Instabilidade no ministério das Infraestruturas “não ajuda”, diz coordenadora da comissão do novo aeroporto

A coordenadora-geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto diz que a falta de apoio jurídico para a contratação de equipas põe em causa a entrega das conclusões até ao final do ano.

A coordenadora-geral da Comissão Técnica Independente (CTI) diz que sem o apoio jurídico necessário para avançar com a contratação das equipas não é possível arrancar com os estudos aprofundados para escolher a melhor opção para o reforço da capacidade aeroportuária. Sem uma solução até ao fim do mês, “muito dificilmente” será possível entregar as conclusões até o final do ano, o prazo dado pelo Governo, afirma Rosário Partidário.

A CTI iniciou os trabalhos com Pedro Nuno Santos como ministro das Infraestruturas e esta semana o seu sucessor, João Galamba, apresentou a demissão, rejeitada pelo primeiro-ministro. A professora de Planeamento, Urbanismo e Ambiente do Instituto Superior Técnico assume que a instabilidade na tutela “não ajuda” e tem sido um dos principais desafios que tem enfrentado na tarefa que assumiu em novembro.

“Julguei que ia ser pressionada. Não fui pressionada de maneira nenhuma”, diz Rosário Partidário, com satisfação. Mas confessa o receio de que depois deste trabalho todo de estudo técnico, a decisão política acabe por seguir outros critérios.

Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto de Lisboa, em entrevista ao ECO - 02MAI23
Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto de Lisboa, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

A Comissão continua sem ter conseguido contratar as equipas para os estudos que são necessários?

Nós temos vindo, desde dezembro, a dizer que precisamos de fazer a contratualização e não tem sido fácil, porque temos que recorrer ao código dos contratos públicos e não temos tido apoio jurídico suficiente. Temos tido algum acompanhamento jurídico, mas não o apoio jurídico para nos ajudar a encontrar a melhor solução.

Relativamente à forma de fazer esses contratos?

Relativamente a soluções que viabilizem os contratos de forma a que estejam dentro do quadro legal, mas que não pode estar sujeita aos tempos que os contratos públicos levam. Inicialmente foi-nos dito que havia uma instituição nacional que poderia dar esse apoio ao LNEC, a JurisApp. Só que a JurisApp não é uma instituição de apoio jurídico, é uma instituição de verificação jurídica o que é diferente e importante neste aspeto.

Precisavam então de um serviço externo de apoio jurídico?

Precisávamos de ter um apoio jurídico, como qualquer instituição, para podermos, nomeadamente, preparar esses contratos. Nós perdemos imenso tempo com este tema e não se justifica. Esse tempo podia estar a ser usado para fazer outro tipo de trabalho.

A ausência desses desses contratos é que não permite avançar, por exemplo, com estudos relativamente a melhorias de curto prazo na resposta aeroportuária.

Esse e outros. Por exemplo, já não é a primeira nem a segunda vez que comentam que nós não abordámos os custos. Pois não, justamente porque não queremos abordar custos pela rama. Queremos abordar custos, mas com uma solidez grande ao nível dos custos que estamos a analisar e incluindo externalidades, quer ao nível das áreas naturais, quer ao nível da saúde humana.

Queremos fazer as coisas como deve ser. Quem diz isso diz os estudos de procura. Nós só fizemos estudos de procura agregados, agora temos de fazer estudos desagregados. Isso precisa de ser feito por equipas especializadas. Não é cada um de nós individualmente que vai ter capacidade para o fazer.

Se recordo bem, já referiu que essa contratação tinha que acontecer, no limite, entre abril e maio para que o relatório possa ser entregue no final do ano.

Neste momento já temos de fazer aqui muitos ajustamentos para conseguir cumprir com o final do ano. Um dos estudos de que estamos à espera, na área da procura, foi-nos dado dez semanas para o fazer. Isso estudo está na base de outros que têm de ser feitos a seguir. O tempo não é elástico.

É possível [cumprir o prazo], com grande esforço da nossa parte. E não tenho a certeza. Enquanto eu não tiver as equipas, não consigo dialogar com elas para ver se conseguem cortar esses prazos. (…) Se não tiver as equipas até ao final do mês de maio muito dificilmente se cumpre o prazo.

Neste momento diria que é possível cumprir o prazo?

É possível, com grande esforço da nossa parte. E não tenho a certeza. Enquanto eu não tiver as equipas, não consigo dialogar com elas para ver se conseguem cortar esses prazos. Este é um exemplo. Há outros.

