Inflação muda consumo em Portugal: mais marcas brancas, promoções e menos produtos

Os portugueses estão a tornar-se cada vez mais criteriosos na gestão do orçamento familiar. Marcas próprias e procura por promoções estão a ganhar terreno e há quem compre menos produtos de cada vez.

Com os preços dos bens e produtos alimentares a manterem uma trajetória ascendente, os portugueses estão a tornar-se cada vez mais criteriosos na gestão do orçamento familiar. Se as marcas próprias e a procura por promoções já eram vistas com alternativas, a inflação veio acelerar esta tendência. Portugueses estão também a ir mais vezes ao supermercado, mas a comprar menos produtos de cada vez.

A invasão russa à Ucrânia veio acelerar a subida de preços da energia, o que, aliada à seca e a outros fatores, tem vindo a agravar a inflação na maior parte do mundo ocidental. A atual conjuntura económica também castiga as famílias portuguesas e reflete-se na taxa de inflação em Portugal, que acelerou para 8,7% em junho, um máximo desde 1992 e também um aumento face aos 8% registados em maio. Neste contexto, encher o carrinho de compras está cada vez mais caro. Desde o início do ano, o preço dos produtos da categoria ‘alimentares, álcool e tabaco’ em Portugal subiu de 3,3% para 10,9% em maio, sendo o valor mais elevado de sempre e a terceira maior subida na Zona Euro.

Assim, a tendência de subida dos preços agravou-se com a guerra na Ucrânia. Desde então, o preço de um cabaz de bens essenciais disparou 20,09 euros, o que representa um aumento de cerca de 11% face ao registado ao valor registado a 23 de fevereiro, totalizando já os 203,72 euros, segundo a última monitorização feita pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco), com base na análise de 63 produtos alimentares essenciais.

O atual contexto está a obrigar a uma gestão mais criteriosa do orçamento familiar dos portugueses e a ter consequências nos hábitos de consumo. “O consumidor está a fazer escolhas bastante mais racionais. Há uma tendência para ir mais vezes aos supermercados e trazer um cabaz pequeno“, adianta o diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), em declarações ao ECO, notando que os portugueses “estão a levar menos produtos, mas estão a pagar mais por eles”. A posição é partilhada por Alexandra Borges, diretora-geral de compras do Lidl Portugal, que destaca que atual conjuntura económica está a provocar “uma redução da compra por impulso“, bem como “uma rotina de compra mais organizada”.

Esta tendência é corroborada por Carlos Gonçalves, que admite que a subida do custo de vida o obrigou a fazer algumas mudanças na hora de ir ao supermercado. “Tenho reduzido as quantidades. Em vez de se comprar dois [produtos] compra-se um”, diz, ao ECO, este consumidor à saída de um supermercado na zona de Alfornelos, na Amadora. Já Ana Maria da Silva assegura que aumentou as deslocações ao supermercado. Venho mais vezes ao supermercado porque temos de andar atrás dos preços. Quanto mais baixos tiverem melhor é para nós“, assinala, junto a outra superfície comercial da mesma zona.

Por outro lado, as marcas brancas são cada vez mais consideradas alternativas mais atrativas. Segundo o diretor-geral da APED, as vendas de marca própria dos super e hipermercados “têm tem vido a crescer substancialmente”, chegando já a atingir os 35% aos 40% em alguns segmentos de produtos. “Estamos a ver um crescimento grande na área dos snacks e das bolachas, mas ainda é cedo para dizer se é mesmo uma tendência”, afirma Gonçalo Lobo Xavier, dando ainda como exemplo os laticínios e outros produtos de limpeza da casa, como os detergentes.

Ao ECO, fonte oficial da Sonae MC confirma esta mudança, referindo que em 2021, a marca própria na área do retalho alimentar representou 750 milhões de euros, sendo que nos últimos dois anos, esta opção teve “um crescimento extraordinário” com um aumento de 20%, isto é, mais 125 milhões de euros. “Em 2021, no total de marcas do universo alimentar Sonae, 99,26% dos clientes compraram marca própria“, adianta ainda a dona do Continente.

Também a Jerónimo Martins destaca um “aumento substancial” das vendas de artigos de marca própria, principalmente desde que eclodiu a guerra na Ucrânia. “Mais do uma redução no número de artigos adquiridos, notamos um aumento do peso da marca Pingo Doce nos
cabazes dos consumidores”, revela fonte oficial do Pingo Doce, sinalizando que “os produtos de marca própria mais procurados são os de mercearia, como massas, arroz, óleo ou azeite, por exemplo”.

