Fundos Airbus e Brasil. Ex-CEO Fernando Pinto defende negócios polémicos na TAP

antigo CEO da TAP rejeita que a companhia aérea tenha sido lesada na compra de 53 aviões à Airbus. Aquisição da Varig Manutenção & Engenharia ajudou a reforçar negócio no Brasil.

Fernando Pinto, que foi presidente da TAP entre 2000 e 2018, rejeita que a companhia aérea tenha pago “valores acima do mercado” pelos 53 aviões encomendados à Airbus. Defende também a aquisição da atividade de Manutenção & Engenharia da Varig no Brasil, que deixaria um buraco de mil milhões na companhia aérea portuguesa. A Geocapital, gerida por Diogo Lacerda Machado, que esteve envolvida no negócio, recebeu um prémio 20%, garante.

A Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, assumiu na compra de 61% da TAP em 2015 o compromisso de capitalizar a companhia aérea com 226,75 milhões de dólares. Dinheiro que foi entregue ao empresário de nacionalidade brasileira e americana pela Airbus, no âmbito da desistência de um contrato para a compra de 12 aviões A350 e a aquisição de 53 aeronaves da família A320 e A330.

Uma auditoria pedida pela TAP à Airborne Capital, em 2022, conclui que a companhia estará a pagar mais 254 milhões do que a concorrência e uma análise jurídica da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados, considera mesmo que a capitalização terá sido ilegal. Quer a auditoria quer a análise jurídica foram enviadas pelo Governo ao Ministério Público, que abriu um inquérito.

Fernando Pinto defende o negócio.Não vislumbro qualquer motivo para agora se sustentar que os valores pagos foram acima do preço de mercado”, escreve na resposta aos deputados, que enviaram mais de 100 perguntas, em dois ofícios.

“Foram realizadas avaliações pela Ascend, Avitas e Comercial Aviation Services (três das mais conceituadas empresas neste tipo de trabalhos). Todas essas avaliações apresentam valores superiores ao que foram negociados com a Airbus“, argumenta. “Não tenho conhecimento de qualquer pressão. Tanto quanto sei, as avaliações foram realizadas com independência e seguindo os critérios técnicos adequados ao setor”, diz.

A auditoria da Airborne Capital conclui também que a TAP poderá ter sido lesada em até 190 milhões de euros ao ceder a posição para a compra de 12 A350. “Não concordo que tenha lesado a TAP. Quando comprámos os A350 foi em condições de mercado excecionais (preço baixo), mas ao longo do tempo a especificação do avião foi mudando e o novo modelo passou a não ser tão interessante para a TAP”, argumenta Fernando Pinto.

A Airbus tinha interesse em ficar com os A350 para outros clientes e, portanto, interessou-se em fazer a troca dos modelos e até em injetar algum dinheiro adicional na TAP atendendo não só a essa troca, mas também às novas encomendas dos restantes modelos de aviões”, afirma o antigo CEO, justificando os 227 milhões de dólares entregues pelo fabricante europeu a Neeleman para colocar na companhia aérea.

A estratégia principal visava renovar a nossa frota envelhecida e entrar no grupo das empresas com aviões mais eficientes. Entendo que os novos modelos adquiridos estão a ajudar hoje a empresa na sua recuperação.

Fernando Pinto

Ex-CEO da TAP

Fernando Pinto diz que teve conhecimento do negócio com a Airbus e entende que “a operação (nas suas diferentes componentes) foi muito benéfica para a atividade da TAP e em preços competitivos à época“. “A estratégia principal visava renovar a nossa frota envelhecida e entrar no grupo das empresas com aviões mais eficientes, especialmente ao nível do consumo de combustível e das emissões de carbono. Entendo que os novos modelos adquiridos estão a ajudar hoje a empresa na sua recuperação“, acrescenta.

O antigo gestor diz que o tema “foi debatido com a nossa tutela, com a Parpública e a Secretaria de Estado do Tesouro, à qual reportámos toda a informação que tínhamos sobre a matéria”.

Negócio no Brasil feito com “boa-fé” e “informação disponível”

A compra da Varig Manutenção & Engenharia (VEM) deixou um buraco de cerca de mil milhões de euros na TAP e está em fase final de liquidação. A decisão de investir no Brasil foi impulsionada por Fernando Pinto, que liderara a Varig antes de ir para a companhia portuguesa.

Todos os atos da equipa de gestão da TAP quanto a esta matéria foram tornados de boa-fé e de acordo com a informação disponível em cada momento, procurando também atender ao interesse geral da empresa”, escreve na resposta aos deputados.

