Editorial

Há motivo para um despedimento por justa causa… do Governo

As audições na comissão parlamentar de inquérito na TAP têm sido úteis para mostrar, em direto no canal Parlamento, o Governo que temos.

Depois de três audições na comissão parlamentar de inquérito à TAP, de Christine Ourmières-Widener, Alexandra Reis e Gonçalo Pires, já podemos retirar uma primeira conclusão: O Governo é que merecia ser despedido por justa causa. A gestão da uma empresa pública como a TAP como se fosse uma direção-geral, até uma federação distrital do PS, a interferência permanente, a violação de princípios básicos de governação e até de salubridade política, são factos demasiado graves e num Estado com instituições maduras só poderiam conduzir à queda do Governo. Em Portugal, é o que é.

Comecemos por Christine Ourmières-Widener. No dia 6 de março de 2023, os ministros das Finanças e das Infraestruturas anunciaram em conferência de Imprensa o despedimento da presidente executiva da TAP por justa causa, uma decisão suportada nas conclusões do parecer da IGF sobre o acordo de indemnização paga à gestora Alexandra Reis, considerado nulo. Passado um mês, e com toda a informação disponível, mudei de opinião: É um despedimento sem causa justa, mais ainda, é um despedimento político para poupar Fernando Medina a um incómodo, o de explicar como é que nomeou Alexandra Reis para a Nav e depois para secretária de Estado do Tesouro.

Já se sabe hoje que foi o Governo a conduzir todo o processo de saída de Alexandra Reis. Perante o parecer da IGF, a demissão parecia ser a decisão adequada. Enganei-me. Há uma coisa óbvia dos diversos documentos revelados pela própria gestora, e suportados em mensagens trocadas com a tutela: Não só o Governo sabia o que estava em causa como foi a tutela que decidiu os valores em causa, os 500 mil euros brutos que levaram a esta crise. E até se sabe hoje que a gestora esteve disponível para sair, umas semanas antes, por iniciativa própria e sem qualquer indemnização.

Depois da queda de Pedro Nuno Santos, a IGF só teve uma preocupação, a de proteger o ministro das Finanças Fernando Medina de mais “incómodos”, depois de ter nomeado Alexandra Reis para a Nav e para a Secretaria de Estado do Tesouro sem ter cuidado de saber em que condições tinha a gestora saído da TAP. Admitindo, claro, que não sabia, naqueles dois momentos, qual tinha sido a indemnização paga a Alexandra Reis…

Acresce a isto que a forma como Medina despediu Christine Ourmières-Widener é não só ilegal como indecorosa. Sabe-se também agora, pela audição da gestora francesa, que Medina convidou-a a demitir-se no dia anterior à conferência de imprensa de dia 6 por causa da pressão política em torno do caso. Nunca lhe terá dito que, em alternativa, seria demitida por justa causa (alternativas, diga-se, que não são compatíveis). E sem a gestora ter sequer sido ouvida para prestar depoimento, um princípio básico num Estado de Direito.

A gestora francesa revelou, em vários momentos, que não percebeu exatamente o que era a sua responsabilidade como presidente executiva de uma empresa pública que recebeu 3.5 mil milhões de euros de fundos públicos. Um exemplo foi a contratação da mulher do seu próprio personal trainer para uma função para a qual não tinha competências. Ou a tentativa, que se sabe agora, de uma compra de serviços a uma empresa que tinha como representante o seu próprio marido. Ou ainda a decisão de mudar de sede quando tinha acabado de despedir 1.800 pessoas. Mas também é verdade que o seu mandato era um, o de executar o plano de reestruturação, e fazer regressar a TAP aos lucros. E isso fê-lo, com um calendário antecipado.

Alexandra Reis, ouvida também em audição parlamentar, está a ser usada pelo PS para tentar descredibilizar a gestora francesa. E porque tem de fazer a sua carreira por aqui, num país pequeno e com tantas dependências, acaba por contribuir, talvez mesmo inadvertidamente, para essa tática política. Os pequenos episódios sobre Christine Ourmières, como o do motorista que esteve para ser despedido, ou a constatação de que não sabe ainda hoje porque é que saiu da TAP, são laterais em relação ao objeto maior desta comissão. A gestora francesa quis mudar a equipa, pediu autorização à Tutela para o fazer e teve a sua aprovação, e depois foi o Governo a tomar a última palavra no valor da indemnização paga com base num acordo que violava de forma flagrante o Estatuto do Gestor Público. É isto que está em causa.

Gonçalo Pires, administrador financeiro da TAP, já tem poucas condições para se manter em funções na nova equipa, e Luís Rodrigues, o gestor indicado para a companhia, deveria ser o primeiro a exigi-lo. O gestor, próximo do PS, mentiu no Parlamento sobre o conhecimento que tinha do processo de saída de Alexandra Reis e isso é motivo mais do que suficiente para uma demissão.

A reunião do grupo parlamentar do PS com a gestora francesa no dia anterior a uma audição na comissão de economia e finanças ou o email do secretário de Estado Hugo Mendes a pedir uma alteração de um voo da TAP para evitar que o Presidente da República deixasse de ser o maior aliado do Governo são episódios que, se não fossem trágicos, seriam cómicos. Mas reveladores.

O que é facto hoje? Christine Ourmières-Widener continua em funções um mês depois de ser demitida em conferência de imprensa sem culpa formada, Alexandra Reis já pediu por três vezes para lhe comunicarem que valores terá de devolver à TAP por um contrato considerado nulo e não obteve qualquer resposta, e o Governo continua em funções como se nada fosse, como se o país não estivesse a assistir em direto no canal Parlamento a este espetáculo indecoroso e ofensivo para a dignidade dos contribuintes portugueses.

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