O impacto da inflação na Contratação Pública de Seguros

  • Luís Arruda
  • 5 Abril 2023

Luis Arruda, especialista em contratação pública na WTW, alerta para a necessidade de as entidades públicas dinamizarem a sua abordagem à proteção por seguros. A inflação impõe mudança.

Assim como no domínio da vida familiar e empresarial a questão da inflação tem galvanizado a atenção das pessoas e das organizações, por maioria de razão este assunto deve preocupar as entidades públicas, no domínio particular da transferência dos seus riscos e proteção dos seus ativos relacionados com o património, as pessoas e as responsabilidades legais, em caso de ocorrência de um evento de natureza acidental.

Enfatizo a preocupação quanto às entidades públicas em particular porque, na minha experiência de vários anos de trabalho na área da contratação pública de seguros, tenho constatado frequentemente a cristalização das especificações técnicas dos cadernos de encargos, que se perpetuam concurso após concurso, ano após ano, ignorando a dinâmica e evolução dos riscos, e menosprezando a crescente valorização dos seus ativos patrimoniais, principalmente em ambiente conjuntural de elevada taxa de inflação.

A inflação está a manifestar-se negativamente do lado das seguradoras através do agravamento significativo dos custos com os sinistros, que são superiores à taxa de inflação, e até duplicaram nalgumas rubricas. Ou seja, presentemente assistimos a um incremento do valor das indemnizações em tudo o que são ramos expostos a gastos médicos (saúde e acidentes); custos materiais, peças (património, automóvel, responsabilidades); aumento de salários (transversal), para além dos custos de paralisação relacionados com períodos mais longos de substituição de peças ou de reparação de bens e património danificado.

Decorrente deste panorama económico, os peritos de avaliação de danos, quando chamados a intervir por parte da seguradora, em caso de um sinistro participado pela entidade segurada, constatam, cada vez com mais frequência, a existência de situações de infra seguro ou insuficiência dos capitais seguros nas apólices de seguros contratadas, com o consequente agravamento de custos a suportar pelas entidades públicas afetadas.

É neste contexto que as seguradoras estão apostadas em adequar as suas políticas de subscrição e comercialização, o que se traduzirá num aumento das tarifas, e numa revisão dos seus standards e modelos de seleção de risco.

Importa, portanto, saber de que forma é que a inflação pode impactar nos custos com a aquisição de seguros para as entidades públicas contratantes e, consequentemente, como devem adequar os concursos à luz desta nova conjuntura inflacionista, e repensar a sua abordagem estratégica ao mercado segurador.

Qual a melhor forma de proteger ativos e pessoas de uma entidade pública num período de inflação?

Antes do recurso ao tradicional modelo de transferência do risco (seguro), e ao reforço do controlo de gestão sobre o valor atual dos ativos da organização, recomenda-se, às entidades públicas a importância e o dever de reforçarem o seu nível de investimento na prevenção e mitigação dos riscos, através de medidas de controlo dos riscos.

Por outro lado, perante a constatação de que em muitas entidades públicas adjudicantes existe o que designamos em gíria seguradora um “protection gap” (diferencial entre os riscos que deviam estar seguros e não estão), aconselhamos que se faça regularmente uma “Due Diligence” com base no mapeamento dos principais riscos, analisando a conformidade e adequação das coberturas, capitais e franquias da carteira de seguros.

Em termos práticos, as entidades públicas adjudicantes de seguros, devem promover a realização de estudos e análises numa perspetiva de gestão de riscos com vista a calibrar as suas apólices, designadamente ao nível dos capitais seguros, para garantir que a apólice indemniza corretamente o risco do seu património físico e, por outro lado, atualizar os limites de indemnização contratados de forma a precaverem-se também do impacto da inflação (v.g. RC Exploração, Responsabilidade Ambiental, etc.).

A título de exemplo, quanto à existência de gap de proteção financeira em caso de eventos de natureza catastrófica (tempestades, inundações, ciclones, terramotos, e outros fenómenos da natureza), podemos ilustrar o caso particular dos Municípios, que normalmente seguram apenas os bens constantes das rubricas do seu Imobilizado Corpóreo (conta 421), não acautelando a cobertura dos Bens do Domínio Público (conta 451 – rede viária, acessos, cemitérios, pontes, muros, infraestruturas de saneamento, pavimentos, parques infantis e de estacionamento, etc…), afetando assim significativamente, em caso de sinistro, os seus resultados económicos e a concretização dos investimentos previstos e cabimentados.

Em suma, a gestão e negociação das apólices de seguros não pode ser uma realidade estática, como temos estado habituados a ver. O contexto económico e segurador vai ser necessariamente mais volátil e duro nos próximos anos (hard market), e o que conseguimos negociar num determinado ano pode não estar disponível no ano seguinte, o que obriga as organizações, incluindo as entidades públicas contratantes, a terem de gerir os seus riscos de maneira contínua e sustentada para cada período contratual.

 

  • Luís Arruda
  • Senior Director - Public Procurement WTW Portugal

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