Dona do Pingo Doce trava taxa alimentar e já deve quase 30 milhões ao Estado

Jerónimo Martins volta a recorrer à Justiça para impedir o Fisco de cobrar taxa de segurança alimentar que gerou encaixe de 73 milhões numa década. Sonae paga, mas também contesta em tribunal.

A Jerónimo Martins voltou a recorrer aos tribunais portugueses no início deste ano para impugnar a cobrança da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), criada em 2012 pelo Governo de Pedro Passos Coelho e mantida no consulado de António Costa. Paga em função da área de vendas, com um valor de sete euros por metro quadrado (m2), aplica-se aos estabelecimentos de comércio alimentar com mais de 2.000 metros quadrados ou que tenham várias lojas em Portugal que perfaçam mais de 6.000 m2.

Segundo a informação dada ao ECO pelo grupo retalhista, com base nos números consolidados até ao final do terceiro trimestre do ano passado, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) já “reclamou de Pingo Doce, Recheio e Hussel as quantias de 26 milhões de euros, três milhões de euros e 60 mil euros, respetivamente, correspondente a liquidações da TSAM relativas aos anos de 2012 a 2022”. Ou seja, o valor em dívida ascende a quase 30 milhões de euros.

Como o Pingo Doce prestou garantia bancária, a execução movida pela Autoridade Tributária deve continuar suspensa até decisão final e vinculativa dos tribunais.

Grupo Jerónimo Martins

A impugnação mais recente foi apresentada a 7 de fevereiro no Tribunal Tributário de Lisboa, pedindo a “revisão de uma decisão da Autoridade Tributária (AT) de cobrar ao Pingo Doce a TSAM no valor de 2,55 milhões de euros”, relativa ao ano passado, cujo pagamento, no seu entendimento, “ainda não é devido”. “Isto porque ainda está em discussão nos tribunais tributários a questão de saber se o pagamento é ou não devido e, como o Pingo Doce prestou garantia bancária, a execução movida pela AT deve continuar suspensa até decisão final e vinculativa dos tribunais”, explica fonte oficial.

Apesar de o Tribunal Constitucional já se ter pronunciado a favor desta taxa que integra o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar, dirigido pela DGAV, o grupo liderado por Pedro Soares dos Santos insiste que “o diploma legal que criou a TSAM se encontra ferido de inconstitucionalidade”. Em junho de 2019 apresentou uma queixa à Comissão Europeia (CE), alegando “um auxílio ilegal do Estado”, que ainda está em apreciação. O Ministério da Agricultura diz ao ECO que ainda não recebeu “notificação de qualquer decisão judicial em resultado das impugnações apresentadas”.

Temos conhecimento da queixa, no entanto, ainda não recebemos nenhuma notificação de qualquer decisão judicial em resultado das impugnações apresentadas.

Ministério da Agricultura e da Alimentação

“As companhias do grupo continuam a apresentar regularmente impugnações à taxa, procedendo a uma análise regular do risco e da probabilidade de desenlace favorável nalgum dos processos e/ou da queixa à Comissão Europeia”, acrescenta a Jerónimo Martins. Com negócios igualmente na Polónia – opera com a insígnia Biedronka no retalho alimentar e tem a rede de lojas Hebe, especializada em saúde e beleza – e na Colômbia – entrou em 2013 e chegou em novembro às 1.000 lojas com a marca Ara) –, o grupo de origem portuguesa viu em 2022 as vendas dispararem 21,5% em termos homólogos, para 25,4 mil milhões de euros.

Pedro Soares dos Santos, presidente da Jerónimo MartinsPAULA NUNES / ECO

No mercado português, em que a subida generalizada dos preços levou a uma inflação alimentar de 13% e a “forte recuperação” do turismo beneficiou o canal Horeca (engloba os hotéis, os restaurantes e os cafés), os dados preliminares comunicados à CMVM a 12 de janeiro mostraram que o Pingo Doce faturou 4.500 milhões de euros (+11,2% em termos homólogos) e terminou o ano passado com 472 lojas (área total de 551.250 m2).

