à academia, indicando os dois estudos que em seguida foram apresentados.

No entanto, a presidente deixou preocupações: “o trabalho da ASF, enquanto entidade reguladora independente, assenta no princípio da autonomia e independência, o qual deve ter aplicação efetiva no seu funcionamento seja na tomada de decisões regulatórias, de supervisão e sancionatórias, seja quanto aos recursos financeiros de que necessita e à sua gestão para investir em recursos humanos e tecnologia”, acrescentando não ser possível “dar resposta às crescentes competências e responsabilidades que os legisladores nacional e europeu têm vindo a atribuir à ASF e à maior complexidade dos mercados financeiros e emergência de novos desafios, sem um forte compromisso de autonomia e independência de gestão financeira”.

Diretor da OCDE diz que protection gaps são problema mundial

Carmine de Noia, diretor de Financial and Enterprise Affairs da OCDE: protecion gap é um mal mundial.

Num novo momento, conclui-se que “a cooperação multilateral é mais importante como nunca antes” disse Carmine de Noia, diretor de Financial and Enterprise Affairs da OCDE, um orador convidado pela ASF para falar sobre os Desafios dos setores dos seguros e dos Fundos de pensões, regulação e supervisão. Referiu que os gaps de proteção são um problema mundial e que será necessário um reforço de 2,5 a 3,5 milhões de milhões de euros para se atingir um valor segurado robusto para fazer face aos riscos atuais e aos aumentados no futuro na área das catástrofes naturais, cibersegurança e pandemias.

Estudo da UMinho caracteriza relação dos portugueses com poupança

A Poupança de Longo Prazo para a Reforma foi o estudo que Fernando Alexandre, professor na Universidade do Minho apresentou na Conferência da ASF. O estudo resultou de um acordo de cooperação com a ASF tendo em vista à realização de um trabalho alargado sobre a poupança de longo prazo para a reforma. Na primeira fase dos trabalhos realizado um inquérito à população portuguesa sobre a poupança de longo prazo para a reforma, focado nas necessidades, nos hábitos e nas motivações no planeamento da reforma.

Debatendo poupanças e reformas: Teixeira dos santos, Fernando Alexandre, Cristina Casalinho e Rui Pedras.

A equipa da UMinho que para além do coordenador Fernando Alexandre, contou com Cristiana Leal, Hélia Marreiros, Luís Aguiar-Conraria, Miguel Portela, Patrício Costa e Pedro Bação concluiu nesta fase preliminar do trabalho que “poupar para a reforma é distinto de outras formas de poupança”, na ótica dos portugueses.

Os principais resultados apresentados, que serão base para desenvolvimentos posteriores são:

  • O principal motivo para poupar para a reforma é a previsão de quebra de rendimentos na reforma;
  • A poupança para a reforma aumenta com a idade;
  • Pessoas com uma expectativa de vida mais longa poupam mais para a reforma;
  • A precariedade laboral reduz a poupança para a reforma;
  • A poupança para a reforma aumenta com os níveis de rendimento;
  • A expectativa de uma redução do rendimento após a saída da vida ativa aumenta a poupança para a reforma;
  • A propriedade da residência principal aumenta a poupança para a reforma;
  • As pessoas que tomam decisões mais orientadas para o futuro poupam mais para a reforma;
  • Pessoas mais escolarizadas e com mais conhecimentos financeiros poupam mais para a reforma;
  • Os planos de pensão empresa são relevantes para reforçar os laços entre as empresas e os colaboradores.

No painel de debate que se seguiu ex-ministro das Finanças Teixeira dos Santos afirmou hoje que Portugal “tem um problema sério de poupança”, tendo assinalado que a descida progressiva, desde meados da década de 1990, acabou por resultar num aumento da dívida externa. Ainda no debate que contou com Cristina Casalinho, diretora Executiva do Banco BPI e moderado pelo consultor Rui Pedras.

Cristina Casalinho, profunda conhecedora da economia pelos anos dedicados à Gestão da Dívida Pública, destacou o impacto que os Planos Poupança Reforma (PPR) ainda têm, enaltecendo os seus benefícios mas reagiu à apresentação do estudo interrogando-se “como as pessoas acreditam que a taxa de substituição do último ordenado pela primeira reforma é de 100%”, alertando para essas “expectativas desajustadas da realidade”.

A gestora foi ainda assertiva classificando a setor não-bancário como sub-desenvolvido em Portugal, a aversão ao risco continua injustificada e a ideia de maturidades curtas para produtos financeiros quando o longo prazo não é compatível com estas opções. Concluiu elogiando os benefícios fiscais aos aforradores, afirmando que são eficazes quando criados para perdurar no tempo.

Onde e como começar atacar os gaps de proteção

Miguel A. Ferreira apresentou, em nome de uma vasta equipa, um estudo alargado sobre os principais protection gaps que a economia portuguesa enfrenta. O estudo resultou de um acordo de cooperação que a ASF estabeleceu com o Nova SBE Finance Knowledge Center cuja primeira de duas fases foi tornado público na conferência.

Generation gap em análise: Pedro Duarte Neves, Miguel Ferreira, Tim Jehnichen e José Galamba de Oliveira.

