“Não há uma fórmula” de cálculo para os 55 milhões pagos a Neeleman para sair da TAP, explica João Leão
João Leão afirmou na comissão parlamentar de inquérito que o valor pago a David Neeleman não resultou de uma avaliação financeira, mas apenas da negociação bilateral.
João Leão, ex-ministro das Finanças, afirmou esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito à TAP que os 55 milhões pagos a David Neeleman não resultam de uma fórmula, mas apenas da negociação bilateral. O antigo acionista privado da companhia aérea começou por pedir mais de 200 milhões de euros, revelou.
Com a pandemia e a frágil situação da companhia aérea, o Governo avançou em junho de 2020 com um empréstimo de emergência convertível em capital, que mereceu a rejeição do então acionista privado da TAP. O que levou o Executivo a avançar para compra da sua participação, de 22,5%, pagando 55 milhões de euros. Como se chega a esse valor, tem sido uma das questões mais colocadas na comissão de inquérito e na audição de João Leão não foi diferente.
“Não há uma fórmula em que se chegue a um valor. O acionista privado começou a exigir valores na ordem dos 200 milhões de euros e queria melhor proteção para os 90 milhões de euros em obrigações”, subscritos pela companhia aérea brasileira Azul, respondeu o antigo ministro das Finanças.
“Não há nenhuma avaliação financeira”, reconheceu, acrescentando que o valor resultou de “uma negociação bilateral”, conduzida pelos advogados e acompanhada pelo Governo, que tomou a decisão final. “Há uma negociação em que as partes se foram aproximando. Estado conseguiu pagar apenas uma fração do que era exigido”, defendeu o atual vice-reitor do ISCTE.
João Leão explicou que havia um referencial máximo que David Neeleman podia exigir em tribunal: os 224 milhões de euros em prestações acessórias colocados pela Atlantic Gateway na TAP, que tiveram origem nos fundos Airbus.
Quando o primeiro Governo de António Costa optou por recuperar 50% do capital da TAP e, 2017, revertendo parte da participação vendida à Atlantic Gateway pelo anterior Executivo em 2015, assinou um acordo parassocial que dava aos acionistas privados a possibilidade de recuperarem o capital que injetaram em caso de incumprimento do Estado, nomeadamente numa nacionalização.
João Leão juntou ainda outros aspetos que foram valorizados pelo Governo no acordo, nomeadamente evitar uma nacionalização forçada da companhia aérea.
“Portugal ia entrar num processo exigente de negociar um plano de reestruturação. Ir para a negociação em litígio com o principal acionista, num contexto de nacionalização forçada, fragilizaria Portugal” junto da Comissão Financeira, defendeu João Leão. Além disso, evitar uma nacionalização forçada tinha também “um valor para a confiança dos investidores privados” em Portugal. Ou seja, “havia um risco reputacional”.
Ainda assim, essa possibilidade foi um trunfo que o Governo jogou até ao fim. “Foi só sob a ameaça de uma nacionalização forçada que se conseguiu chegar a um valor mais baixo”, revelou João Leão.
A Atlantic Gateway pagou 10 milhões por 61% da TAP na privatização de 2015. De acordo com o novo acordo parassocial tinha ainda direito a receber este valor acrescido de 20%, no caso de uma renacionalização, explicou. O Governo não aceitou a exigência de David Neeleman de que o empréstimo obrigacionista de 90 milhões à Azul fosse reembolsado.
TAP vai ficar melhor capitalizada do que o previsto no plano de reestruturação
O ex-ministro das Finanças sublinhou a sua confiança de que a companhia aérea ficará com capitais próprios robustos após o plano de reestruturação. “Estou convencido que a TAP ficará bem capitalizada, porque o plano de reestruturação está a correr melhor do que era esperado”, afirmou.
“A TAP está a conseguir resultados positivos mais cedo e isso permitirá capitalizar a TAP ainda mais. Vai ficar melhor capitalizada do que estava previsto no plano de reestruturação”, acrescentou.
“Sabia-se que [a companhia aérea] era uma empresa com capitais próprias frágeis e estava bastante endividada. Foi claro desde o início que a TAP seria considerada uma empresa em dificuldades e que qualquer auxílio de emergência iria obrigar a um plano de reestruturação“, apontou.
O antigo governante recusou também que a TAP tenha sido sobrecapitalizada. “A TAP não pode receber apoios nos próximos dez anos. É importante que seja capitalizada com margem de segurança” para fazer face a “problemas económicos no futuro”, sublinhou. Faltam ainda entrar cerca de 680 milhões dos 3,2 mil milhões já aprovados. “Os valores colocados na TAP serão recuperados na venda a um acionista privado”, garantiu.
O ex-ministro garantiu que o plano de reestruturação, que vai até 2025, não impõe a venda da companhia aérea: “Não seria bom haver uma obrigação de privatização. Teríamos um deadline para a privatização e isso não era bom para a operação”.
João Leão foi ministro das Finanças entre 15 de junho de 2020 e 30 de março de 2022, entrando para o cargo logo após a aprovação de um empréstimo de emergência de 1,2 mil milhões, convertível em capital, para a TAP. Foi também já com o antigo secretário de Estado do Orçamento de Mário Centeno à frente do ministério que foi fechada a renacionalização da TAP, com o Estado a elevar a participação para 72,5% do capital com a compra da participação de David Neeleman, e foi concluída a negociação do plano de reestruturação da companhia aérea. Economista, é atualmente vice-reitor do ISCTE.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se até 23 de julho.
(notícia atualizada às 21h50)
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