Pensar nas cidades para pessoas: desafios e reflexões
O desafio da Habitação em Portugal e o pacote de medidas "Mais Habitação" são o mote do artigo de opinião de Ricardo Leão, Presidente da Câmara Municipal de Loures.
Assistimos, nas últimas décadas, à financeirização da habitação, entendida por um grande número de famílias como o maior ativo que têm e a que corresponde, geralmente, o maior investimento das suas vidas.
Não podemos esquecer o forte impacto das medidas de austeridade impostas no período da troika e dos pesados sacrifícios exigidos pelo governo de então, antecipando um 2012 “difícil para a classe média”, estrangulando a capacidade financeira dos portugueses com graves consequências no acesso à Habitação. Naturalmente que as limitações sentidas no mercado da propriedade transformam o mercado de arrendamento privado, agravando-o com a entrada em vigor da lei Cristas.
Verificando que a oferta de habitação é manifestamente menor do que a procura, ou não responde de todo às necessidades das pessoas, relembro que o melhor indicador sobre a recuperação deste tema na agenda nacional foi a criação da Secretaria de Estado da Habitação, em 2018, que durante anos não existiu. Desenvolveram-se importantes programas como a Estratégia Nacional para a Habitação”, de 2015, a “Nova Geração de Políticas da Habitação”, de 2018 (NGPH), o “1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação”, de 2018, a Lei de Bases da Habitação, de 2019 e o “Chave na Mão – Programa de Mobilidade Habitacional para a Coesão Territorial”, de 2019.
A Habitação é um dos maiores desafios que temos pela frente. Apresentado pelo Governo a 16 de fevereiro de 2023, o pacote de medidas “Mais Habitação” tem, neste momento, a proposta de lei em discussão. Estas medidas têm como objetivo minorar os efeitos de uma crise conjuntural que vivemos agora, fruto da inflação e do aumento das taxas de juro, e, embora se possa questionar a eficácia de algumas das propostas, o maior mérito do “Mais Habitação” é a ampla discussão que tem sido promovida em torno de um dos mais elementares direitos das pessoas que é, também, um imperativo constitucional: habitação digna e com qualidade.
Vivemos uma crise global de acesso à habitação mais focada nas cidades, fruto da pressão do investimento estrangeiro e do turismo, que vieram adensar as dificuldades já sentidas. Continua a ser penalizadora para a classe média que, se, por um lado, é constituída por pessoas com um rendimento que dispensa o apoio público de âmbito social, por outro confrontam-se com sérias dificuldades em cumprir os valores exigidos pelo mercado imobiliário.
Enquanto autarca, pude dar o meu contributo para o “Mais Habitação”, refletindo de uma forma sistémica sobre o potencial impacto deste plano de intervenção na vida dos portugueses e dos lourenses, em particular, e como pode afetar a sustentabilidade das autarquias, sobretudo se estivermos atentos às alterações anunciadas no âmbito dos benefícios fiscais que incidem, maioritariamente, sobre as receitas municipais.
Desde já, reconhece-se o mérito de algumas das medidas tentarem a regulação do mercado, nomeadamente com o limite nas rendas de novos contratos e o apoio ao pagamento de créditos hipotecários, a possibilidade de os condomínios se manifestarem contra os alojamentos locais, o arrendamento coercivo de casas devolutas e o fim dos vistos gold, embora se mantenham benefícios fiscais para alguns grupos estrangeiros.
Porém, antevê-se dificuldades na aplicação e eficácia de outras das medidas, nomeadamente a sua operacionalização. Adivinha-se uma sobreposição de responsabilidades em matéria de políticas de habitação entre o Estado Central e as autarquias.
Convido o Governo a rever o conjunto das regras que regulam a ocupação, uso e transformação do solo, alterando a classificação dos solos com classificação agrícola, sem que sejam cultivados há décadas, para solos urbanos. Estou certo de que esta revisitação ao regime de uso do solo permitiria que muitos jovens se pudessem fixar em Loures, aumentando a capacidade habitacional e promovendo o desenvolvimento territorial.
A Habitação é uma necessidade para a qual os portugueses pedem respostas. Independentemente da opção legislativa que venha a ser definida pela administração central, no município de Loures estamos comprometidos com soluções, sobretudo as que beneficiem os jovens e que colaborem com a classe média. Por esse motivo, criámos a Estratégia Municipal de Habitação e temos em curso o Apoio à Habitação Jovem do município de Loures, dirigido aos jovens entre os 28 e os 35 anos, destinado a habitação própria permanente no mercado livre (arrendamento ou aquisição). Com 221 candidaturas aprovadas do conjunto de 254 candidaturas recebidas, este apoio reúne uma previsão total em cerca de 400 mil euros para 2023.
Não são de pedras estas casas, mas de mãos, evocando Manuel Alegre e a nossa capacidade para transformar, concluindo com a necessidade de parcerias entre o setor público e os investidores privados na promoção de mais habitação.
Ricardo Leão, Presidente da Câmara Municipal de Loures
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