O professor identificou os principais riscos e protection gaps associados na nossa economia e caracterização geral dos mesmos. Sugeriu respostas a dar de forma a incorporar a análise em políticas públicas no futuro.

Os principais riscos identificados foram o climático e catástrofes naturais, o risco cibernético, o risco demográfico ligado à saúde e à segurança social e o risco pandémico, com foco na Non-damage business interruption, a interrupção de negócios por causas não resultantes de danos físicos.

Segundo os autores vários temas merecem respostas:

  • Criação de um sistema nacional de cobertura do risco sísmico via obrigatoriedade de contratação de seguro contra sismos nos seguros de incêndio/multirisco de imóveis, com gestão controlada maioritariamente pelo Estado;
  • Oferta de cobertura seguradora contra catástrofes naturais (incluindo sismos) numa lógica opt out em seguros de habitação, de forma a que o default seja a proteção contra este tipo de risco;
  • Criação de mecanismos público-privados que fomentem a penetração de seguros contra catástrofes naturais;
  • Criação de incentivos à revisão periódica dos capitais seguros de forma a mitigar o fenómeno de infraseguro, que exacerba o protection gap;
  • Criação de um quadro legal que uniformize o reporte de incidentes cibernéticos para setores além do financeiro e que force a estimativa e divulgação de danos financeiros causados por ataques cibernéticos com repercussões gravosas para as vítimas diretas (empresas) e indiretas (seus clientes);
  • Criação de incentivos para o investimento em cibersegurança por parte das empresas e das famílias, como por exemplo a diferenciação de prémios de seguro mediante adoção de medidas de mitigação do risco;
  • Criação/alargamento da oferta de programas de formação para a sensibilização das empresas e das famílias acerca do risco cibernético;
  • Produção e divulgação pública de um relatório anual de estatísticas relativas a cibercrimes;
  • Reforço da capacidade do SNS em áreas com elevadas listas de espera e de baixa cobertura por via de aumento da capacidade própria ou da subcontratação (ex: vale cirurgia, cheque dentista);
  • Revisão da comparticipação pública de medicamentos, em especial para famílias vulneráveis;
  • Expansão dos seguros privados na comparticipação de medicamentos;
  • Desenvolvimento de seguros contra despesas catastróficas em saúde;
  • Desenvolvimento de seguros direcionados para famílias de baixos rendimentos (microinsurance);
  • Revisão do modelo de Segurança Social, com reforço dos mecanismos de capitalização, mecanismos de ajustamento automático e diversificação das fontes de financiamento;
  • Revisão das pensões públicas mínimas garantidas (definição de taxa de reposição mínima e de valor absoluto mínimo) e do seu modelo de financiamento (ex: crédito de pensão, impostos, etc.)
  • Promoção da subscrição de mecanismos complementares através da inovação dos seguros privados e da revisão de incentivos fiscais;
  • Monetização de ativos dos reformados com pensões desadequadas (ex: reverse mortgages);
  • Criação de incentivos para o desenvolvimento de planos de contingência para lidar com situações pandémicas que forcem o confinamento da população;
  • Criação de mecanismos público-privados que fomentem a oferta de apólices Non-damage business interruption para os setores mais afetados em situações de confinamento (turismo, restauração, etc.) com caps nas indemnizações e bonificação do prémio a pagar pelos segurados.

No painel debate que se seguiu, moderado por Pedro Duarte Neves consultor do banco de Portugal, José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), sublinhou que no caso dos planos pensões empresas a contratação coletiva tem um papel no estímulo de sistemas de interesse para trabalhadores e empresas na constituição de fundos poupança. O presidente lembrou ferramentas em desenvolvimento como um sistema que centraliza para cada utilizador todos os sistemas de reforma, permitindo uma melhor visão do que o espera na reforma. Também de um simulador já existente no site da APS sobre o custo de reconstrução de edifícios combatendo o infraseguro que devem ter na rede de mediadores um fator de especial atenção junto dos consumidores de seguros. Depositou ainda expectativas no PEPP (produto pan-europeu de poupança) e de uma nova abordagem às PME’s.

Tim Jenichem, presidente executivo da sucursal em Espanha da Munich Re, apontou ser preocupação da resseguradora o gap de proteção existente a nível mundial, realçando 70% dos riscos por catástrofes naturais não estarem cobertos por seguros e, mais, que assegurar a proteção adequada em pensões a nível mundial custaria 1,5 vezes o valor anual do PIB global.

Ritual do selo comemorativo recreado para novo símbolo filatélico dos CTT

António Pedro Silva e Margarida Corrêa de Aguiar mostram o selo comemorativo dos 40 anos da ASF.

Com ritual que se estabeleceu há 200 anos, o aniversário da ASF mereceu dos CTT uma cerimónia de obliteração do selo comemorativo dos 40 anos, protagonizado por Margarida Corrêa de Aguiar e por António Pedro Silva, administrador executivo dos CTT- Correios de Portugal, que encerrou a conferência dos 40 anos da instituição.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Aos 40 anos, a ASF quer autonomia e independência financeira

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião