Alojamento local, arrendamento coercivo e limite ao aumento das rendas. As medidas do Mais Habitação que vão ser discutidas no Parlamento

  • Ana Petronilho
  • 18 Abril 2023

Duas semanas depois de terem sido aprovadas em Conselho de Ministros, as medidas que constam do pacote Mais Habitação já deram entrada no Parlamento.

Duas semanas depois de o Conselho de Ministros ter aprovado o pacote legislativo Mais Habitação, as propostas deram entrada na Assembleia da República.

Em traços gerais, o Governo manteve as medidas anunciadas onde constam propostas para o alojamento local, para o arrendamento coercivo, para o limite ao aumento das rendas ou que criam benefícios fiscais. Mas houve alguns recuos nas regras previstas para o fim dos vistos gold.

As medidas que constam dos diplomas ainda vão ser votadas pelos partidos com assento parlamentar, num cenário em que o PS tem maioria, mas podem ainda sofrer alguns ajustes. Por outro lado, há ainda medidas por aprovar em Conselho de Ministros, como a simplificação dos licenciamentos ou a utilização dos solos.

Outras já aprovadas, como é o caso do diploma que cria uma nova vida para a Parque Escolar, que vai renascer com um novo nome – Parque Escolar e Habitacional – e com uma nova missão – herdando também a construção de habitação pública – são decretos-lei que passam pelo crivo de Belém e não do Parlamento.

Para já, segue abaixo o resumo de algumas das medidas que constam do pacote legislativo e que vai ser discutido e aprovado no Parlamento.

Linha de financiamento de 250 milhões para privados construírem a custos controlados

Para impulsionar a construção de projetos de arrendamento acessível, o Governo quer ceder património público devoluto aos privados, num prazo de 90 anos, e quer lançar, através do Banco Português de Fomento, uma linha de financiamento bonificado de 250 milhões de euros.

Para que isso aconteça, o Estado vai disponibilizar em regime de Contrato de Desenvolvimento para Habitação (CDH) solos ou edifícios públicos para construção, reconversão ou reabilitação de imóveis destinados a arrendamento acessível. A disponibilização será efetuada através de concurso, onde vão ficar definidos vários critérios e onde ficam definidos os termos em que as habitações serão disponibilizadas às famílias.

A afetação do património é realizada através de cedência do direito de superfície, por um prazo máximo de 90 anos, não sendo permitida a transferência da propriedade plena para os beneficiários. Os fogos promovidos e disponibilizados ao abrigo deste regime ficam sujeitos ao regime do Programa de Apoio ao Arrendamento, seja no que respeita ao regime fiscal, seja no limite da renda praticada durante 25 anos.

Podem recorrer a esta linha as empresas de construção ou os projetos de Misericórdias, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e pessoas coletivas de utilidade pública administrativa ou de reconhecido interesse público, bem como cooperativas de construção.

Projetos-piloto de cooperativas

O Governo quer apostar no setor cooperativo criando “uma nova geração de cooperativas”, num projeto-piloto do programa Nova Geração de Cooperativismo para a Promoção de Habitação Acessível, que será articulado com o IHRU. Este programa passa pela criação de “parcerias entre o Estado, os municípios e o setor cooperativo” com a “mobilização de municípios e entidades do setor”, com vista a, “no prazo de seis meses”, serem iniciados projetos de modelos de habitação colaborativa, ou seja, “espaços de organização partilhada e/ou comum”.

Arrendamento coercivo para imóveis devolutos há pelo menos dois anos

Apesar dos avisos do Presidente da República sobre a constitucionalidade da medida, que está a gerar forte polémica, o Governo acabou mesmo por avançar com a proposta do arrendamento coercivo de casas devolutas. Em causa estão os imóveis classificados como devolutos há, pelo menos, dois anos.

Todos os proprietários das casas sinalizadas como devolutas – através da lista enviada às autarquias pelas empresas de água, luz, gás e telecomunicações – têm um prazo de 100 dias para dar uso ao imóvel antes de ser arrendada compulsivamente.

Caso o proprietário não responda ou não dê uso ao imóvel, o Estado poderá, por motivos de interesse público, arrendar de forma coerciva as casas, pagando uma renda ao proprietário, com um valor 30% superior face à mediana fixada para a freguesia onde está localizado o imóvel, tendo também em conta a tipologia.

Fora do arrendamento coercivo ficam os imóveis que não sejam apartamentos e os que estão localizados em territórios de baixa densidade, fora da zona do Algarve e do litoral do país. Além disso, estão também excluídas as segundas habitações, as habitações de emigrantes ou habitações de pessoas deslocadas por razões profissionais, formação ou saúde.

Caso seja necessária a realização de obras para que os imóveis tenham condições para habitação, o Executivo vai criar uma linha de crédito de 150 milhões de euros, através do Banco Português do Fomento, para financiar a realização de “obras coercivas por parte dos municípios”.

Desta forma, as autarquias escusam de canalizar verbas próprias para executar as obras coercivas, sendo a amortização do empréstimo efetuada ou através do pagamento da dívida pelo proprietário – responsável pela execução das obras, ao abrigo do dever de conservação que sobre ele impende –, ou através dos rendimentos gerados pelo imóvel, através do arrendamento.

Travão à subida da renda dos novos e antigos contratos

O Governo quer travar o aumento do valor das rendas e quer criar um limite máximo de 2% para a subida do valor das rendas, face ao preço anterior, em todas as casas que estiveram no mercado nos últimos cinco anos.