Se não tiver equipas e até ao final do mês dificilmente se cumpre a entrega do relatório até ao final do ano.

Se não tiver as equipas até ao final do mês de maio muito dificilmente se cumpre o prazo.

Já fez saber isso à tutela?

Desde janeiro. O tempo vai passando e vai-se sempre assumindo que a gente estica. É evidente que algumas coisas tivemos de ser nós próprios a fazer, como o que foi feito agora. Podiam ter sido feitos estudos mais aprofundados, que não o foram porque não tínhamos recursos. Não quer dizer que sejam três meses de atraso.

Tenho no final da minha calendarização três meses que eram gastos em consultas públicas, em revisões pela comissão de acompanhamento, etc… Tudo isso se calhar tem que ser gerido para eu poder ganhar algum tempo e poder continuar a cumprir com o final do ano.

O anterior ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, com quem este processo foi desencadeado já saiu do Governo. João Galamba, que tinha sido empossado apenas há quatro meses apresentou esta semana a demissão, que foi rejeitada pelo primeiro-ministro. Esta instabilidade no ministério imagino que não ajude ao trabalho da comissão.

Não, não ajuda. Nós somos uma comissão independente, mas não temos autonomia financeira, dependemos do LNEC [Laboratório Nacional de Engenharia Civil]. É o LNEC que tem a responsabilidade pela formalização de tudo o que diz respeito a orçamentos, verbas, contratos, etc. E o LNEC depende do ministério.

Nós só temos de executar o trabalho. O Governo tem de assegurar a disponibilidade financeira ao LNEC, o que só aconteceu há 15 dias ou três semanas. São 2,3 milhões de um total de 2,5.

[Instabilidade no Ministério das Infraestruturas] não ajuda. Nós somos uma comissão independente, mas não temos autonomia financeira, dependemos do LNEC. E O LNEC depende do ministério.

Essa verba é suficiente?

Estes 2,5 milhões era o orçamento que estava disponível para o concurso que o IMT desencadeou o ano passado. Só que era esse valor mais IVA e por enquanto ainda não nos deram o IVA. Mas isso é alo que certamente nós vamos conseguir ir buscar, porque claro que nas contratações vamos ter de pagar IVA. Com isso penso que sim, chega para aquilo que temos de fazer.

Tem receio que depois deste trabalho todo de estudo técnico, a decisão política acabe por seguir outros critérios?

Tenho. Não vou dizer que não. Eu sei que nós estamos a fazer trabalhos de natureza técnica e que a decisão é política.

Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto de Lisboa, em entrevista ao ECO - 02MAI23
Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto de Lisboa, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Convive bem com isso?

Faz parte do meu dia-a-dia. Todas as avaliações estratégicas em que tenho trabalhado, nem todas veem a luz do dia. Nós fazemos o melhor que podemos, damos os melhores conselhos que pudermos, as melhores recomendações. Fazemos o estudo de uma maneira holística, ampla, queimando etapas, para deixar as coisas muito claras e claras.

Há uma questão logo à cabeça que é muito importante: nós estamos a apontar para uma solução que, no nosso entender, é positiva do ponto de vista nacional e que vai permitir Portugal expandir-se. Mas há muitas opiniões que acham que Portugal é tão pequenino e tão medíocre que nunca vai conseguir se expandir. São duas posições totalmente opostas. Depois onde é que os políticos se posicionam? Numa ou noutra?

Qual é que tem sido o maior desafio desta tarefa?

As contratualização de contratos públicos (risos), a dependência do LNEC com suas restrições e condicionantes. O resto faz parte.

E a maior satisfação?

A equipa com que estamos a trabalhar, da comissão técnica independente, O presidente da Comissão de Acompanhamento [Carlos Mineiro Alves], que tem sido inestimável no apoio. E o reconhecimento da nossa natureza independente. Isso para mim tem sido uma grata satisfação. Eu julguei que ia ser pressionada. Não fui pressionada de maneira nenhuma.

Acha que essas pressões podem chegar mais tarde, numa fase posterior?

Pode ser. Mas como nós já estabelecemos um padrão de como funcionamos, porventura isso já foi aceite. Porque se não fosse aceite já tinha havido pressões e, portanto, também não há muito para esconder de como funcionamos. Isso está claro. E lá está, eles sabem perfeitamente que a última decisão é deles, portanto.

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