Luís Montenegro afirma em entrevista ao ECO que "não é adepto do modelo de CEO na saúde", mas elogia as primeiras medidas. E quer a complementaridade entre o setor público, social e privado.
Luís Montenegro é presidente do PSD há cerca de seis meses e assinala-se neste dia 30 de janeiro um ano sobre as eleições legislativas que deram a maioria absoluta a António Costa. Em entrevista exclusiva ao ECO, Luís Montenegro afirma que Portugal tem hoje dois ministros da Saúde. “Não me parece que o princípio do CEO seja fundamental para que o SNS funcione, porque o que interessa verdadeiramente é a política“.
O presidente do PSD apoia, ainda assim, as primeiras medidas de Fernando Araújo, como “a promoção de um sistema de unidades de saúde familiar de tipo C, que são aquelas que integram, para além das unidades públicas, também o setor social e o setor privado“.
Montenegro garante que confia no SNS, quer pagar mais aos profissionais do setor e quer mudanças, para travar a fuga de profissionais. “O desinvestimento na área da saúde fez florescer o negócio da saúde privada. Nunca em Portugal se ganhou tanto dinheiro na saúde privada como com o Governo do Partido Socialista“.
O modelo do Chief Executive Officer (CEO) é uma resposta adequada para para gerir melhor os recursos, que são escassos, na Serviço Nacional de Saúde (SNS)?
Foi, sinceramente, uma declaração de incapacidade do Governo, do primeiro-ministro e dos titulares do Ministério da Saúde, enfim, de responderem, eles próprios, pela gestão do SNS e tentaram encontrar um corresponsável, uma espécie de ministro sombra. Nós temos dois ministros da Saúde em Portugal.
Se for primeiro-ministro, acaba com a função do CEO da Saúde?
Eu nunca fui adepto deste modelo, deste estatuto no Serviço Nacional de Saúde. Nós, aliás, pedimos a apreciação parlamentar dessa decisão. Não me parece que o princípio do CEO seja fundamental para que o SNS funcione, porque o que interessa verdadeiramente é a política. Reconheço que a pessoa em causa [Fernando Araújo] está a fazer o seu esforço e está, inclusivamente, a tomar algumas medidas e a apontar alguns caminhos que esbarram naquilo que foi a política de saúde até hoje.
Como por exemplo?
O exemplo mais próximo que tenho é aqui, na área de Lisboa, é a promoção de um sistema de unidades de saúde familiar de tipo C, que são aquelas que integram, para além das unidades públicas, também o setor social e o setor privado. É um modelo que defendo, é um modelo que eu, aliás, até no próprio Congresso do PSD, instei o Governo a promover. A questão da medicina familiar, enfim, a incapacidade completa do Governo de cumprir a promessa do primeiro-ministro, de dar a cada cidadão um médico de família, hoje não é possível sem ajuda do setor social e do setor privado. E eu vejo aqui um pequeno sinal. Aliás, na altura, tinha falado de um projeto que se chama “Bata Branca” e que está já em execução no município de Cascais, também em alguns municípios do distrito de Setúbal, e que agora vai ser alargado, por aquilo que foi anunciado, a toda esta região de Lisboa e Vale do Tejo e que é uma pequena evolução. Agora, o problema estrutural do Serviço Nacional de Saúde, sinceramente, não é CEO nenhum que o vá resolver.
Não me parece que o princípio do CEO seja fundamental para que o SNS funcione, porque o que interessa verdadeiramente é a política. Reconheço que a pessoa em causa [Fernando Araújo] está a fazer o seu esforço e está, inclusivamente, a tomar algumas medidas e a apontar alguns caminhos que esbarram naquilo que foi a política de saúde até hoje.
Não há uma certa confusão entre os problemas no acesso às urgências e o SNS como um todo?
Então, vamos começar do princípio. Nós temos um Serviço Nacional de Saúde que é uma obra democrática de grande envergadura…
Confia no Serviço Nacional de Saúde?
Confio no Serviço Nacional de Saúde. Há grandes profissionais no SNS, há grandes serviços que funcionam na vanguarda das técnicas, na vanguarda da capacidade.
Mas o acesso à saúde está mais difícil hoje.
Mas qual é o problema do Serviço Nacional de Saúde? O problema é este: Em 2015, quando o PSD saiu do Governo, tínhamos um Ministério da Saúde que geria cerca de oito mil milhões de euros, hoje gere mais de 13 mil milhões. Mas os problemas concretos na vida das pessoas são maiores do que eram em 2015…
António o Costa aumentou as transferências e os recursos para a saúde. Aumentou, e muito.
Aumentou e muito e teve um retorno de pouco ou nada. Ou seja, é mesmo o princípio da ineficiência, da ineficácia. O que aconteceu foi que houve mais dinheiro, o primeiro ministro até costuma dizer que há mais gente, que contratou não sei quantos enfermeiros, auxiliares e médicos, mas a resposta é que é pior.
Porque é que é pior?
A gestão não é boa, a gestão não é flexível, a gestão não tem autonomia. Mas temos um problema que é hoje o mais estrutural do sistema, é não conseguir reter os profissionais de saúde e, em particular, os médicos.
Tem de ser pagar, não é? Mas não há dinheiro para tudo. Já defendeu nesta entrevista que os professores têm de ganhar mais, os médicos e os profissionais de saúde têm de ganhar mais. Onde está o dinheiro para isso tudo?
