BRANDS' TRABALHO Promova Talks: “Como mulher, fui olhada com algum ceticismo”

  • Trabalho + CIP
  • 22 Dezembro 2022

Raquel Caldeira, Head of Innovation Department na Introsys, é a sexta convidada do Promova Talks II. Os desafios que enfrentou, enquanto mulher, no mercado de trabalho foram o mote da conversa.

O “Promova Talks” é o espaço de debate do Projeto Promova, uma iniciativa da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, que visa sensibilizar para o tema e alargar o acesso das mulheres a cargos de liderança nas empresas portuguesas.

Raquel Caldeira, Head of Innovation Department na Introsys, foi a convidada deste sexto podcast da II temporada do “Promova Talks”. Neste episódio, a responsável da Introsys explicou os desafios que teve de enfrentar ao longo do seu percurso profissional em setores tipicamente masculinos. Veja abaixo a entrevista completa.

Raquel, já foi professora e consultora ambiental, mas de há 10 anos para cá tem-se dedicado mais à área de gestão, especificamente na Introsys. Esta mudança de área e de trabalho levou-a a perceber diferentes formas de tratamento consoante o setor em que trabalhava?

Relativamente à forma de tratamento nos vários setores, sem dúvida que o contexto em que trabalhamos molda a forma como os outros nos veem e nos tratam e se tratam. No entanto, é apenas mais um vetor. A faixa etária, géneros, etnias, entre outros, são também importantes na forma de tratamento.

Quando iniciei a minha carreira como professora no ensino superior, eu era mais nova do que grande parte dos meus alunos. Também como consultora ambiental contactei com setores diferentes – um mais ligado à monitorização ambiental e com formas de estar mais próximas da minha, e outro ligado à área florestal, onde, como mulher, fui olhada com algum ceticismo ao defender metodologias de gestão e ordenamento do espaço muitas vezes antagónicas com os sistemas produtivos tradicionais. No entanto, foi motivador quando vi que grande parte das intervenções que defendia foram aplicadas no terreno, nomeadamente o processo de tornar as empresas mais sustentáveis, tema tão pouco falado há 15 anos atrás.

Na área da manufatura, onde trabalho agora, o contexto também é bem diferente. A pressão de ajudar os nossos clientes a produzir o máximo com a maior qualidade possível, cria em nós uma sensação de urgência constante. Acima de tudo, também, porque depende de nós e da nossa capacidade de nos adaptarmos e crescermos com todas as experiências. Sinto-me, claramente, uma privilegiada por todas as experiências profissionais que já tive e, principalmente, neste momento, ao liderar uma equipa de inovação onde há espaço para a criatividade, pensamento disruptivo e aprendizagem constante.

Raquel, mencionou que quando apresentava propostas na área florestal estas eram recebidas com algum ceticismo por ser mulher. Porquê esse ceticismo, conseguiu entender o motivo de isso acontecer?

Em termos de gestão florestal, naquela altura havia mais homens do que mulheres, sem dúvida. Por isso, vindo eu de uma área de formação muito diferente, em que as metodologias que utilizava e os desafios que propunha também eram muito diferentes a esta produção tradicional e intensiva, e também o facto de ser mulher e bastante jovem, levou alguns dos meus interlocutores a olhar-me com ceticismo e foi um processo que tive de ultrapassar.

Mas acredita, por exemplo, que se tivesse sido um homem a apresentar essas mesmas propostas o olhar não teria sido tão cético?

Pode ser. Obviamente que, sendo áreas temáticas e sensibilidades profissionais diferentes cria logo ali alguma disrupção e algum ceticismo, é natural. Sempre houve este antagonismo entre engenheiros civis e arquitetos, entre biólogos e engenheiros florestais, e eu acho que isto está muito relacionado com o nosso processo de aprendizagem na faculdade e com os valores que vamos ganhando. Mas, sim, sendo homem é mais fácil trabalhar num ambiente maioritariamente masculino.

E tendo em conta que a Introsys é uma empresa de automação industrial, a relação dela com a área de engenharia é estreita. Acha difícil trabalhar num meio maioritariamente composto por homens, sendo mulher?

Ao longo da minha carreira profissional já colaborei em instituições muito diferentes em termos de igualdade de género. Provavelmente, nesse aspeto, a Introsys foi mais desafiante porque tem o gap entre homens e mulheres mais significativo.

