Bruno M. Fernandes: “Risco de crédito em Portugal e na Europa já aumentou”

O responsável pela investigação macroeconómica da seguradora francesa de crédito Coface alerta para o aumento de riscos de incumprimento de pagamentos por parte de empresas.

Bruno de Moura Fernandes: “0,8% ou 1% é pouco face ao crescimento potencial das economias de Portugal e Espanha”.

A Coface baixou o seu rating sobre Portugal, como o de outros países, em junho passado mas distingue positivamente Portugal de outros países em situações semelhantes como Itália e Grécia. O negócio da empresa são seguros de crédito para proteger as empresas contra o risco de incumprimento financeiro por parte dos seus clientes. Para isso faz análise de risco de cerca de 200 países, avalia o risco de setor e risco de crédito para ajudar 37 mil clientes empresas a melhor prevenir os riscos que têm de assumir nas suas trocas comerciais externas e internas.

Como Head of Macroeconomic Research da Coface está Bruno de Moura Fernandes, terceira geração de portugueses de Montalegre em França, que há anos acompanha as economias ocidentais para a seguradora de crédito. Mestre em Diagnóstico Económico Internacional pela Université Paris Dauphine, esteve em Madrid e está de regresso a Paris onde, no momento de apresentação do Guia Coface de Riscos País & Setores 2023, foi entrevistado por ECOseguros.

Em Portugal a taxa de juro média para as empresas passou de 2,2% em junho para 4,4% em dezembro e temos 83% dos empréstimos a particulares com taxas variáveis ou mistas, isso vai trazer problemas

Sinteticamente qual a previsão económica para a Europa em 2023?

O nosso cenário é de estagflação na região ocidental na Europa e resiliência nos países emergentes. Prevemos um crescimento de 0,4% para a zona euro mas, mesmo nessa zona, temos cenários diferentes. Por exemplo Espanha crescerá 1% e Portugal 0,8%, porque são países que estão a pagar o gás menos caro e o turismo ainda está a recuperar. Os turistas com origem na Europa vão diminuir porque os salários não estão a acompanhar a inflação, mas Portugal e Espanha são países mais baratos e isso permite que tenham mais dinamismo no setor turístico. De qualquer forma 0,8% ou 1% é pouco face ao crescimento potencial de Portugal e Espanha.

O risco de crédito às empresas vai aumentar?

Claramente. Com as taxas de juro a aumentar e os salários a subir. Esta subida começou tarde mas, por exemplo, em França no 1º trimestre sobem 2%, no 2º trimestre será 3% em relação a um ano atrás, no terceiro trimestre 4%, porque a inflação estará em 6,7 ou 8%. Ou seja, os custos das empresas estão mais altos, as matérias primas vão subir novamente e a procura está a abrandar.

Em Portugal qual a perspetiva de curto prazo?

Tal como na Europa o desemprego vai subir, os novos empregos nos serviços e no retalho estão a baixar, a taxa de poupança está em 5% comparando com 7% antes da pandemia, o consumo vai baixar porque a inflação está a afetar as famílias. Como o Banco Central Europeu (BCE) vai continuar a subir as taxas de juro, para já 0,5% em maio e depois 0,25%, vamos chegar a níveis excessivos: 3,5% de taxa BCE é muito. Em Portugal a taxa de juro média para as empresas passou de 2,2% em junho para 4,4% em dezembro e temos 83% dos empréstimos a particulares com taxas variáveis ou mistas, isso vai trazer problemas.

Em relação ao Estado e à elevada dívida pública portuguesa. O quantitative easing, compras de dívida pública pelo BCE, vai manter-se?

As dívidas que vão chegar à maturidade não vão ser reinvestidas todas. Isso significa que haverá menos compras do banco central. Para já, o BCE não considera Portugal o país mais arriscado. O novo instrumento que vão utilizar para substituir o quantitive easing será para intervir na Itália e Grécia.

Os mercados têm confiança no no Governo português?

Os mercados não gostam de governos de esquerda porque são mais gastadores. Afinal este Governo tem a maioria absoluta e respeitam o défice. Isso explica porque a geringonça perdeu as eleições pelo orçamento. Como ganhou o partido socialista que tinha revelado responsabilidade orçamental, os mercados reagiram bem. Claro que quando se tem uma dívida pública tão alta há sempre dúvidas, mas os mercados têm mais dúvidas sobre Itália e Grécia.

Os extremismos políticos como são vistos?

Os mercados gostam mais do que já conhecem. Sabem que centro direita e centro esquerda vão respeitar o orçamentos equilibrados. Se chega um governo populista de extrema direita ou de extrema esquerda sabem que vai trazer mais instabilidade social, levar a mais protestos, usar demasiado os subsídios, fazer um brexit, mudanças muito fortes. Em suma, não gostam do que está fora do mapa.

Pode dizer-se que Portugal não sabia viver em inflação e agora não sabe viver em desinflação?

De facto, com inflação a receita fiscal sobe e ajuda a baixar a dívida. Com a desinflação os salários terão um ponto de intersecção e aí sim pode subir o défice. Vai baixar na primeira parte do ano devido à redução dos preços da energia e das matérias primas, mas no segundo semestre economia da China vai acelerar os preços do gás vão aumentar, o petróleo vai para os 100 dólares e os preços dos metais vão para um novo patamar. Na segunda metade do ano vai a inflação vai entre 4 e 6%, mais do que tínhamos há uns anos atrás e mais que os objetivos do BCE.

É irrealista o cenário do BCE de retornar a uma inflação de 2%?

Eles projetam inflação de quase 4% em 2023 e 2024 vai ser superior aos 2%. Já sabem que a inflação vai baixar, mas de forma lenta e ainda mais lenta se a China recuperar. Por isso sobem as taxas de juro porque acreditam que a inflação não vai baixar sem isso. As consequências das variações de taxas de juro acontecem 6 a 9 meses depois, irão observar o impacto da subida das taxas de juro e, a partir daí, tomarão decisões. Não prevemos que o BCE baixe taxas de juro antes de meados de 2024.

A Coface fala em Reglobalização mas em vez de o processo ser just in time, será just in case…

Muda a maneiraa de estar de muitas empresas, com a pandemia aprendemos que dependíamos demais da China. Era mais barato em vez de nos preocuparmos com infra-estruturas ou produtividade. Demos conta que um problema na China é o caos e começámos o falar de near shoring. Estados Unidos e Canadá escolheram o México e na Europa foi o leste com as empresas deslocalizaram-se para lá. Depois chega a guerra da Ucrânia e por isso agora já estamos a falar em friend shoring, onde não haja risco político. Na Europa, a Polónia era o local ideal, mas já se sabe que se a guerra correr mal para a Ucrânia, a Rússia fica muito próximo da Polónia e já há tensões entre os dois países. Por isso as empresas estão a olhar para outros lados, e Portugal pode beneficiar disso porque tem baixo risco político e baixo custo com trabalho. Por comparação em Espanha temos a Catalunha que fez aumentar o risco político lá, levando muitas empresas a pensar se ficavam na Catalunha ou se iam para a Madrid.

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