Clientes ganham às seguradoras 75% dos casos de arbitragem
Quem reclama no tribunal arbitral dos seguros por estar em desacordo com uma seguradora sai a ganhar tudo, parte ou chega a novo acordo em três em cada quatro vezes.
Nos primeiros dez meses deste ano, entraram no CIMPAS, um tribunal arbitral especializado em seguros, 2.056 reclamações de segurados que não concordaram com decisões de seguradoras, normalmente quanto à proposta que lhes apresentaram para resolver um sinistro.
Nesse mesmo período, foram realizados 1.043 julgamentos para resolver este tipo de conflitos. E, para os segurados, ou lhes foi dada toda a razão (em 19% dos casos a reclamação foi procedente), parcialmente razão (36%), ou, em 18% dos casos, seguradora e segurado chegaram a novo acordo no momento do julgamento.
Apenas em um em cada quatro casos a arbitragem julgou improcedente a reclamação, mantendo a decisão da seguradora. No ano de 2021 tinha-se verificado apenas um em cada cinco casos totalmente a favor da companhia.
O recurso ao CIMPAS – Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros esteve em crescimento até ao momento da pandemia quando, em 2019, os segurados apresentaram mais de 3.000 reclamações contra as seguradoras. A pandemia reduziu os sinistros e, logo, as queixas. Mas, no ano de 2022, os casos voltam a crescer.
A jurista Rute Santos, diretora-geral do CIMPAS há 20 anos, explica a crescente procura por este tribunal arbitral pelas suas vantagens. Casos resolvidos num máximo de 120 dias, custos baixos (quando não gratuito), advogado desnecessário em casos mais simples e validade da arbitragem igual a uma decisão de primeira instância num tribunal judicial. Estes últimos eram os únicos até que sucessivos ministros da justiça optaram pela arbitragem para acelerar a justiça e libertar os tribunais comuns de casos especializados, como é o caso dos conflitos de seguros.
Assim, quem hoje quer recorrer à justiça, explica Rute Santos, tem um “espaço multiportas”. Segundo a diretora, “pode recorrer aos tribunais comuns, aos julgados de paz e à arbitragem que pode ser adhoc, que é a utilizada quase como justiça privada e ajustada a grandes casos de empresas e negócios, e a arbitragem institucional, caso do CIMPAS, que se ajusta a todos os casos, mas claramente dirigida a pessoas de recursos menores”.
Processo classificado como simples, rápido e barato
Reclamar junto do CIMPAS é fácil. Os reclamantes descrevem a sua discordância quanto à decisão de uma seguradora, presencialmente, nas instalações em Lisboa ou Porto, por telefone ou por meios digitais no site do CIMPAS.
A partir desse momento, e através dos 12 colaboradores permanentes que tem, este tribunal arbitral estabelece um contacto com a companhia de seguros, a reclamada, convidando-a a revisitar o caso para tentar chegar um acordo com o reclamante. Todo este trabalho é gratuito, mas Rute Santos avisa que os “colaboradores do CIMPAS contactam a seguradora no sentido de resolver a situação, podem aproximar as partes, mas não podem aconselhar, porque isso compete ao árbitro”.
Caso não se consiga atingir um acordo e se pretenda continuar o processo, o reclamante pode desistir a qualquer momento, dando começo a um julgamento arbitral com a presença das partes, mas em que o queixoso não precisa de nomear um advogado.
Será um dos 14 árbitros do CIMPAS, que são juristas com experiência em seguros, em arbitragem e em contencioso, que vão avaliar todas as provas testemunhais, documentos, farão uma deslocação ao local caso seja conveniente e, da sua análise, sairá uma decisão arbitral com valor jurídico de uma decisão de um tribunal judicial de primeira instância. Antes desta fase, os reclamantes e os reclamados pagam, cada um, 3% sobre o valor reclamado, num mínimo de 70 euros e máximo de 700 euros, o que só acontece quando se tratam de casos de valor superior a 23 mil euros. Até 2.300 euros, será sempre 70 euros.
Caso uma das partes não concorde com a sentença, pode sempre recorrer para o Tribunal da Relação, para requerer a anulação da decisão ou ainda uma execução da sentença — mas, nesta situação, já estará na esfera dos tribunais judicias. Rute Santos refere que, na Europa, existem tribunais arbitrais superiores, o que “seria a solução ideal”, diz.
No entanto os recursos para a relação são escassos. Nos últimos quatro anos foram apresentados em tribunais superiores apenas 54 recursos em 4.230 sentenças proferidas pelo CIMPAS. Destes, o Tribunal da Relação confirmou a decisão do CIMPAS em 27 casos, em 12 aceitou total ou parcialmente as razões de quem recorreu e procedeu a cinco anulações de decisões. Existem dez casos que ainda estão por decidir.
Fórmula é recomendada para outras áreas financeiras
O CIMPAS, entidade apoiada e autorizada pelo Ministério da Justiça e fiscalizada pela Direção-Geral do Consumidor, é uma associação sem fins lucrativos fundada pela Deco, pelo Automóvel Clube de Portugal (ACP) e pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS), a que se juntaram a Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) e a APROSE, associação que junta mediadores e corretores. Tem sede em Lisboa e delegação no Porto e realiza ainda julgamentos arbitrais no Porto, Leiria e Algarve, numa média de dez por dia.
Pessoas e empresas funcionam como aderentes. Os queixosos aderem ao CIMPAS e todas as seguradoras que operam no mercado português e algumas estrangeiras sem base em Portugal são aderentes voluntários, também interessados em resolver conflitos fora dos tribunais judiciais. No entanto, desde 2019, para conflitos de consumo até 5.000 euros de valor, o CIMPAS pode obrigar qualquer seguradora a estar presente com o reclamante para resolver a questão.
As reclamações recebidas incidem essencialmente nos seguros obrigatórios do ramo automóvel e multirriscos habitação (no caso de condomínios) e ainda saúde e Vida.
Rute Santos lembra a mudança do perfil de reclamações que chegavam há 20 anos. O “problema comum era a discordância quanto à escolha da oficina onde reparar um carro. Hoje, há danos em equipamentos eletrónicos, eletrodomésticos…”, explica.
A responsável está certa de que a fórmula usada no CIMPAS funciona e recomenda-a para outros setores, como os bancos. “A arbitragem é uma clara aposta do Ministério da Justiça e vejo como desejável o seu alargamento na área financeira”, conclui.
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