O negócio seria alvo de um inquérito do Ministério Público, que acabaria por ser arquivado, e o antigo gestor da TAP recorda-o. “Concluiu o Ministério Público que não foram praticados atos de gestão vioładores de normas de controlo ou regras económicas de gestão racional e que a administração da empresa atuou com transparência”, escreve.

Apesar do prejuízo acumulado, Fernando Pinto defende o negócio. “Neste contexto, aos olhos da época, entendo que foi uma boa opção para a TAP. À época, o negócio da manutenção era dos melhores negócios que existia numa empresa aérea. Além disso, a TAP não tinha capacidade de maior crescimento porque o aeroporto de Lisboa não permitia aumentar a área de manutenção. A VEM era uma empresa de manutenção já operacional inserida no maior mercado de transporte aéreo fora da Europa e dos Estados Unidos da América”, argumenta.

A compra também “ajudou a ter um posicionamento relevante no mercado brasileiro e da América do Sul, conseguindo ter mais força para negociar os slots deste mercado que eram muito complicados de obter. Conseguimos um crescimento muito grande neste mercado e que hoje é fulcral para a empresa”, aduz.

Ajudou a ter um posicionamento relevante no mercado brasileiro e da América do Sul, conseguindo ter mais força para negociar os slots deste mercado que eram muito complicados de obter.

Fernando Pinto

Ex-CEO da TAP

A ideia inicial de Fernando Pinto era a aquisição da própria Varig, que não se concretizou. ” Após o colapso da Varig, a TAP ficou praticamente sozinha no mercado e obteve da parte das autoridades brasileiras um tratamento favorável, podendo alargar o número de rotas e o número de frequências, facto que não ocorreu com mais nenhuma transportadora europeia. E isto foi também consequência de a TAP ser vista no Brasil como uma investidora, uma empregadora e uma contribuinte fiscal”, reitera.

Quando deixou a gestão da TAP, o buraco acumulado da VEM (rebatizada para M&E Brasil) era de 538 milhões. Fernando Pinto diz que “houve várias tentativas de venda, mas que não tiveram sucesso”.

O prejuízo para a companhia aérea portuguesa resultou de contingências laborais e fiscais herdadas de quando a empresa ainda era da Varig. Segundo Fernando Pinto apurou, estas eram de 38 milhões de reais e de 8 milhões de reais, respetivamente, quando a VEM foi adquirida em 2007. Já as “contingências possíveis e remotas não registadas no balanço patrimonial totalizavam 43 milhões em contingências trabalhistas e 384 milhões em contingências tributárias”, esclarece.

Os responsáveis governamentais à época foram sempre informados dos aspetos fundamentais deste negócio e obtiveram prévio conhecimento das condições em que a administração da TAP SGPS tencionava adquirir a VEM, não se tendo oposto à realização do negócio.

Fernando Pinto

Ex-CEO da TAP

Fernando Pinto garante que o Governo de então, liderado por José Sócrates, estava a par do negócio e não se opôs. “Tal como também concluiu o Ministério Público, os responsáveis governamentais à época foram sempre informados dos aspetos fundamentais deste negócio e obtiveram prévio conhecimento das condições em que a administração da TAP SGPS tencionava adquirir a VEM, não se tendo oposto à realização do negócio e dando o seu apoio à estratégia delineada pela TAP SGPS. O mesmo sucedendo com a Parpública”, responde. “Houve sempre total transparência por parte da administração da TAP nas relações com a sua tutela”.

O negócio de compra da VEM foi intermediado pela Geocapital, de que era gestor Diogo Lacerda Machado, amigo do primeiro-ministro e mais tarde administrador não executivo da TAP. Na sua audição na comissão parlamentar de inquérito, defendeu que a compra do negócio de manutenção do Brasil foi o “melhor investimento da TAP em 50 anos”. Rejeitou também que a Geocapital tenha recebido qualquer prémio, mas apenas os juros que lhe eram devidos.

Fernando Pinto responde aos deputados que o prémio existiu: “Confirmo que a TAP cumpriu o contrato que celebrou com a Geocapital, incluindo o prémio de 20%“. O prémio representava 20% dos valores aportados pela Geocapital, cerca de 4 milhões de dólares.

O antigo gestor garante também que o negócio da VEM foi analisado por “reputadas entidades externas” antes da aquisição e as contas alvo de uma “auditoria permanente e independente por parte da PwC. Além disso, também se realizavam auditorias internas no âmbito da TAP e foi contratada uma consultora internacional especializada nesta área para analisar a viabilidade da empresa.

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