Centeno rejeita que reestruturação de créditos atire clientes para lista negra

O Banco de Portugal esclarece que os bancos não podem ameaçar os clientes de entrada na lista negra se pedirem para renegociar os créditos. Centeno lembrou que regulador faz "centenas" de inspeções.

Há bancos que têm ameaçado os clientes com a passagem à lista negra quando estes lhes pedem para renegociar os créditos à habitação, para atenuar o impacto da subida rápida das taxas de juro. Mas o Banco de Portugal desmente que a lei assim o determine e alerta que o regulador leva a cabo “centenas de inspeções”.

Os bancos estão obrigados a propor soluções para baixar a prestação do crédito à habitação a quem tem taxas de esforço superiores a 36%. O Governo criou um regime transitório para facilitar as renegociações e evitar que as famílias entrem em incumprimento, tendo em conta o atual contexto de subida rápida das taxas de juro e de subida dos preços em geral. Contudo, alguns bancos entendem que o decreto-lei 80-A não salvaguarda – ao contrário do que foi feito no período das moratórias durante a pandemia – que estas renegociações de crédito sejam classificadas como crédito em reestruturação, o que pode traduzir-se em dificuldades para o cliente em causa caso necessite de contrair, no futuro, novos serviços e produtos de crédito.

O Banco de Portugal considera que não é esse o entendimento que o regulador faz do decreto. “Não há no quadro legal vigente nenhuma inevitabilidade que a negociação naqueles moldes resulte numa marcação por incumprimento com todas as consequências que isso tem”, disse com toda a clareza o governador do Banco de Portugal no Parlamento, a semana passada, na comissão de Orçamento e Finanças.

“No quadro regulatório em que estamos inseridos, a marcação por incumprimento de uma família ou empresa acarreta um custo muito significativo” por isso foram criados mecanismos como o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI).

“O que tem sido acautelado, e bem, do ponto de vista legislativo, permitiu, nos últimos anos (e foi nesses contexto que as moratórias surgiram), evitar que esses fenómenos que em tempos penalizaram grandemente o tecido empresarial e das famílias não voltem a acontecer”, explicou Mário Centeno. “Não é nenhuma inevitabilidade, os mecanismos do decreto-lei não têm essa automaticidade. Não é essa a interpretação, e temos de ser muito consistentes e consequentes na sua implementação”, sublinhou.

Confrontado com casos práticos de bancos que exigem, por exemplo, que os clientes subscrevam cartões de crédito ou outros produtos para verem o seu crédito à habitação renegociados, que apenas agravam a sua taxa de esforço, Mário Centeno recordou que “são inúmeras, centenas, as inspeções que o BdP faz e o reporte é muito detalhado”. “Esse trabalho vai ser feito”, garantiu.

“Não é uma ameaça”, fez questão de dizer, “porque o sistema sabe que é assim e não é nenhum paliativo para entendermos que não precisamos de fazer mais nada”.

A Deco tem denunciado que alguns bancos estão a desincentivar os clientes de usarem o regime transitório que lhes permite renegociar o empréstimo, com o argumento de que ficarão com o crédito ‘marcado’, e por isso defende um ajustamento da lei. E conta relata casos de queixas que têm chegado à instituição. “Tivemos conhecimento de alguns casos em que, quando o cliente solicita a amortização, o banco tenta demovê-lo, oferecendo-lhe em troca produtos de investimento para colocar esse capital”, conta o economista da Deco Proteste Nuno Rico, em declarações à Lusa depois do alerta lançado pela instituição.

Nestas situações, o “conselho tem sido sempre para que o consumidor compare [a rentabilidade do produto de investimento] com o custo fixo que tem com o crédito”. Isto é, a comparação deve ser feita entre a rentabilidade líquida de um produto de investimento de baixo risco e o custo com a taxa de juro que está a suportar com o crédito.

O governador garante que não quer minimizar o problema, mas contextualiza que em Portugal os níveis de incumprimento são baixos. Em 2021 face a 2019 o crédito às famílias em incumprimento reduziu-se de 2,4% para 1,2%, de acordo com os últimos dados disponíveis. “É um sinal encorajador da disponibilidade das famílias em cumprir com as suas obrigações, em especial com o crédito à habitação. “Os baixos níveis de incumprimento são um traço do sistema português”, “é um dos pilares com que podemos contar durante o período de ajustamento”, sublinhou Mário Centeno, que no entanto tem no boletim económico de dezembro uma caixa exclusivamente dedicada ao tema.

“É necessário encontrar uma resposta o mais fina possível para este problema”, disse o responsável aos deputados, reiterando a ideia de que “o papel da banca, neste momento, não pode ser posto em causa”, mas “tem de ser demonstrada a sua razoabilidade e temos de ser muito exigentes nessa matéria”, frisou. “Espero que entendam que o estamos a ser. Não estamos simplesmente a ver, temos de ser consequentes nas análises que fazemos”, concluiu.

E se o BCE em todas as suas análises sublinha a importância da contenção salarial para ajudar a travar a escalada da inflação, Centeno acrescenta mais uma variável a margem de lucro das empresas, bancos inclusive. “Digo sempre que além da contenção salarial é preciso cautela nas margens de lucro das empresas, porque ambos contribuem para a queda da inflação. Alguma miopia de curto prazo de ganhos percentualmente relevantes e que obriguem o BCE a continuar o processo de aumento das taxas de juro vai ser paga no curto e no médio prazo de forma muito severa“, alertou Mário Centeno. “É válido para as empresas e para os bancos“, fez questão de especificar.

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