Economia mundial começa mal o ano mas pode acabar bem

O ano será de forte travagem da economia e a inflação ainda continuará a ser elevada. O cenário não será, no entanto, homogéneo em todo o globo e a segunda metade do ano pode trazer boas notícias.

Sob a pressão de uma inflação ainda elevada, uma crise energética por resolver, uma guerra sem tréguas na Europa e taxas de juro crescentes, 2023 será um dos anos mais difíceis para a economia das últimas décadas. No entanto, deverá terminar com uma perspetiva firme de retoma.

Kristalina Giorgieva, secretária-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), veio pôr gelo nas expectativas logo no primeiro dia de 2023, ao lembrar em entrevista à CBS que o ano será não só pior do que 2022 – como já era esperado – mas que “um terço da economia mundial deverá estar em recessão”.

A instituição com sede em Washington aponta, no World Economic Outlook publicado em outubro, para um crescimento da economia global de apenas 2,7% em 2023. Será a evolução mais débil desde 2001, excluindo a crise financeira de 2008 e 2009 e o primeiro ano da pandemia da Covid-19. A OCDE é um pouco mais pessimista e antevê uma variação do PIB mundial de 2,2%.

O Banco Mundial é mais sombrio nas suas previsões, tendo avançado na terça-feira com uma previsão de 1,7%, um forte tombo face aos 2,9% estimados para 2022. “A combinação de crescimento lento, aperto das condições financeiras e elevado endividamento provavelmente enfraquecerá o investimento e desencadeará a falência de empresas. Outros choques negativos – como inflação mais alta, política monetária ainda mais restritiva, stress financeiro, fraqueza mais profunda nas principais economias ou aumento das tensões geopolíticas – podem empurrar a economia global para a recessão”, considera o Global Economics Prospects Report.

Apesar da tendência geral de abrandamento, o ritmo será diferente nas várias regiões do globo. O FMI prevê uma variação do PIB de 3,7% para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento, muito superior aos 1,1% previstos para as economias avançadas. A Ásia será uma espécie de refúgio, dada a estimativa de 4,9%, com a Índia em evidência (6,1%).

Os próximos dois meses serão difíceis para a China e o impacto no crescimento será negativo, o impacto na região será negativo, o impacto no crescimento mundial será negativo.

Kristalina Giorgieva

Diretora-geral do FMI

A China é um dos poucos países para os quais é antecipada uma aceleração, de 3,2% em 2022 para 4,4% em 2023. A vaga de Covid-19 pode, no entanto, pôr em causa a previsão. Isso mesmo é assumido por Kristalina Giorgieva: “Os próximos dois meses serão difíceis para a China e o impacto no crescimento será negativo, o impacto na região será negativo, o impacto no crescimento mundial será negativo”.

A Europa, palco da guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a região mais penalizada pela crise energética, terá o pior desempenho. O FMI aponta para um crescimento de apenas 0,5% do PIB, tal como a OCDE, que coloca a Alemanha (-0,3%) e o Reino Unido (-0,4%) em recessão.

Nos EUA, o panorama também não é particularmente animador, com as instituições a apontarem para um crescimento entre 1% e 0,5%. Os economistas inquiridos pelo Banco da Reserva Federal de Filadélfia atribuem uma probabilidade de 40% a uma recessão este ano, a mais elevada desde 1975. No inquérito conduzido pela agência Bloomberg, a probabilidade sobe para 65%.

Neste cenário, o comércio mundial também vai perder gás. Depois do salto de 10,1% na sequência da quebra provocada pela pandemia, o FMI prevê que o crescimento do volume de transação de bens e serviços abrande em 2022, para 4,3%, e novamente este ano, para 2,5%.

Mas a travagem das economias virá sobretudo do forte abrandamento do consumo das famílias e da desaceleração do investimento, ambos condicionados por uma política monetária que se tornará ainda mais restritiva nos próximos meses para conter a inflação.

Um erro de calibração entre as políticas monetárias e fiscais aumentará a probabilidade de choques de liquidez, sinalizando uma desaceleração económica mais prolongada e um problema de endividamento à escala global.

Global Risks Report

Fórum Económico Mundial

Política monetária mais restritiva

Empresas, famílias e Estados terão de lidar com custos de financiamento mais elevados. É já certo que quer a Reserva Federal norte-americana (Fed) quer o Banco Central Europeu (BCE) vão continuar a aumentar o custo do dinheiro, mesmo que a um ritmo mais lento.

A Fed prevê subir a taxa diretora do dólar para o intervalo entre 5% e 5,25%, face aos atuais 4,25% a 4,5%. As atas da última reunião de política monetária, divulgadas a semana passada, indicam que até ao final de dezembro não deverá ocorrer nenhuma descida, ao contrário do que o mercado está a antecipar.

Na Reserva Federal norte-americana prefere-se pecar por excesso. “Perante o persistente e inaceitável nível elevado da inflação, vários participantes comentaram que a experiência histórica adverte contra um alívio prematuro da política monetária”, dizem as atas.

Na Zona Euro, depois de o BCE ter subido a taxa principal de operações de refinanciamento para 2,5% no mais rápido aperto monetário de sempre, a expectativa é que suba até aos 3,5%. Os próximos dois meses deverão trazer subidas significativas de 50 pontos base, conforme afirmou a presidente do banco central na última reunião mensal.

Dado que a própria autoridade monetária só vê a inflação regressar perto dos 2% em 2025, é possível que as taxas se mantenham nos novos níveis por um período alargado. A redução do diferencial para a taxa do dólar deverá dar algum fôlego ao euro, depois de em 2022 ter baixado da paridade. Os analistas do banco Berenberg estimam uma recuperação para a casa dos 1,15 dólares.

