Supermercados de rua enfrentam gigantes do retalho nas compras e prateleiras
Retalho alimentar de proximidade ganha fôlego na pandemia e garante que só perde nas promoções, culpando a indústria do grande consumo. Central de compras da Unimark assume gestão da marca própria.
Apesar de haver dois grandes grupos económicos (Sonae e Jerónimo Martins) que controlam 60% do mercado nacional e cinco empresas que correspondem a 80% do retalho alimentar, Portugal ainda é “um dos poucos países da Europa onde subsiste uma rede de comércio independente de proximidade com algum furor, equivalente a 10% a 20% do negócio”, composta sobretudo por pequenas e médias empresas (PME).
O retrato é feito por João Vieira Lopes, diretor-geral da Unimark – mais conhecido pelo cargo de presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) –, para quem “uma das razões principais é porque estas organizações se têm conseguido agrupar em centrais de compras que permitem negociar, a montante com a indústria, um conjunto de condições bastante mais próximas daquelas que têm as grandes superfícies”.
A Unimark é uma cooperativa de grossistas e retalhistas de produtos de grande consumo, que integra atualmente duas cadeias retalhistas e 17 empresas grossistas, com um total de 39 Cash & Carry (sobretudo nas regiões Norte e Centro) e mais de 1.400 supermercados e minimercados próprios ou associados. A central de compras foi lançada em 1996 para “dar condições especiais a estas empresas de conseguirem ser mais competitivas num mercado altamente concentrado como o português”.
Este universo representa um volume de faturação superior a 900 milhões de euros e o número de associados tem-se mantido estável, pelo menos, desde que “uma série de empresas fecharam na sequência da última crise financeira”. Agora que se aproxima uma nova crise, Vieira Lopes atesta que o eixo central da organização é constituído por “empresas sólidas”, pois, insiste, “as que tinham maiores fragilidades encerraram ou foram vendidas na última crise”.
Quanto às condições de compra e aos preços praticados, o diretor-geral da Unimark, sediada em Lisboa, garante que “estas lojas de proximidade, em geral, em termos do que se chama preço de prateleira, ou seja, o preço corrente dos produtos, são perfeitamente competitivas com as grandes cadeias – e, de uma maneira geral, até são mais baratas”. No entanto, perdem nas promoções, em que os portugueses são viciados.
“Têm uma atividade promocional menor porque a indústria do grande consumo (alimentar, higiene, limpeza) investe menos nesta rede naquelas atividades promocionais muito fortes”, contrapõe, mesmo que diga estar a ganhar “espaço nessa área”. Recusa que seja uma questão de imagem, mas de “filosofia” desses fornecedores, que “preferem – muitas vezes erradamente – não dar exatamente as mesmas condições a esta tipologia de empresas” mais pequenas.
Efeito pandemia e stocks contra a inflação
A pandemia de Covid-19 gerou um “crescimento bastante grande” na operação dos supermercados independentes de proximidade, isto porque, lembrou João Vieira Lopes, “as restrições à mobilidade levaram muitos consumidores a voltar a comprar neste tipo de lojas e verificaram que os preços correntes são perfeitamente competitivos”. É certo que este segmento já não está a crescer a dois dígitos, mas muitos clientes mantiveram, pelo menos parcialmente, esses novos hábitos de compra.
O responsável sublinha que “podem não fazer as compras do mês neste tipo de estabelecimentos, mas intensificaram o número de compras e de utilizações”. E diz que isso é verificável no volume de negócios dos associados da Unimark, que aumentou 7% no ano passado. Em 2022 deverá crescer à volta de 10%, mas parte desse indicador é influenciado pela inflação, isto é, sem um acompanhamento linear ao nível do volume de compras.
A pandemia levou muitos consumidores a voltar a comprar neste tipo de lojas e verificaram que os preços correntes são perfeitamente competitivos. Podem não fazer as compras do mês neste tipo de estabelecimentos, mas intensificaram o número de utilizações.
No atual contexto inflacionista, a indústria passou a atualizar as tabelas de preço com mais frequência, o que obriga os superes e minimercados a fazer “um esforço maior em termos de constituição de stocks para garantir a competitividade”. Com o respetivo impacto financeiro, que os grandes grupos absorvem com menor dificuldade. Ainda assim, sentencia Vieira Lopes que “as margens, em geral, estão a permanecer com alguma estabilidade, precisamente mercê do mix que representa este investimento em stockagem”.
Gestão direta para reforçar marca própria
Outro tópico em que estas retalhistas alimentares de pequena e média dimensão tentam estar alinhadas com as tendências no mercado é no reforço do peso da marca própria da distribuição, até “tendo em conta que a relação qualidade-preço hoje, em geral, é competitiva, e as pessoas estão preocupadas com o poder de compra”. Lançada em 2005, a marca UP, que no caso das associadas maiores e que têm as suas próprias marcas brancas é usada como complementar, conta atualmente com mais de 600 referências alimentares e não alimentares.
Ora, uma das novidades é que a Unimark decidiu recentemente assumir a gestão direta da marca, que até agora era feita em outsourcing por outra empresa, seguindo as suas instruções. “Para fazer face ao crescimento do peso das marcas próprias, criámos uma estrutura própria e assumimos a gestão direta da marca. Queremos aumentar o número de referências e fazer também um esforço de negociação permanente, de maneira a não ficarmos prejudicados pelas variações frequentes das tabelas de preços da indústria”, justificou.
“A marca própria ainda vale bastante pouco [no volume de faturação total]. Ao contrário do que acontece na grande distribuição, em que já representa 30% ou 40%, nós temos um potencial de crescimento grande porque as nossas marcas próprias – esta e a dos associados – nunca andam além dos 10% ou 15%”, contabilizou João Vieira Lopes, que na estratégia futura inclui a digitalização destes pequenos retalhistas espalhados pelo país.
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