Os quatro D’s de Abril: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver e… Divergir?

Portugal precisa neste momento de investir para crescer e voltar a convergir como fez nos primeiros 25 anos da democracia. O economista Ricardo Santos analise os 49 anos de democracia.

Depois do 25 de Abril de 74, o MFA anunciou como principais objetivos os famosos 3 Ds: Democratizar, Descolonizar e Desenvolver. Não entrando agora em grandes detalhes quanto aos dois primeiros, que foram globalmente atingidos, mesmo que com alguns percalços, importa nesta altura dar mais atenção ao último: Desenvolver. E ainda que este D também tenha sido amplamente atingido, foi perdendo força a partir da altura em que o regime democrático entrou na idade adulta, mais concretamente depois dos seus 25 anos.

Desde 1999 que surgiu outro D, de Divergência. Primeiro, divergência face à média da União Europeia (EU), depois de 25 anos de convergência. E, mesmo que mais recentemente, Portugal tenha voltado a convergir com a UE, fá-lo a um ritmo bastante menor do que a maioria dos países do centro e leste da Europa que estão mais próximos do seu campeonato.

Portugal precisa urgentemente de voltar a convergir mais rapidamente com a UE, para tal precisa de investimento e de reformas que aumentem a concorrência interna – por outras palavras, precisa de voltar a fazer o que fez até final dos anos 90. Conseguirá fazê-lo?

Mas passemos à análise:

PIB per capita e convergência com a União Europeia (Tabela 1)

Fonte: Séries longas do Banco Mundial e cálculos próprios. PIB pc em preços correntes, USD.

Dos últimos 49 anos, o PIB per capita português passou de 55% da média europeia em 1974 para 66% no final de 2022. No entanto, se dividirmos este período em dois, vemos que até 1998 há uma convergência de 13 pontos percentuais, para 68%, e desde então até agora, uma ligeira divergência de dois pontos, para 66%.

Durante o mesmo período, Espanha, que começou de um ponto de partida bastante mais alto, sendo expectável uma convergência mais lenta, e que teve a sua transição democrática uns anos depois, convergiu apenas quatro pontos, passando de 74% em 1974, para 79% em 2022. Desde 1999 também divergiu, em cerca de seis pontos. Já os países da Europa central e os estados bálticos, que começaram de um ponto bastante mais baixo, tiveram a sua transição democrática depois de 1991, têm tido uma convergência bastante mais rápida e ainda sem sinais de parar, passando de 15% do PIB da UE em 1991, para perto de 50% em 2022.

PIB per capita, União Europeia =100 (Gráfico 1)

Fonte: Séries longas do Banco Mundial e cálculos próprios. PIB pc em preços correntes, USD.

Quando analisamos evolução do crescimento do PIB em termos reais ao longo do mesmo período, vemos genericamente o mesmo comportamento. Entre 1974 e 2022, o PIB real português cresceu tantos anos acima como abaixo da média europeia: 24 No entanto, verifica-se também uma diferença bastante assinalável desde 1999. Entre 1974 e 1998, mesmo com a turbulência do período revolucionário e os vários resgates do FMI, Portugal cresceu mais do que a UE na maioria dos anos (17). Já desde 1999, foram mais os anos em que cresceu menos (16) do que os que cresceu mais: 8 – sendo que destes, 6 foram nos últimos 7!

Crescimento do PIB (real) e diferencial do crescimento face à UE, em % (Gráfico 2)

Fonte: Banco Mundial, séries longas.

Mas, e quais as razões para esta mudança de comportamento? Portugal estava e está ainda bastante abaixo da média europeia, pelo teoricamente, estando na mesma área económica deveria ter continuado a convergir mais rapidamente. O que aconteceu nos últimos 25 anos?

Muito se tem publicado sobre isso, e normalmente são apontados vários fatores externos e internos. Mas comecemos por analisar, primeiro, precisamente o que aconteceu aos fatores que determinam o crescimento : trabalho, capital e produtividade (Gráfico 3).

Contributos para a variação do PIB, em % (Gráfico 3)

Fonte: Banco de Portugal

Desde 1998, depois de ter sido atingido o pleno emprego, o contributo do crescimento do emprego praticamente desapareceu entre 2000 e 2014, tendo até anos com um forte contributo negativo. Esse desaparecimento, em altura de pleno emprego devia ter sido substituído pelo capital, e pela produtividade, mas não foi. O capital também se reduziu, tendo desaparecido depois de 2005, e a produtividade passou para metade do que era a partir de 2000, e depois de 2005 desceu para zero.

Ou seja, Portugal deixou de crescer porque deixou de ser produtivo e de investir.

Nos últimos anos, desde 2014, fruto das reformas implementadas no período da troika que levaram a uma forte recuperação da produtividade, e também de uma forte recuperação do emprego, Portugal voltou a convergir. Ainda assim, como vimos em cima, esta convergência continua abaixo do necessário já que agora vai tendo cada vez mais países do Leste à sua frente. E para além disso, este crescimento pode ser pouco sustentável no médio prazo já que advém apenas do emprego, estando este a aproximar-se mais uma vez do pleno emprego, e desta vez com o contributo do capital a manter-se nulo o ou negativo, e sem capital não há crescimento no longo prazo.

Os motivos externos e estruturais tipicamente apontados e que justificam esta divergência e a redução do crescimento (e dos seus fatores) são os seguintes:

(I) A adesão ao euro, e todas as alterações que daí advieram, a começar por Portugal ter deixado de ter a taxa de cambio como instrumento de politica económica

(II) O facto de Portugal ser um país periférico, condição essa que se agudizou com o alargamento a leste e o consequente deslocamento do centro da UE também para leste.

(III) Adesão da China à Organização Mundial do Comércio e o Acordo Multifibras que vieram aumentar a concorrência internacional ás exportações do sector têxtil.

(IV) Um nível de educação historicamente baixo, algo que não se muda em poucos anos. O nível de educação é um problema, mas com como se tem visto, principalmente ao longo dos últimos 10 anos, mesmo melhorando o nível de educação, sem crescer acima dos seus concorrentes, Portugal não será capaz de manter a sua população jovem mais qualificada, que indo outros países, não contribuiu para o crescimento português.

Todos estes motivos são corretos e justificam as dificuldades da economia portuguesa. No entanto, não são intransponíveis. Outros países estão a conseguir ultrapassá-los melhor, e mesmo Portugal, conseguiu ultrapassar alguns deles nas décadas anteriores: Sempre foi um país periférico com baixo nível de educação, simplesmente foi-se reformando e adaptando, algo que deixou de fazer desde meados/final dos anos 90 e que só voltou a fazer durante o programa de ajustamento. Assim, falta apontar um fator, porventura o mais importante para o futuro:

(V) falta de reformas e de incentivos à concorrência e ao investimento

Como vimos, sem investimento não há capital e sem ele há menos crescimento não só no presente mas também no futuro, já que sem capital também há menos produtividade. E quando olhamos para os próximos anos, vemos que mesmo a contribuição do emprego tendera a ser cada vez menor, fruto não só de se atingir o pleno emprego mas também da redução da população espectável dado o envelhecimento e a eventual continuação da emigração (ainda que esta possa ser parcialmente compensada por alguma imigração).

Assim, Portugal precisa neste momento de investir para crescer e voltar a convergir como fez nos primeiros 25 anos da democracia. Se voltar ao D, de divergência, poderá por em causa não só o D de Desenvolvimento, mas até o próprio D de Democracia.

Como escrevi há uns meses, citando Sérgio Godinho só há liberdade a sério quando houver contas certas, o pão, habitação, saúde e educação.

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