Apesar da Introsys ter muitas mulheres em cargos de liderança, eu sou a única responsável por um departamento numa área mais próxima da área operacional. Neste contexto de serviços para a indústria, e numa área de inovação, vejo-me muitas vezes a remar contra a maré. No entanto, uma das minhas principais características é ser muito persistente e abraço com agrado todas estas dificuldades. O apoio de outras mulheres que, mais do que colegas, têm sido minhas amigas, também tem sido fundamental. Penso que, acima de tudo, conquistei o meu espaço ao tentar aprender com todos os meus colegas, sendo, muitos deles, muito mais jovens que eu. Mas, principalmente, com a minha equipa, que tem uma disponibilidade enorme para ensinar todos os dias coisas novas.

A verdade é que a falta de diversidade tem atormentado a indústria há já vários anos, principalmente no que diz respeito à igualdade de género. Porque é que acha que isto continua a acontecer e o que é que considera que poderia ser feito para atrair mais mulheres para este setor?

Existem contextos industriais muito diferentes e nem todos eles marcadamente masculinos. Há muitas fábricas com muito mais mulheres nos processos produtivos do que homens. Só que, mesmo nessas fábricas, quase todas elas são geridas por homens. Mas este facto, apesar de injusto para as mulheres que lá trabalham, também pode ser considerado uma grande oportunidade para algumas delas.

Tanto em termos profissionais, como no Promova, tive a oportunidade de conhecer mulheres e líderes muito inspiradoras em realidades industriais, no entanto concordo que é um facto que as engenharias são essencialmente procuradas por homens. Acima de tudo penso que, até este momento, todos nós temos contribuído para um menor interesse das meninas e mulheres na área STAM. Quando oferecemos uma boneca a uma menina e um lego a um menino estamos, claramente, a incentivar o preconceito enraizado na nossa sociedade. É neste sentido que considero que as famílias, professores e sociedade em geral têm de contribuir desde cedo para reduzir este gap entre meninos e meninas em determinadas áreas de formação.

Portanto, acredita que as crenças que vão sendo enraizadas desde crianças, até pelo ambiente familiar, podem contribuir em muito para uma decisão no futuro?

Sim, claramente. Há um desvio logo numa fase muito precoce quando se promove determinadas atividades num determinado género que não se promove noutro. E isso pode influenciar e determinar a nossa carreira no futuro. No entanto, e pela experiência que tenho por já ter mudado de carreira várias vezes, acho que estamos sempre a tempo para nos podermos aproximar de uma área que, na nossa formação inicial, está mais distante de nós.

Sente que Projetos como o Promova podem contribuir para essa mudança?

Sim, sem dúvida. Até participar no Promova não estava sensível a algumas destas questões relacionadas com a igualdade ou desigualdade de género, penso que estava habituada por ser a realidade da nossa sociedade. Antes de me inscrever tive algumas dúvidas em participar, mas a verdade é que o Promova fez um clique na minha forma de pensar sobre todas as questões sobre igualdade e diversidade. Sem dúvida que agora penso que todos devemos estar mais atentos a esta questão, tanto socialmente, como em termos corporativos.

E para a Raquel, em particular, que contributos e mudanças este projeto lhe trouxe, não só na dinâmica no mercado de trabalho, mas também na sua vida em geral?

Foi determinante em termos de autoconhecimento. Como pessoa, como líder, a partilha de experiências de outras mulheres com realidades tão diferentes da minha, mas ao mesmo tempo com dificuldades em comum, foi extremamente enriquecedora. Todas elas foram um importante role model para mim. A ligação com a minha coach, a minha mentora, foram marcantes na minha forma de pensar e agir. Se pudesse, participava outra vez para poder absorver e usufruir ainda mais do que na edição anterior.

Que mensagem gostaria de deixar às futuras participantes do Projeto Promova?

Aproveitem ao máximo cada momento, para além das horas do horário letivo. Partilhem! Garantam que as vossas agendas e as vossas cabeças tenham disponibilidade de horário, mas acima de tudo disponibilidade mental para esta jornada. Acima de tudo, exponham-se e criem laços com todos os que conseguirem.

Ouça aqui o episódio completo.

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