Portugal é dos países que menos ajudas de Estado concede
Auxílios de Estado serão um dos temas fortes do Conselho Europeu que arranca esta quinta-feira, com alguns países a oporem-se a uma flexibilização e outros a temerem que crie ainda mais desigualdades.
O tema das ajudas de Estado está quente na União Europeia e será um dos temas fortes no Conselho Europeu desta quinta e sexta-feira, onde os líderes dos 27 Estados-membros vão discutir a forma de responder à Lei de Redução da Inflação dos EUA. Só que mesmo dentro UE há uma grande desigualdade na utilização destes auxílios públicos, com países como Portugal a ficarem muito longe dos gigantes europeus.
Dados da Comissão Europeia mostram que Portugal concedeu 2.381 milhões de euros em ajudas de Estado ao abrigo do Quadro Temporário de Crise, aprovado em março de 2022, para apoiar a economia na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia. O montante nacional equivale apenas a 0,35% do total de auxílios atribuídos na UE. Um peso que é baixo do ponto de vista relativo, tendo em conta que o PIB português representou 1,5% do total dos 27 Estados-membros em 2020 (que foi um ano de crise mais aguda no país), de acordo com o Eurostat.
Portugal é, de resto, um dos países que menos recorre a auxílios de Estado, o que não é alheio às restrições orçamentais que obrigam a reduzir o défice e a dívida pública. O State Aid Scoreboard 2021 da Comissão Europeia, divulgado em setembro último, mostra que o país foi o 12º que menos ajudas de Estado concedeu em percentagem do PIB em 2020, ano marcado pelas ajudas para combater os efeitos da pandemia e para as quais a UE também criou um quadro excecional. Excluindo as medidas da Covid-19, Portugal é o quarto país em que os apoios à economia mais caíram (-11,5%). É também um de quatro países em que o valor nominal das ajudas foi em 2019 mais baixo do que em 2010. Os outros são a Grécia, Irlanda e Chipre.
Já as maiores economias beneficiam desproporcionadamente. Os dados, ainda provisórios, relativos ao quadro temporário adotado após guerra na Ucrânia mostram que a Alemanha concedeu 52,92% das ajudas de Estado, muito mais do que o seu peso no PIB da UE (25,1%) em 2020. A França vem em segundo com 24,04%, também mais do que os 17,2% que a sua economia representa no conjunto da UE. Juntos representam 77% do bolo, uma supremacia que se acentua. Segundo o State Aid Scoreboard, a Alemanha atribuiu 36% das ajudas de Estado na UE em 2020 e a França 16,7%, somando 52,7%.
Tudo o que possa pôr em causa o normal funcionamento do mercado interno favorece os países que têm mais capacidade orçamental, resultando numa vantagem competitiva para as suas empresas em detrimento das concorrentes dos países com menos capacidade.
Os dados ilustram o receio de alguns países de que uma nova flexibilização das regras de ajudas de Estado vá beneficiar sobretudo as grandes economias, retirando competitividade às pequenas. “Tudo o que possa pôr em causa o normal funcionamento do mercado interno favorece os países que têm mais capacidade orçamental, resultando numa vantagem competitiva para as suas empresas em detrimento das concorrentes dos países com menos capacidade”, considera Francisco Seixas da Costa, antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus. “Ao longo do tempo verificamos que a França e a Alemanha têm mais facilidade em convencer a UE sobre a atribuição de ajudas de Estado. É a capacidade que os grandes da UE têm em ser úteis a si próprios”, acrescenta.
O Governo português está no grupo dos que defende claramente uma mudança das regras, mas que é necessário acautelar desigualdades. “É imprescindível no atual contexto que haja uma flexibilização das ajudas de Estado, que sejam focadas nos setores em risco de perda de competitividade”, defendeu o primeiro-ministro esta quarta-feira no Parlamento, no debate que antecede o Conselho Europeu. António Costa defendeu ainda que “as ajudas de Estado não devem comprometer a integridade do mercado interno e devem evitar a sua fragmentação”, lembrado que “elas dependem da diferente capacidade orçamental dos Estados, o que cria necessariamente essa fragmentação”.
"As ajudas de Estado não devem comprometer a integridade do mercado interno e devem evitar a sua fragmentação.”