Entre os vários consumidores consultados pelo ECO junto a dois supermercados na zona de Alfornelos, está é, aliás, a opção mais mencionada para fazer face ao aumento dos preços no supermercado. “Opto por marcas brancas porque é o que compensa mais. Se formos a comprar outro tipo de marcas os preços estão insuportáveis”, refere Ana Maria da Silva, dando como exemplo o detergente para a loiça. Já Sónia assegura que há alguns produtos que prefere comprar através de marca de fabricante, como os detergentes, ao passo que “arroz e massas” opta “mais por marcas brancas”.

De acordo com o Future Consumer Index da consultora EY, divulgado no início de junho, está é aliás, a escolha de seis em cada dez dos inquiridos na hora de comprar produtos para cuidar da casa, enquanto 54% dizem optar por marcas próprias nos alimentos frescos e 47% nos produtos de cuidados pessoais.

A par das marcas próprias, a procura por promoções está também aumentar, sendo que atualmente mais de 50% das vendas dos supermercados são feitas em promoção, segundo a APED. “No Continente, temos verificado que o preço e a variedade dos produtos em promoção são realmente fatores muito valorizados pelos consumidores portugueses”, confirma ainda fonte oficial da Sonae MC.

É o caso de Luís Viegas que admite que tem “rodado mais de supermercado”. “Procuro sempre o mais barato, as melhores opções e as melhores campanhas“, afirma, acrescentando, no entanto, que, ao contrário de Carlos Gonçalves ou Ana Maria da Silva, opta por “comprar mais” produtos de cada vez, para “durar mais e evitar estar sempre a fazer compras”.

A redução do cabaz de compras e a maior procura por marcas próprias ou promoções são também retratadas noutros estudos. Segundo o Observador Cetelem Consumo em tempos de inflação 2022, 43% dos inquiridos admitem que estão a optar por produtos mais baratos, 40% procuram novas formas de poupança e 38% equacionam reduzir a quantidade de compras.

Já um estudo conduzido pela Deco Proteste, em maio, revela que mais de metade dos inquiridos passaram a escolher marcas mais baratas no supermercado, como as das insígnias (53%), e 40% têm cortado nos alimentos que não entendem como essenciais, caso do álcool, dos doces e dos salgados, e um em cada cinco admite comprar menor quantidade de carne e peixe. Também numa sondagem realizada Aximage para o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF dois terços dos portugueses admitem que já reduziram ou cortaram em certos alimentos.

Para fazer face à escalada de preços, o Governo colocou em marcha um pacote de medidas, no qual se inclui um apoio de 60 euros para as famílias mais carenciadas, que foi agora prolongado. A medida é dirigida aos beneficiários com tarifa social de energia e de prestações mínimas sociais e vai abranger cerca de um milhão e 70 mil famílias.

Além disso, a redução do desperdício alimentar é também outra das estratégias dos portugueses para fazer face à escalada dos preços. Apesar de sublinhar que tem tido “mais ou menos a mesma logística, Mónica Vilhena admite que tem optado por comprar artigos avulso para reduzir o desperdício alimentar. “Se tiver embalado torna-se mais caro porque avulso consigo gerir melhor e não se estraga tanto”, diz, ao ECO, à saída do supermercado. Em entrevista ao ECO, no final de abril, o diretor-geral da APED já havia admitido que a escalada de preços estava a forçar os portugueses a “uma preocupação por comprar melhor e por responder ao desafio do combate ao desperdício alimentar”.

Certo é que a mudança nos hábitos de consumo não se cinge apenas ao retalho alimentar. No retalho especializado, nomeadamente na área dos grandes eletrodomésticos, a diferença também é notória. “Esta altura do ano era normalmente um período de bastante crescimento de vendas, até pela facilidade que as pessoas têm com o subsídio de férias, mas estamos a ver que houve aqui uma certa retração”, adianta Gonçalo Lobo Xavier. Dado que são bens mais dispendiosos, o que ” implica uma fatia bastante grande do orçamento das famílias”, esta compra é habitualmente mais racional e ponderada, pelo que os retalhistas notam já “que essa compra está a ser adiada”.

Por outro lado, as vendas dos pequenos eletrodomésticos estão mais estabilizadas, havendo “uma procura também por marcas de retalhista”, sinaliza o diretor-geral da APED. Ainda assim, Gonçalo Lobo Xavier sublinha que ainda é cedo para aferir com certeza se esta mudança de hábitos de consumo dos portugueses no retalho especializado se deve exclusivamente à subida do custo de vida ou se resulta da entrada em vigor da nova lei das promoções, que obriga os retalhistas a afixar o preço mais baixo praticado nos 30 dias anteriores, e não apenas a percentagem do desconto. “Os retalhistas ainda se estão a ajustar às melhores práticas e à melhor forma de comunicar”, refere o representante desta associação, acrescentando que os consumidores também se estão adaptar e a tentar perceber “a forma como devem interpretar os preços”.

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