Mas sabe porque é que é preciso pagar mais? Não é mais, é muito mais. No caso das urgências, de médicos que ganhavam 17/18€ à hora quando estavam no SNS, saíram e que agora vão prestar serviço como tarefeiros a ganhar 80/90/100€ à hora. É disso que estamos a falar, são as mesmas pessoas. Porque é que isso acontece? Isso acontece porque o desinvestimento que o Governo fez na sua primeira fase, a sua obsessão com os serviços estatizados, a recusa no modelo que o PSD defende de complementaridade do setor público, setor social e do setor privado ao serviço público. Portanto, não é o setor privado e o setor social entregues a si próprios, é uma componente da sua atividade estar ao serviço público, pago pelo Estado. Porque, às vezes, é mais barato pagar a uma IPSS ou a uma empresa privada do que fazer no SNS. É preciso dizer isto com todas as letras. As pessoas, quando vão a um hospital ou a um centro de saúde, estão a gastar dinheiro, parece que não estão porque não pagam, mas alguém paga. Somos todos nós.
O que é que isso significa?
O que é que eu quero dizer com isto? O que quero dizer com isto é que o que aconteceu em Portugal foi que esse desinvestimento na área da saúde fez florescer o negócio da saúde privada. Nunca em Portugal se ganhou tanto dinheiro na saúde privada como com o Governo do Partido Socialista. Nunca em Portugal houve tanta gente a recorrer a seguros de saúde como hoje. São mais de 3 milhões de portugueses, mais de um milhão e muitos na ADSE, e mais alguns subsistemas que ainda existem. São cerca de quatro milhões e meio de portugueses que pagam a saúde privada. Está em permanência.
Foi uma política deliberada do Governo para privilegiar os grupos privados?
Se não foi, começa a aparecer, porque a insistência e a persistência no erro já começam a ser em demasia. Nós dizemos, desde o primeiro dia, que esta opção ideológica tem esta consequência está a dar uma iniquidade completa, quem tem dinheiro tem saúde, quem não tem dinheiro, sujeita-se a ir para a porta do hospital e ficar nas filas de espera para as consultas, para as cirurgias, mesmo para as urgências, às vezes até esbarrar com as urgências fechadas. Quem não tem dinheiro, tem que estar sujeito a isto.
É fácil dizer que é preciso gestão, é difícil fazê-lo. Como é que se faz?
Não… difícil não é. Quer dizer, é difícil sempre, mas é possível. Porque nós tivemos gestão privada de hospitais públicos que tiveram muito melhores resultados.
Mas sabe porque é que é preciso pagar mais? Não é mais, é muito mais. No caso das urgências, de médicos que ganhavam 17/18€ à hora quando estavam no SNS, saíram e que agora vão prestar serviço como tarefeiros a ganhar 80/90/100€ à hora. É disso que estamos a falar, são as mesmas pessoas. Porque é que isso acontece? Isso acontece porque o desinvestimento que o Governo fez na sua primeira fase, a sua obsessão com os serviços estatizados, a recusa no modelo que o PSD defende de complementaridade do setor público, setor social e do setor privado ao serviço público.
Se for primeiro-ministro, vai recuperar as Parcerias Público Privadas?
Se forem virtuosas, com certeza. Mas há mais. Eu vou insistir muito neste ponto, até está no nosso projeto de revisão constitucional, porque deveria ter consagração constitucional. O serviço público de saúde, como aliás o da educação, como aliás o da habitação, deve funcionar em complementaridade. Nós prestamos um serviço público ao cidadão, mesmo que esse serviço seja prestado numa instituição que não é do Estado. E aquilo que o Governo fez, que foi obsessivamente levar toda a gente para os serviços do Estado, fez com que acontecesse precisamente a maior perversidade… As pessoas foram massivamente para o serviço privado e social e agora vamos à questão dos ordenados…
…Como se pode pagar mais?
Qual foi a consequência? O setor privado, ganhando mais dinheiro, cada vez mais dinheiro, tendo cada vez mais utentes/clientes, tem mais meios para pagar, oferece o dobro ou o triplo.
Mas como se inverte? Aumentando os profissionais de saúde?
Inverte-se pondo cobro a este caminho e estabelecendo um Sistema Nacional de Saúde que congregue o SNS em complementaridade com o setor social e com o setor privado. E enquanto Portugal não der espaço, o Serviço Nacional de Saúde está condenado a ter cada vez mais dificuldades.
Defende a exclusividade dos profissionais de saúde?
Não, não defendo. Sinceramente, acho que para haver exclusividade, então é que tem que haver um nível salarial, um nível de rendimento que hoje é incomportável na administração. Admito que possa haver alguns períodos de exclusividade, nomeadamente os primeiros anos, haver aqui também alguma retenção na esfera pública, enfim, como compensação por aquilo que o Estado também proporciona às pessoas para atingir determinadas qualificações. Mas é uma falácia pensar que o sistema de exclusividade vai resolver os problemas da saúde. Pelo contrário, do meu ponto de vista, vai agravá-los, porque vai fazer com que ainda mais profissionais de saúde saiam do SNS.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“O problema do SNS não é nenhum CEO que vai resolver”
{{ noCommentsLabel }}