Além da subida das taxas, este ano vai trazer também o início do aperto quantitativo pelo BCE, algo que já vem a ser feito pela Fed. A partir de março, o banco central da moeda única deixará de reinvestir as obrigações que cheguem à maturidade, reduzindo o balanço em 15 mil milhões de euros por mês. Um ritmo ainda assim lento tendo em conta tem cerca de 5 biliões de euros em ativos.

Depois de uma década de condições extremamente expansionistas, a mais restritividade das condições financeiras pode trazer surpresas indesejáveis. “Um erro de calibração entre as políticas monetárias e fiscais aumentará a probabilidade de choques de liquidez, sinalizando uma desaceleração económica mais prolongada e um problema de endividamento à escala global”, alerta o Global Risks Report 2023 do Fórum Económico Mundial.

Inflação mais baixa, mas persistente

Apesar da ação dos bancos centrais, a inflação vai permanecer teimosamente elevada em 2023, em particular na Zona Euro. O BCE estima que a variação média do índice de preços abrande de 8,4% no ano passado para 6,3% este ano. O FMI é um pouco mais otimista, estimando uma descida para os 5,7%.

A descida dos preços das matérias-primas energéticas, em particular do gás natural, devido ao inverno mais ameno que se tem feito sentir na Europa, abre boas perspetivas de um alívio.

O dado mais recente sobre a evolução do índice de preços trouxe, no entanto, sinais mistos. Por um lado, o indicador geral registou uma travagem assinalável em dezembro, dos 10,1% para os 9,2%. Por outro, a chamada inflação subjacente, que exclui a energia e os produtos alimentares não transformados, acelerou de 6,6% para 6,9%. E é sobretudo esta que serve de referência para a política monetária.

Se este inverno o clima está a ajudar a trazer para baixo os preços da energia, existe bastante inquietação sobre o que pode acontecer no próximo, uma vez que os países mais dependentes do gás russo terão uma maior dificuldade em repor as reservas.

Outro país onde se espera que a inflação continue elevada é o Reino Unido, embora o Banco de Inglaterra antecipe que ela comece a descer de forma pronunciada a partir da segunda metade do ano.

Nos EUA é esperado um alívio bem mais pronunciado, com a inflação a baixar de 8,1% para 3,5%, na estimativa do FMI. Esta quarta-feira, a antiga presidente da Fed e atual secretária de Estado do Tesouro, Janet Yellen, afirmou à CBS que “acredita que no final do ano veremos uma inflação muito mais baixa… se não existir um choque inesperado”.

Um dos motivos para uma redução mais lenta da inflação tem a ver com a pressão para a subida dos salários, que por sua vez é incentivada pela pouca folga no mercado de trabalho. Ainda que a taxa de desemprego deva subir nas principais economias este ano, o agravamento será modesto. Por exemplo, o FMI antecipa um aumento de apenas duas décimas na Zona Euro, para os 7%.

Otimismo para a segunda metade do ano

A resiliência do mercado de trabalho é um dos motivos que levam alguns economistas a acreditar que o tombo da economia poderá ser mais suave ou até não existir em algumas regiões.

Na Zona Euro, os indicadores avançados têm dado conta de uma ligeira recuperação da atividade, ainda que mantendo-se em níveis recessivos, e uma melhoria na confiança dos agentes económicos, sobretudo no que toca às perspetivas futuras.

O Goldman Sachs, que esta semana pôs de lado a hipótese de uma recessão técnica na Zona Euro, aponta agora para um crescimento lento entre janeiro e março, com a economia do euro a avançar 0,6% em 2023, em vez de cair 0,1%.

A avaliação em alta da economia da moeda única deve-se “a uma dinâmica de crescimento mais resistente no final do ano passado, a uma descida rápida dos preços do gás e a uma precoce reabertura da China”, refere a equipa de analistas do banco liderada por Sven Jari Stehn.

A descida da taxa de inflação em dezembro e a continua recuperação do sentimento económico no final de 2022 suportam a nossa visão de que a economia da Zona Euro pode estabilizar na primavera, com uma provável retoma mais para o fim do ano.

Salomon Fiedler

Economista do Berenberg

Outros, embora não partilhem do mesmo otimismo, veem uma recuperação na segunda metade do ano. “A descida da taxa de inflação em dezembro e a contínua recuperação do sentimento económico no final de 2022 suportam a nossa visão de que a economia da Zona Euro pode estabilizar na primavera, com uma provável retoma mais para o fim do ano“, escreve o economista do Berenberg, Salomon Fiedler, numa nota aos clientes. A redução da inflação e o fim do ciclo de aperto monetário abrirão perspetivas mais animadores, sustenta o banco de investimento alemão.

A visão mais benigna do Goldman Sachs estende-se à possibilidade de os EUA evitarem uma contração da economia, ao contrário da maioria das estimativas, que antecipam uma recessão ligeira e breve durante parte do ano.

“Consideramos que um período continuado de crescimento abaixo do potencial pode rebalancear gradualmente a oferta e a procura no mercado de trabalho e atenuar as pressões de salários e preços com um aumento muito mais limitado no desemprego do que as relações históricas sugerem”, afirma David Mericle, economista-chefe para os EUA do banco de investimento. “O travão ao crescimento do PIB provocado pela política agressiva da Reserva Federal vai atenuar-se ao longo de 2023”, acrescenta.

Previsões que oferecem alguma esperança para um ano que será marcado, no mínimo, pela estagflação. Sendo muitos os fatores de incerteza que podem baralhar as contas da economia, há algo em que todas as instituições internacionais e bancos de investimento concordam: 2024 já será ligeiramente melhor que 2023.

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