Que setor agrícola temos depois de um ano de guerra?
Os impactos da guerra no setor agrícola foram o mote da conferência "Que agricultura temos hoje?", organizada pela CAP e pelo ECO, que decorreu hoje no CCB.
O setor agrícola tem vindo a sentir um aumento nos custos de produção desde que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia começou, há pouco mais de um ano. Consequentemente, esta situação reflete-se na subida dos preços dos produtos, que ainda não estagnou.
Mas será a guerra a única justificação para o aumento dos preços? O que é que realmente tem afetado a agricultura e o custo dos alimentos? Como funciona a produtividade do setor e a autonomia estratégica do país? Qual a relevância de matérias-primas como os fertilizantes e herbicidas? Estes e outros temas estiveram hoje, em debate, na conferência “Um ano de guerra. Soberania Alimentar. Que agricultura temos hoje?”, organizada pela CAP e pelo ECO, no CCB.
Na abertura do evento, Álvaro Beleza, presidente da SEDES, destacou a importância de Portugal ter uma autonomia militar e industrial, mas também agrícola: “A agricultura é relevante pela necessidade que temos de ter autonomia para nos podermos alimentar. A economia, hoje, dada pela indústria agroalimentar portuguesa desenvolveu-se imenso e é relevante por outra coisa muito importante: porque são os agricultores que ocupam o território e são os agricultores que estão no campo, que descarbonizam e que fazem a transição ambiental”.
No primeiro debate da conferência, moderado por Mónica Silvares, editora do ECO, foram abordadas as razões que têm levado ao aumento dos preços. E, quanto a isso, Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP, deixou claro que a guerra não é única razão. “A vida mudou, mas começou a mudar com a pandemia, depois com a crise energética, com a neutralidade carbónica e, depois, sim, com os efeitos da guerra”, disse.
IVA Zero é solução?
“A agricultura não é uma máquina de fazer prego. Quando se começa, tem de se acabar. Ou seja, não se pode interromper, independentemente de os preços se alterarem. E isso gera um problema”, continuou o presidente da CAP, ao mesmo tempo que salientou que a medida IVA Zero, que entrará em vigor dia 18 de abril, “não soluciona a questão”.
Por sua vez, Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, considera que a medida será uma ajuda, mas alertou para o facto de que não garante a estabilização dos preços. Isto porque, mesmo tirando o valor do IVA, ao continuar a haver um incremento nos preços para a produção, o valor final dos alimentos continuará a oscilar.
“Portugal é um pequeno país de economia aberta. É uma batalha perdida achar que um país com economia aberta vai conseguir estabilizar os preços. E, se o produtor paga mais por tudo o que aumentou e não tem apoios, vai ter de aumentar os preços”, acrescentou João Duque, economista, que se revelou otimista relativamente ao comportamento da inflação nos próximos tempos, uma vez que considera que “os efeitos da guerra já entraram na normalidade”.
Ou seja, para o economista, “a instabilidade da Ucrânia passou a ser estabilidade”. “Se compararmos os preços do início deste ano com o do ano anterior, vamos perceber uma grande diferença, mas acredito que, à medida que o tempo avançar, as variações relativas vão ser menores do que as do início do ano”, explicou.
A tecnologia como aliada no setor agrícola
No segundo debate do evento, também moderado por Mónica Silvares, foram apresentadas as dificuldades que os agricultores têm para poderem exercer a sua atividade em Portugal. Em comum, todos os convidados deste painel revelaram a insatisfação que sentem devido às exigências burocráticas para o setor agrícola e à legislação em torno dos fertilizantes e herbicidas.
“Sem fertilizantes e sem herbicidas não havia comida no mundo para alimentar a população que há hoje”, começou por dizer Luís Mira, secretário-geral na CAP. Nesse sentido, o responsável da CAP falou da tecnologia como um aliada para esta questão, uma vez que permitiria “colocar o adubo, os herbicidas e os medicamentos somente nas quantidades necessárias”.
A mesma opinião foi partilhada por Felisbela Torres de Campos, presidente da ANIPLA, que destacou que essa tecnologia já existe, “mas não pode ser aplicada porque o agricultor não tem acesso a ela”. “A regulamentação não é ágil o suficiente para se fazer a implementação destas novas tecnologias”, disse.
“A legislação que um agricultor tem de conhecer ocupa um grande tempo que poderia ser usado para se tornar mais sustentável e para chegar ao que as pessoas querem. Tem de ter ajuda, não o consegue fazer sozinho”, acrescentou Gabriela Cruz, presidente da APOSOLO.
Fertilizantes e herbicidas – os inimigos da saúde ou da carteira?
Ainda dentro deste tema, João Coimbra, diretor da ANPROMIS, realçou o problema das restrições ambientais: “A Europa tem as maiores restrições ambientais e isso torna tudo mais caro”. O responsável deu até o exemplo de um herbicida utilizado há 20 anos, que custava sete euros por hectare, e que teve de ser substituído por um herbicida alternativo que custa 77 euros por hectare.
“Isto não é justo para o agricultor porque, quando houve falta de milho em Portugal, importou-se milho com aquele herbicida. E eu até admito que seja mais barato importar do Brasil ou da África do Sul, mas então não proíbam às pessoas que aqui estão de usarem as mesmas ferramentas”, afirmou.
As restrições apresentadas são, de acordo com a presidente da ANIPLA, “um obstáculo à inovação”: “Tudo o que é inovação acontece no resto do mundo, mas não chega à Europa precisamente pela parte regulatória”.
Exemplo disso é a solução de aplicação de agroquímicos com drones, que ainda não está legalizada na Europa, mas que já se pratica em muitos países. “Pedem-nos 50% de redução de agroquímicos, mas não nos deixam usar ferramentas que até os reduziriam em 95%. E o agricultor não quer reduzir 50%, quer reduzir 100% porque os agroquímicos são muito caros”, revelou o diretor da ANPROMIS.
No encerramento da conferência, Pedro do Carmo, presidente da Comissão Parlamentar da Agricultura e Pesca, alertou para a necessidade de se olhar para “a agricultura, os agricultores e a produção como a solução e não como o problema”. “É importante salvaguardar a soberania alimentar. Temos de responder com manutenção de dinâmicas positivas no interior rural. A produção, a distribuição e o consumo têm de estar alinhados”, concluiu.
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