O chefe de Governo defendeu duas medidas para contrariar estes riscos, propostas por Portugal e que constam da comunicação da Comissão Europeia sobre o tema. Uma é a garantia de que se um Estado-membro atribui ajuda a uma empresa com presença noutros Estados-membros não pode existir uma deslocalização da atividade, assegurando a manutenção da capacidade produtiva. No fundo, impedir que aconteça na UE o que se quer evitar em relação aos EUA. A outra é uma majoração do limites às ajudas de Estado quando se formam consórcios entre países, em particular entre países de pequena e média dimensão, ajudando a equilibrar a capacidade orçamental diferenciada.
Nas prioridades do Governo está também o “reforço das condições de financiamento às empresas europeias”, com a criação de uma espécie de fundo soberano, que António Costa entende que não deve ter financiamento apenas dos Estados mas através de dívida da própria UE, um tema sempre fraturante no bloco. O primeiro-ministro defende que, numa fase inicial, se recorra às verbas não usadas do NextGenerationEU e do RepowerEU. “O mecanismo das ajudas de Estado tem de ser complementado com a existência deste financiamento comum”, sustentou no Parlamento.
A discussão segue esta quinta-feira e sexta-feira em Bruxelas, onde a par da participação de Volodymyr Zelensky e o tema das migrações, os 27 se vão debruçar sobre “como assegurar a competitividade a longo prazo, a prosperidade e o papel dos EUA no palco global”, segundo o resumo da agenda. É aqui que entra o Green Deal Industrial Plan, a resposta da Comissão Europeia à Lei de Redução da Inflação dos EUA (IRA, na sigla inglesa) para evitar que novos investimentos e até fábricas já existentes migrem para o outro lado do Atlântico, seduzidos por 369 mil milhões de dólares em subsídios à economia verde.
É inevitável que a União Europeia tenha uma política industrial, que não pode ser financiada só pelas empresas. Têm de ser também os Estados a apoiar.
Dentro do Green Deal Industrial Plan está o Net-Zero Industry Act, que cria um novo quadro de flexibilização das ajudas de Estado para os investimentos relacionados com a transição energética. Nem todos os Estados-membros acolhem a proposta de braços abertos, com os países nórdicos, a Bélgica e a Holanda entre os tradicionais opositores às distorções na concorrência e no mercado interno. Mesmo dentro da Comissão Europeia há visões diferentes. A dinamarquesa Margrethe Vestager (que tem a pasta da Concorrência), o letão Valdis Dombrovskis e o holandês Frans Timmermans escreveram um artigo de opinião no Financial Times onde defendem que “não devemos deixar que a resposta à Lei da Redução da Inflação ameace a existência de mercados funcionais e justa concorrência” e que é necessário “manter uma atitude aberta ao comércio global”. Como grande exportadora, a UE tem a ganhar com uma economia global funcional, argumentam.
“É inevitável que a União Europeia tenha uma política industrial, que não pode ser financiada só pelas empresas. Têm de ser também os Estados a apoiar”, defende Pedro Siza Vieira, apontando que foi o que fizeram os chineses e norte-americanos. O antigo ministro da Economia defende que se repliquem os Important Projects of Common European Interest (IPCEI), usados para o hidrogénio e as baterias, “concedendo auxílios de Estado no contexto de tecnologias emergentes”, que se não forem desenvolvidas na Europa terão de ser compradas à China ou aos EUA. Considerando que “toda a economia europeia beneficia se os grandes estiverem mais fortes”, defende também que “os auxílios sejam condicionados à inclusão de empresas de países da convergência através de consórcios”. “Vamos aceitar a mudança de paradigma mas condicionar a que tenha disseminação pelo espaço europeu”, reitera.
A Business Europe, uma confederação de associações empresariais europeias, deixou quarta-feira um apelo aos líderes dos 27 Estados-membros. Salientando que estão já fragilizadas pelo choque assimétrico da guerra na Ucrânia e os preços elevados da energia, “os incentivos e subsídios de alguns dos principais parceiros comerciais da Europa está a levar para fora o investimento”. “Os líderes europeus têm de melhorar urgentemente as condições de investimento na União Europeia para fortalecer a competitividade das companhias europeias, fazer a descarbonização e dar uma resposta credível à Lei da Redução da Inflação americana“, diz o comunicado da Business Europe.
Só que enquanto os subsídios de Joe Biden já estão no terreno, a flexibilização das ajudas de Estado na UE ainda vai demorar a chegar. Num encontro esta semana com o ministro das Finanças Português, a ministra dos Assuntos Económicos espanhola, Nadia Calviño, disse que espera que a Comissão Europeia apresente um projeto legislativo, o quanto antes, para se chegar a um acordo na segunda parte do ano”, quando Espanha ocupa a presidência rotativa da UE.
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