Economistas questionam eficácia de regras orçamentais propostas por Bruxelas
Principal indicador proposta para aferir cumprimento dos planos de ajustamento orçamental suscita dúvidas. Especialistas temem que redução da dívida pública resvale.
Pouco ambiciosa, centrada num indicador que suscita dúvidas e com um risco elevado de derrapagem. São algumas das reservas à proposta para as novas regras orçamentais na União Europeia deixadas por economistas num debate promovido esta segunda-feira pela Representação da Comissão Europeia em Portugal. Há também elogios para a flexibilidade e adequação à realidade de cada país.
A Comissão Europeia divulgou há duas semanas as suas orientações para a revisão das regras orçamentais a cumprir pelos Estados-membros. Os países incumpridores terão de apresentar um plano a quatro nos, que além de metas de redução da dívida pública terão de incluir reformas estruturais e investimentos públicos prioritários.
Carla Braz, chefe da unidade de Finanças Públicas do Banco de Portugal, questionou a “falta de ambição” da proposta. Saudando a manutenção dos limites de 3% para o défice e de 60% para a dívida pública, a economista assinalou que “se for próximo de 3% pode não ser suficiente para garantir que a dívida é corrigida”.
Por outro lado, “só ao fim dos quatro anos é que a dívida terá de estar numa trajetória descendente, o que suscita a preocupação de os países adiarem a consolidação“, referiu Carla Braz. A proposta da Comissão permite que os Estados-membros peçam mais três anos para concluir o ajustamento, desde que se comprometam com um plano de reformas e investimentos. “Continuamos a correr o risco de haver um adiar dos planos e a submissão sucessiva de planos de ajustamento”, afirmou.
Os mercados financeiros vão ter paciência para esperar quatro anos, ou mais 3 anos se houver um plano de investimentos e reformas?
O horizonte temporal também suscita reservas de Carlos Marinheiro, vogal não executivo do Conselho de Finanças Públicas (CFP). “Os mercados financeiros vão ter paciência para esperar quatro anos, ou mais 3 anos se houver um plano de investimentos e reformas?“, questionou, salientando tratar-se da sua opinião pessoal. “Não sei se os mercados esperam tanto tempo. Vimos o que aconteceu ao Governo de Liz Truss”, acrescentou. Se por um lado salientou a importância de haver uma regra da dívida que não exija um ajustamento tão forte, considerou que “também não podemos ter uma avaliação deslizante”.
A monitorização de Bruxelas será centrada nas metas de redução da despesa pública primária líquida, ou seja, excluindo despesas com juros, medidas de receita extraordinárias e despesas cíclicas com apoios ao desemprego. Carlos Marinheiro, alertou para a possibilidade de divergências significativas no cálculo do indicador. “Como é calculado e quem calcula? Às vezes surgem diferenças que podem ser muito elevadas no cálculo que é feito pela Comissão Europeia e os governos“, disse o também professor da faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
“O indicador de crescimento da despesa líquida é uma medida que não é simples. É complexa e não é totalmente transparente, porque os critérios não são calculados de uma única forma e são menos objetivos do que parecem. O nível de discricionariedade é muito grande”, apontou Ricardo Paes Mamede, professor de Economia Política no ISCTE.
As reformas estruturais são decisões políticas e são opções de governação dos Estados e o que se passa aqui é a tentativa de atribuir seja à Comissão Europeia seja ao Conselho o poder de dizer aos Estados o que é que são escolhas políticas consideradas benéficas.
O economista aponta ainda outra crítica: “Falamos de reformas estruturais como se fossem algo com que toda a gente concordasse. As reformas estruturais são decisões políticas e são opções de governação dos Estados e o que se passa aqui é a tentativa de atribuir seja à Comissão Europeia seja ao Conselho o poder de dizer aos Estados o que é que são escolhas políticas consideradas benéficas“. Algo que, pode levar a que os países voltem a “sentir o síndroma do resgate”.
Ricardo Paes Mamede frisou também estar-se, mais uma vez, a “tomar o sintoma pela causa”. “As análises empíricas mostram que a crise da zona euro está muito pouco relacionada com os níveis de dívida pública e está fortemente correlacionada com a evolução dos níveis da dívida externa”, afirmou. “Tendemos a tratar a dívida pública como uma causa dos problemas e na maior parte dos casos é um sintoma de desequilíbrios nas contas externas”, sublinhou.
Os economistas deixaram também elogios à proposta da Comissão Europeia para a revisão da governação económica. Ricardo Paes Mamede destacou que ela “traz flexibilidade e reduz um pouco o enviesamento deflacionista que as regras orçamentais europeias tiveram ao longo dos últimos 20 anos“. As orientações do executivo comunitário também não tratam toda a despesa pública de forma igual. “Há aqui uma preocupação em tratar o investimento que seja promotor de crescimento económico de forma diferente”, sublinhou.
O economista salientou ainda que foi possível chegar a uma “solução razoável porque a pandemia e a guerra” contribuíram para uma “confiança mútua”, em que a proposta “se baseia muito”. Um pressuposto que poderá mudar no futuro.
Carla Braz considerou positivo que os planos de ajustamento a quatro anos sejam adequados à situação de cada país, o que permite reforçar a identificação (ownership) com os compromissos e metas nele inscritos. Destacou também o papel de acompanhamento propostos para os conselhos de finanças públicas.
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