Desta forma, o valor das rendas deixa de ser calculado de acordo com a taxa de inflação. Mas, a este valor podem ser somados os coeficientes de atualização automática dos três anos anteriores (caso não tenham sido aplicados), sendo considerados 5,43% em relação a 2023.

Já as rendas antigas (anteriores a 1990) que não transitaram para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) vão passar a ser atualizadas de acordo com a inflação e vão ficar isentas de IRS e de IMI. Está ainda previsto o pagamento de uma compensação aos senhorios.

Estado arrenda casas para subarrendar

Para aumentar a oferta de casas no mercado de arrendamento, o Estado quer arrendar a privados habitações que não sejam usadas, para depois as subarrendar. O valor da renda não pode exceder uma taxa de esforço de 35% para o inquilino e não pode ultrapassar em 30% os valores aplicáveis no Programa de Apoio ao Arrendamento Acessível (PAA), tendo em conta a tipologia e a localização do imóvel.

Os contratos de arrendamento terão a duração mínima de cinco anos, renováveis por igual período se nenhuma das partes se opuser. Em contrapartida, os proprietários arrendem as casas ao Estado terão benefícios fiscais, ficando isentos de IRS ou IRC sobre o valor das rendas.

Estado paga rendas em atraso após três meses de incumprimento

Outra das medidas que consta do pacote Mais Habitação prevê que o Estado pague rendas aos inquilinos que tenham pelo menos três meses de incumprimento ou, em caso de despejo, apoiar o arrendatário a encontrar novo alojamento.

O pagamento será realizado depois de avaliada a situação do inquilino e os motivos do incumprimento. Posteriormente, o Estado pode avançar para a cobrança dos valores em falta usando os meios existentes para a cobrança de outras dívidas.

Estas questões passam a ser tratadas no novo balcão único de arrendamento que agrega o Serviço de Injunção em Matéria de Arrendamento (SIMA) e o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA).

Casas vendidas ao Estado com mais-valias isentas de IRS

Desde o ano passado que o Estado tem ido ao mercado comprar imóveis para incluir nos programas de rendas acessíveis. Com a aprovação do pacote Mais Habitação, as mais-valias resultantes de venda de imóveis ao Estado ou aos municípios ficam isentas de IRS.

Mas fora desta medida estão as mais-valias de residentes dos países que Portugal classifica de paraísos fiscais.

Incentivo para transferir casas de AL para arrendamento

As casas que funcionem hoje como Alojamento Local (AL) e que os proprietários optem por disponibilizar para arrendamento, vão ter isenção de IRS sobre as rendas até 31 de dezembro de 2030.

Mas para que isso aconteça, o contrato de arrendamento terá de ser assinado até 31 de dezembro de 2024. Só os imóveis com registo de AL até 31 de dezembro de 2022 são elegíveis para esta medida.

Suspensão de novas licenças de AL e caducidade dos registos

Com a aprovação do novo pacote legislativo, vão ficar suspensas as novas emissões de licenças de alojamento local até 31 de dezembro de 2030, com exceção das zonas para alojamento rural. E todos os registos emitidos até à data de entrada em vigor das novas regras, caducam a 31 de dezembro de 2030, passando a ser renováveis a cada cinco anos.

Além disso, os condóminos, por maioria, podem opor-se ao AL em frações autónomas de edifícios ou em partes dos prédios urbanos. A exceção a esta regra são os hostels e as guest houses ou em casos em que o título constitutivo preveja a utilização da fração para fins de alojamento local ou tiver havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fração para aquele fim.

Fora destas medidas estão as licenças que funcionam em imóveis localizados em zonas e baixa densidade. Ou seja, as novas regras são aplicadas à zona litoral do país e ao Algarve. Ficam também fora destas medidas a Madeira e os Açores.

Contribuição extraordinária de 20% e agravamento do IMI para o AL

O alojamento local vai passar a pagar uma contribuição extraordinária cuja base tributável é constituída pela aplicação de um coeficiente económico (que tem em conta a área do imóvel e o rendimento) e de pressão urbanística.

A taxa aplicável a esta base tributável é de 20% e tem efeitos apenas em apartamentos individuais.

Além disso, as frações que funcionam como alojamento local passam a ter “o coeficiente de vetustez dos prédios que constituam, total ou parcialmente, estabelecimentos de alojamento local (…) é sempre 1”. Desta forma, aos imóveis de alojamento local é sempre cobrado o coeficiente máximo (1) que tem em conta a idade dos imóveis (vetustez) e que é tido em conta para calcular o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de uma casa, acabando por agravar o IMI.

Fim dos vistos gold com recuos

O fim das autorizações de residência para atividade de investimento, os chamados vistos gold, é outra das medidas previstas para “combater a especulação imobiliária”. O Governo já aprovou o fim deste programa criado em 2012 mas é ainda necessária a aprovação do diploma para que a medida entre em vigor.

A intenção inicial do Executivo era que a suspensão de novos vistos gold tivesse efeitos a partir de 16 de fevereiro, dia em que o Governo apresentou o pacote legislativo para a habitação. Mas a proposta que deu entrada no Parlamento deixa cair esta data e serão ainda considerados todos os pedidos que tenham dado entrada no SEF e “que se encontrem a aguardar decisão junto das entidades competentes na data de entrada em vigor da presente lei”.

O Governo recuou ainda na medida que previa que os pedidos de renovação só seriam autorizados caso os titulares apresentassem comprovativos de residência ou de arrendamento.

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