Editorial

O BCE ainda é um organismo independente?

O mandato do BCE é a estabilidade dos preços, por isso deve manter a trajetória de subida de juros para conter a inflação.

A zona euro continua a viver um contexto de preços elevados e, agora, particularmente por causa dos alimentos, a inflação elevada continua a retirar rendimentos, especialmente aos mais desfavorecidos e com menos rendimentos, o chamado ‘imposto escondido’, e o BCE garantiu nos últimos meses que fará o que for preciso para trazer a inflação para o valor médio de 2%. Mas a agitação em torno do sistema financeiro, primeiros nos EUA e agora com o Credit Suisse, foi o suficiente para voltar a haver pressão sobre o BCE para travar o aumento dos juros. Não se aprendeu nada?

A zona euro tem um problema de fundo, que tem de ser corrigido porque é uma anormalidade: As taxas de juro reais são negativas, isto é, o nível de juros é inferior ao nível de preços, o que significa, na prática, um incentivo ao consumo. A correção dos juros negativos demora tempo, tem impacto no andamento da economia, mas tem de ser feita, para bem da saúde financeira da economia do euro.

Além disso, tendo em conta que o BCE desbaratou parte da sua credibilidade por ter chegado tarde à conclusão de que seria necessário aumentar os juros para conter a inflação, o pior que poderia suceder era mesmo uma nova inversão na estratégia anunciada nos últimos meses por receio de efeito deste aumento na carteira dos bancos. Na verdade, provavelmente, isso seria até meio caminho para agravar a situação.

O discurso efetivo de Lagarde sobre a política monetária levou os agentes económicos — e os investidores em particular — a ancorarem as suas expectativas de evolução da inflação nos 2% até ao final do próximo ano, o mais tardar em 2025. Ora, se o BCE abrandar essa estratégia, os investidores vão convencer-se da probabilidade de manutenção da inflação claramente acima dos 2% nos próximos anos, o que levará necessariamente a um agravamento das obrigações do Tesouro no euro, e da própria euribor.

O BCE tem um mandato, a estabilidade dos preços, portanto, o que o BCE deveria fazer hoje era manter o aumento dos juros em mais 0.5 pontos percentuais, garantir aos agentes económicos que fará o que for preciso para trazer a inflação, esse imposto escondido, para os 2% e olhar, por outro lado, para os balanços dos bancos e impor, provavelmente algumas regras mais estritas ao pagamento de dividendos por um ano ou dois ou, ainda, um eventual ‘waiver’ para permitir gerir o impacto da queda do valor das obrigações nos resultados durante alguns anos.

Dito de outra forma, queremos uma injeção de penicilina que resolva a doença dos preços tão rapidamente quanto o possível ou preferimos uma aspirina para andar anos com a maleita? Veremos se o BCE é mesmo, ainda, um organismo independente.

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