Uma desilusão (para os iludidos)
António Costa voltou a ser... António Costa, a escolher dentro do partido e até dentro do próprio Governo, sem rasgo nem garantia de que percebeu o que está em causa neste ciclo político.
“O treinador é que sabe qual o melhor onze para ter, em cada momento, em campo. Com um plantel de luxo como aquele que temos, eu não queria estar na posição do treinador [Fernando Santos]. É mais fácil organizar um Governo do que escolher um onze na qualidade do plantel que nós temos“. De quem é esta afirmação? Adivinhou, é de António Costa, ainda há poucas semanas, e a pseudo-remodelação agora anunciada é uma desilusão (para quem estava iludido, claro) e a confirmação de que o universo de escolhas é mesmo muito limitado, e ao cartão do PS.
António Costa perdeu uma oportunidade para ‘reiniciar’ a legislatura depois de um primeiro ano desastroso, a resposta do primeiro-ministro à mais grave crise política desde as últimas eleições é pobre, a estratégia continua a ser a mesma de sempre, a escolha adjuntos que passam a secretários de Estado e que passam, eles próprios, a ministros, militantes do partido, até do aparelho, para a governação. E a justificação é ainda mais pobre, a experiência como condição. Para um Governo com maioria absoluta e com quatro anos pela frente, só tem mesmo isto para dizer?
As escolhas de João Galamba e de Marina Gonçalves são a escolha de um conhecido, com riscos, e de uma desconhecida com certezas. Mas, em primeiro lugar, o que esta pseudo-remodelação mostra mais uma vez são os erros e equívocos da orgânica deste Governo que nasceu das eleições de 30 de janeiro do ano passado. Costa queria um governo enxuto, mais executivo, mas passados dez meses, acaba a fazer mudanças relevantes, nas Finanças, com a divisão do Tesouro e Finanças, com a recuperação de um secretário de Estado Adjunto do próprio primeiro-ministro e agora com a divisão do Ministério das Infraestruturas em dois (e um elogio, assim, indireto, a Pedro Nuno Santos). Para não citar os óbvios erros de casting, como foi a insistência em Marta Temido ou em Miguel Alves.
António Costa passa por uma sucessão de casos que fragiliza o Governo e a sua autoridade e mostra uma enorme descoordenação política. Isto não é uma remodelação, e deveria ser, é uma mudança a pensar em 2023, nos próximos meses, e não para o próximo ano. Costa é Costa, olha para o dia seguinte, é incapaz de olhar para o ano seguinte, menos ainda para a legislatura. As duas nomeações são oportunidades perdidas e erros políticos por razões diferentes, e provavelmente por razões óbvias e por outras, menos óbvias.
João Galamba é uma espécie de ‘enfant terrible’, sempre foi. Não lhe apontavam razões de incompetência, mas outras razões, de gestão política. Agarrou a secretaria de Estado da Energia com competência, reconhecido pelos agentes do setor, que, à primeira, desconfiaram do deputado catalogado com a ala da esquerda à esquerda do PS, da escola de Pedro Nuno Santos. Passou por dois ministros, Matos Fernandes e Duarte Cordeiro, tem projetos como os leilões de energia solar como um grande sucesso, e um perfil executivo de que Costa gosta. Mas tem também uma enorme incapacidade de encaixar críticas. Neste contexto, Costa abre um problema dentro do ministério do Ambiente e cria um enorme risco político nas Infraestruturas.
Marina Gonçalves, ao contrário de Galamba, não é um risco, é uma certeza, a certeza de que vai haver um enorme falhanço num setor que António Costa tem sempre como prioridade. A autonomização da Habitação do Ministério das Infraestruturas parece uma boa decisão, mas se é condição necessária, não é condição suficiente para o cumprimento de objetivos. Como nas infraestruturas, há muito dinheiro disponível, dinheiro europeu, mas os resultados são paupérrimos. Marina Gonçalves passa de secretária de Estado a ministra, fez leis, sim, mas o papel aguenta tudo. Por exemplo, ainda recentemente, soube-se que os números do plano das rendas acessíveis são pouco mais do que risíveis.
Tudo somado, é uma frustração, a constatação de que António Costa é incapaz de atrair personalidades de reconhecido e mérito e trabalho feito em áreas setoriais nas infraestruturas e na habitação. Aliás, com honrosas exceções, quase todos as áreas setoriais são lideradas por ministros com cartão do PS. Não é cadastro (José Luís Carneiro, por exemplo, estabilizou uma área politicamente sensível depois do caos com Eduardo Cabrita), mas exigia-se mais, pedia-se mais, desejava-se mais. Habituem-se.
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