Por outro lado, o Recheio, com 139.381 m2 divididos por 43 espaços em formato Cash & Carry, vendeu 1.200 milhões de euros (+27,7% face ao ano anterior). Já a cadeia especializada em chocolates e confeitaria Hussel, que resulta de uma joint-venture entre a Jerónimo Martins (51%) e a alemã Douglas AG (49%), conta com 21 bomboneries localizadas sobretudo nos maiores centros comerciais do país.

Estado arrecadou 73 milhões numa década

Desde que foi implementada pela então ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas (CDS-PP), com o intuito de suportar os custos inerentes ao cumprimento das normas europeias em matéria de qualidade e segurança alimentar, e proteção animal e vegetal, a Taxa de Segurança Alimentar Mais já permitiu arrecadar um montante total de 72.963.222,62 euros, como adiantou ao ECO o Ministério da Agricultura e da Alimentação, liderado por Maria do Céu Antunes.

Ou seja, se não fosse o montante em dívida por parte da dona do Pingo Doce, a receita total já podia ser superior a 102 milhões de euros. Esta taxa é anual e liquidada por uma única vez, titulada por duas faturas emitidas em simultâneo, sendo paga em duas prestações que vão indicadas nas faturas. A última liquidação foi efetuada em maio de 2022, sendo atualmente o grupo Jerónimo Martins, como confirma a tutela, “o único operador que vem impugnando a taxa, sem proceder ao pagamento”.

As sociedades participadas pela MC têm procedido ao pagamento e, à semelhança de anos anteriores, impugnado a mesma junto dos tribunais, em defesa dos seus direitos, nomeadamente por se discordar da natureza e razão de ser desta taxa.

Sonae MC

Mas não é a única a recorrer à Justiça. Apesar de a Sonae MC (dona dos supermercados Continente, Meu Super ou Go Natural) ter realizado até à data todos os pagamentos relativos a esta taxa, que é calculada em função do espaço ocupado pelos grandes retalhistas, as sociedades participadas pela principal empresa do grupo liderado por Cláudia Azevedo também “têm impugnado a mesma junto dos tribunais, em defesa dos seus direitos, nomeadamente por se discordar da natureza e razão de ser desta taxa”, como confirmou ao ECO fonte oficial.

Com cerca de 36 mil colaboradores, a Sonae MC, presidida por Luís Moutinho, viu o volume de negócios subir para 5.978 milhões de euros em 2022, ficando 11,5% acima do registo do ano anterior, de acordo com a comunicação feita ao regulador do mercado de capitais. No ano passado, a empresa nortenha abriu 65 lojas próprias (25 mil metros quadrados adicionados), das quais 17 de base alimentar – dois grandes supermercados em zonas urbanas e 15 lojas de proximidade – e remodelou ainda 33 unidades, encerrando o exercício com um portefólio de 1.401 lojas (incluindo franquias) em Portugal e Espanha.

O compromisso da Mercadona com a sociedade é cumprir com a lei e efetuar todos os pagamentos inerentes à atividade da empresa, e esta taxa não é exceção.

Mercadona

O ECO questionou igualmente o Lidl, o Auchan e a Mercadona sobre este tema, mas apenas a retalhista de origem espanhola, que está a investir 225 milhões num centro logístico de Almeirim, respondeu até à hora de publicação deste artigo. “O compromisso da Mercadona com a sociedade é cumprir com a lei e efetuar todos os pagamentos inerentes à atividade da empresa, e esta taxa não é exceção”, assegura a líder de mercado no país vizinho, que soma 39 supermercados nos distritos do Porto, Braga, Aveiro, Viana do Castelo, Setúbal, Santarém, Viseu, Leiria e Lisboa, e que este ano planeia abrir mais dez unidades em Portugal.

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