Governo mantém possibilidade de renovação de vistos gold

Além de serem permitidos novos pedidos até à entrada em vigor da lei, a renovação de vistos gold não vai, afinal, obrigar os investidores a arrendar as casas ou a ter residência permanente no país.

Os quase 12 mil cidadãos estrangeiros a quem foram concedidas, ao longo da última década, autorizações de residência (AdR) com base em investimentos imobiliários realizados em Portugal vão, afinal, poder continuar a fazer a renovação dos vistos gold nas mesmas condições previstas até agora, mesmo depois da alteração legislativa que está em curso para acabar com este regime especial.

Este recuo do Governo surge na proposta de lei relativa às mudanças na habitação, que já deu entrada no Parlamento. A redação final especifica que o fim da admissão de novos pedidos “não prejudica a possibilidade de renovação (…) quando essas autorizações tenham sido concedidas ao abrigo do regime legal aplicável até à data da entrada em vigor da presente lei”. E o mesmo se aplica à concessão ou renovação de AdR para reagrupamento familiar.

Quando o fim dos vistos gold foi anunciado, a 16 de fevereiro, a ideia do Executivo passava por obrigar estes investidores, na altura do pedido de renovação, a colocarem os imóveis residenciais no arrendamento de longa duração. Mais tarde, após a reunião do conselho de ministros de 30 de março, foi avançada por António Costa a conversão de todos os títulos numa AdR para imigrantes empreendedores, o que os obrigaria a serem residentes permanentes em Portugal — alterando a “essência” da medida e os pressupostos iniciais que tinham levado ao investimento.

Embora os vistos gold desapareçam como título de residência, nas renovações, em termos de período de permanência, mantêm-se as regras que eram aplicadas: estarem cá sete dias por ano, 14 dias a cada dois anos.

André Miranda

Sócio da Pinto Ribeiro Advogados

“Fica agora claro que, embora os vistos gold desapareçam como título de residência, passando a ser todos vistos para imigrantes empreendedores, nas renovações, em termos de período de permanência, mantêm-se as regras que eram aplicadas: estarem cá sete dias por ano, 14 dias a cada dois anos. Nada é alterado. No fundo, isto salvaguarda os investimentos já realizados. O que [o diploma] faz é a conversão de um determinado título noutro título, mas que mantém as características dos vistos gold”, sublinha ao ECO André Miranda, sócio da Pinto Ribeiro Advogados.

O advogado que redigiu a primeira versão da petição pública com o título “Pela defesa da imagem e reputação de Portugal junto dos investidores internacionais”, que em duas semanas juntou mais de 4.600 assinaturas para forçar a discussão no Parlamento antes de avançar em tribunal, indica que a versão final da proposta do Governo vem “tranquilizar os investidores”. Desde logo, por não haver “disposições com efeitos retroativos e, portanto, nada que possa afetar, sob o ponto de vista da estabilidade e da segurança jurídica, a proteção da confiança dos investidores”.

Por outro lado, este diploma deixa claro que as alterações à lei apenas vão entrar em vigor no dia seguinte à publicação em Diário da República, o que só deverá acontecer a partir de junho, uma vez que só agora vai ser iniciado o período de discussão parlamentar. O Governo chegou a adiantar a hipótese de não considerar os pedidos entrados após 16 de fevereiro, data em que a proposta foi tornada pública, para evitar uma corrida aos vistos gold. Porém, frisa Miranda, “todos os processos devidamente instruídos [submetidos] até à entrada em vigor da lei serão considerados e aceites. Só a partir daí é que não serão admitidos novos pedidos”, frisa.

Evitada corrida aos tribunais

Com estas garantias de que “não é ferido nenhum direito nem princípio constitucional”, acrescenta o porta-voz deste movimento — nasceu a partir da iniciativa da PAIIRPortuguese Association of Immigration, Investment and Relocation“desaparece o risco” de este dossiê chegar às instâncias judiciais, o que poderia gerar um processo “massivo” contra o Estado português.

Aos 11.758 investidores a quem foram concedidas AdR com base no regime especial dos vistos gold desde 2012 – 89% do valor total de 6.800 milhões de euros foi investido em imobiliário – e a que acrescem mais de 20 mil familiares que podem ser reagrupados, somar-se-iam os perto de 2.000 pedidos pendentes de aprovação e ainda “à volta de 500 ou 600” de outros que estão em curso, por exemplo, de pessoas já com contratos-promessa assinados.

André Miranda, sócio da Pinto Ribeiro Advogados.

Ainda assim, apesar de “grande parte do objeto [ter sido] cumprido”, os promotores vão esta semana dar entrada formal da petição na Assembleia da República, com a esperança de que os deputados venham, em sede de especialidade, a “clarificar alguns aspetos”. Desde logo porque o diploma dá ainda a entender que os pedidos pendentes à data de entrada em vigor serão apreciados por entidades como o Banco Português de Fomento, o IAPMEI ou a AICEP, que “não têm qualquer vocação para analisar projetos de investidores que, no fundo, são transações imobiliárias, sejam residenciais ou para unidades turísticas”.

Por outro lado, este grupo de advogados reclama que “continua a faltar um período transitório”, tal como aconteceu na última alteração para restringir os vistos gold em Lisboa e no Porto – foi aprovada em fevereiro e só teve efeitos a 31 de dezembro de 2021 – ou como vai acontecer no caso da concessão da nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas, que ainda irá vigorar até ao final deste ano. “Por igualdade de razões, também para os vistos gold deve haver um período transitório e 31 de dezembro de 2023 seria [uma data] perfeitamente razoável”, conclui André Miranda, confiando que os grupos parlamentares serão “sensíveis” a este argumento.

Norma “salva” investimento no cinema

No diploma submetido ao Parlamento, o Governo decidiu ainda que “são admitidos os novos pedidos de autorização de residência relativos a investimentos ou apoios à produção artística, recuperação ou manutenção do património cultural nacional sobre os quais tenha sido emitida, previamente à entrada em vigor da presente lei, declaração pelo GEPAC [Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais]”.

Uma salvaguarda que parece responder ao risco de interrupção de alguns investimentos na área da Cultura. O Jornal Económico noticiou no início de abril que o fim dos vistos gold poderia colocar em causa investimentos no valor total de 34 milhões, repartidos por dez projetos relacionados especificamente com o cinema –- alguns deles a serem até negociados com plataformas de streaming — e apresentados por clientes provenientes dos EUA, Canadá e Médio Oriente.

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