Conferência APS confirmou importância de cobrir trotinetes
Agentes do setor da micromobilidade reclamam mais seguros e fiscalização para lidar com “efeitos económicos e sociais” associados ao aumento de acidentes com lesões. Conferência da APS confirma alarme
Punhos partidos, bacias desfeitas, joelhos inutilizados e paralisia facial são algumas das lesões que o uso de trotinetes e outros veículos de mobilidade leve tem feito aumentar nos registos do Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica (CRIPO) do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. A tendência foi analisada pelo diretor desse serviço, João Varandas Fernandes, na conferência que a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) promoveu quarta-feira em Aveiro sobre o tema específico da “Micromobilidade Segura” e justifica a perspetiva de que é preciso antecipar o crescimento de sinistros envolvendo bicicletas, trotinetes, patins e skates. “Estes veículos provocam lesões gravíssimas que a tabela de incapacidade ainda nem prevê. Geram incapacidade para o trabalho ativo, o que representa uma carga económica e social brutal na sociedade”, defendeu o médico.
José Galamba Oliveira, presidente da APS, já antecipava essas recomendações e, na sua análise sobre as mudanças operadas na mobilidade mundial durante os últimos 20 anos, aplicou o mesmo adjetivo que João Varandas Fernandes: “A evolução é brutal. Hoje os meios de mobilidade suave convivem nas cidades, no asfalto, com veículos mais pesados e, nos passeios, também com peões, o que traz várias novidades em termos de risco para o setor das seguradoras e daí querermos construir novas modalidades de proteção para o utilizador”.
Estudos apresentados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) comprovam o aumento de acidentes, mas o presidente dessa instituição disse que “não vale a pena pensar em esquecer o uso das trotinetes ou proibi-las”.
Para Rui Ribeiro, a mobilidade suave veio para ficar e diminuir a sinistralidade nesse domínio passa por recolher mais dados estatísticos sobre usos e comportamentos, para que os agentes do setor possam ajustar práticas, regulamentação e fiscalização à realidade.
“Quase 74% dos acidentes não são participados e bombeiros, hospitais e INEM têm mais dados do que a ANSR, o que é um problema”, afirmou. Mesmo assim, o presidente da ANSR deu como certo “o grande desconhecimento” sobre as obrigações a que os veículos de micromobilidade estão sujeitos e realçou: “o Código da Estrada é para cumprir. O contrário dá direito a multas, coimas, perdas de pontos na carta e até a crime no caso do consumo de álcool, mas as pessoas não têm consciência disso quando andam em cima do passeio ou passam um sinal vermelho”.
Ana Miranda, diretora do Gabinete Jurídico da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), concordou que “a maior parte das pessoas não tem consciência das regras aplicáveis pelo Código da Estrada” ao uso de trotinetes e similares, e, nessa medida, defendeu a necessidade tanto de regulamentação mais rigorosa como da devida divulgação pelo público. Algumas das suas recomendações para os veículos de micromobilidade são que a respetiva velocidade fique limitada aos “20 a 25 quilómetros por hora”, que a circulação seja proibida “em vias com grande intensidade de trânsito”, que se interdite o “estacionamento fora de espaços assinalados” e que se mantenha “a obrigatoriedade do seguro de acidentes pessoais e de responsabilidade civil”.
Essa proteção pode, contudo, ser difícil de obter, como revelou o diretor de Micromobilidade da Bolt Portugal, operadora de sistemas partilhados que está representada em 15 cidades do país e cuja frota acumulou mais de 22 milhões de quilómetros nos últimos 18 meses. “Não foi fácil”, admitiu Frederico Venâncio, sobre os esforços da marca em convencer uma seguradora a garantir proteção aos seus utentes. Mas uma vez assegurada a cobertura da Allianz, a aposta é agora na responsabilização do próprio utilizador e, nesse contexto, o responsável da Bolt apontou novas mecanismos para garantir que quem não cumprir as regras de conduta da marca deixará de poder usar os seus veículos. Isso implica a gestão de um ranking semanal de infratores que enumera, por exemplo, os que mais desrespeitam as velocidades máximas, os que mais inclinam veículos para conduzir apenas sobre uma roda e os que mais falham nos testes cognitivos para deteção de embriaguez. “Mas também é muito importante não esquecer os utilizadores de trotinetes e bicicletas privados, porque nós conseguimos controlar velocidade, estacionamento e outros fatores que influem no risco, mas nos utentes particulares isso não acontece e aí tem que haver regulamentação para se assegurar a segurança de todos”, afirmou.
Para José Ribau Esteves, presidente da Câmara Municipal de Aveiro, onde há 25 anos foi implementado “o primeiro sistema partilhado de bicicletas do país”, o que está em causa, em síntese, é cultura cívica. “Há adolescentes que, aos 12 e 13 anos, andam de trotinete, mas que os papás continuam a levar de carro à porta da escola. Temos a mania de que temos as gerações mais bem preparadas do país e isso é verdade em termos técnicos, mas não em termos de civismo”, declarou. Nessa visão do autarca influem os níveis “absolutamente aterradores” da mortalidade viária nacional, em especial os relativos a atropelamentos, nos quais, “em regra, a culpa não é dos automobilistas e sim dos peões”. Por isso mesmo, Ribau Esteves encerrou a conferência da APS salientando que “a responsabilização individual tem que vir da família, da escola e do discurso público” e concluiu: “as regras são para respeitar mesmo que a malta nova ache muita graça a não as cumprir”.
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