Editorial

O silêncio dos culpados

António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa têm o dever, a obrigação, de falar ao país, de se explicarem sobre o que se passou e está a passar na TAP.

A comissão parlamentar de inquérito à TAP já provou a sua utilidade, e ainda faltam mais de cinco dezenas de inquiridos, nomeadamente o ex-ministro Pedro Nuno Santos e do (ainda) ministro das Finanças, Fernando Medina. As revelações de Christine Ourmières-Widener — só possíveis porque se trata de uma gestora estrangeira, que sairá do país mais cedo do que tarde — são chocantes, revelam abuso de poder, promiscuidade, o grau zero de respeito pelos contribuintes, entre outras realidades pouco ou nada abonatórias para o Governo. Falta agora ouvir quem manda nisto tudo e quem tem o poder de pôr fim a isto tudo.

António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa têm a obrigação de dar explicações ao país. por razões diferentes, o primeiro-ministro e o Presidente da República são os culpados do que se está a passar, do irregular funcionamento das instituições como está descrito no nº2 do artigo 195º da Constituição. Por ato e omissão, permitiram que a TAP se transformasse numa comédia trágica, no recreio de governantes, no laboratório de experiências partidárias de preparação para candidaturas à liderança do Governo. Todos os limites foram ultrapassados. E agora?

António Costa é o principal responsável pelo que se passa no Governo, foi António Costa a escolher os ministros que quis, foi o líder do PS a transformar o exercício de funções ministeriais numa espécie de ensaio e de experiência política para o próximo ciclo governativo. Costa não abriu o Governo, fechou-o ao PS. E foi também o primeiro-ministro a decidir reverter uma privatização, primeiro, e a nacionalizar a TAP, depois. Era tão importante como as caravelas, a argumentação serviu para injetar-se-ia 3,5 mil milhões de euros de fundos públicos e quando percebeu que a TAP seria o seu maior pesadelo, virou o bico ao prego, anunciou a sua reprivatização.

Há dias, estava a começar a comissão de inquérito, o primeiro-ministro veio dizer que as audições parlamentares teriam de avançar, doesse a quem doesse. Estava a pensar apenas em Pedro Nuno Santos e no inenarrável antigo secretário de Estado Hugo Mendes. Mas isto não é o fim da história. Porque a TAP está a doer aos contribuintes portugueses, aqueles que são confrontados com o estado calamitoso da saúde ou da educação, que perdem poder de compra e que têm de incentivar os seus filhos a emigrarem por falta de emprego qualificado e remunerado de acordo com as suas expectativas.

António Costa tem de dar explicações sobre a TAP, tem de nos dizer como foi possível chegar aqui, como é que deixou que a TAP fosse liderada assim, a partir de gabinetes de Governo, e como é que se despede sem justa causa… por causa da pressão política.

O Presidente da República também tem de nos dar explicações. E espera-se que não seja à saída de uma qualquer conferência ou, pior, inauguração de primeira pedra do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa tem de parar com os jogos florais de que tanto gosta, das críticas num dia para o apoio em nome da estabilidade no outro. Tem de falar ao país com a solenidade que a gravidade do caso justifica. Ou será que, na sua avaliação política, não se justifica?

Marcelo Rebelo de Sousa invocou, nos últimos meses, a tese de que não há alternativa ao Governo para deixar apodrecer o sistema. É um argumento perigoso, e até anti-democrático, porque as eleições são sempre uma alternativa, quaisquer que sejam os resultados. O Chega é um risco? É, mas também já todos percebemos que Costa (e Santos Silva) alimentam André Ventura na expectativa de condicionarem o PSD e sobretudo Marcelo. Há limites. E esses limites foram ultrapassados. E tendo em conta o que diz o Governo da situação económica do país, esse argumento é ainda menos aceitável.

Até agora, só ouvimos o silêncio dos culpados. Chegou a hora de falarem ao país.

PS: Já depois de ter escrito este Login, as primeiras declarações de António Costa sobre um dos episódios relacionados com a TAP: “Primeiro-ministro considera “gravíssimo” o email que o ex-secretário de Estado Hugo Mendes enviou à CEO da TAP sobre voo do Presidente da República e afirma que teria obrigado à sua demissão “na hora”. É uma primeira reação, demasiado curta para a gravidade do que está em causa, e parece servir apenas para apontar o dedo a Pedro Nuno Santos.

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