Tabelas de IRS mudam este sábado, mas continua-se a reter mais imposto do que o devido

Retenção na fonte de IRS vai agora seguir lógica marginal, mas na maior parte dos casos existe ainda adiantamento em excesso. Ainda vai haver lugar a reembolsos, mas vão ser mais pequenos.

A partir de sábado, 1 de julho, entram em vigor as novas tabelas de retenção na fonte de IRS, que seguem um novo modelo numa lógica de taxa marginal. Há uma maior aproximação do valor retido ao que é efetivamente devido, mas, na maioria dos casos, os contribuintes vão continuar a “antecipar” mais ao Estado do que terão de pagar no final, o que é propositado, salientam os fiscalistas ouvidos pelo ECO. Ou seja, ainda que menores, vão continuar a existir reembolsos no acerto feito no ano seguinte.

“Este é um passo no sentido do valor mensal a adiantar ao Estado ter uma diferença menor para o final, mas ainda vai dar origem a reembolsos”, aponta o fiscalista Luís Leon. Vão é ser mais pequenos, ressalva, já que os valores retidos são agora mais próximos daquilo que vai emergir do ajuste de contas.

Sandra Aguiar, Associate Partner da KPMG, também salienta ao ECO que “o IRS retido ao longo do ano e o devido a final ficarão muito próximos, mas mantêm-se, ainda assim, variáveis que poderão ter impacto no IRS final devido, tais como, por exemplo, a existência de outros rendimentos, incluindo os que não tenham sido sujeitos a retenção na fonte ao longo do ano (algumas rendas, por exemplo) ou a dedução de algumas despesas (despesas de saúde, de educação, renda de casa, etc.)”.

As taxas que vão vigorar a partir de julho seguem “uma lógica de taxa marginal, que é efetuada através da conjugação da aplicação de uma taxa sobre o rendimento mensal com a dedução de uma parcela a abater, à semelhança do que acontece na liquidação anual do imposto”, explicou o Ministério das Finanças quando anunciou esta decisão.

Jaime Esteves, advogado na área da fiscalidade e fundador da J+Legal, explica que as retenções vão ficar mais próximas do valor final, mas tal pode variar por duas razões. “Uma é estrutural: o facto de que, ainda que mais próximo da tributação final, as tabelas estão empoladas face o que é expectável que seja a tributação”, indica. Assim, “haverá por essa via excesso de retenção que dará lugar a reembolso”, acrescenta.

Depois, há também uma diferença que surge do facto de assumirem que a remuneração será 14 vezes durante o ano. Desta forma, se, por exemplo, um trabalhador entra em julho e não esteve empregado até então, “a retenção está a assumir que a remuneração será paga 14 meses e há um excesso”, explica.

Existem outras situações. Por exemplo, “se durante o mês forem pagas remunerações variáveis, em cima da remuneração mensal, a tabela também assume que são montantes replicáveis durante outros meses e aumenta a taxa de retenção”. No geral, as “retenções tendem a ser excessivas porque já estão preparadas assim e porque a variação das circunstâncias leva a que haja reforço”, nota.

Sandra Aguiar destaca ainda “variações que as novas tabelas não conseguem acautelar, tais como, por exemplo, situações de tributação conjunta em que os dois elementos do casal obtenham rendimentos de valores díspares”, sendo que “a retenção na fonte que incide sobre o salário do elemento que ganha mais continuará a ser bastante superior ao IRS final devido, o que continuará a dar lugar a um reembolso mais relevante no final do ano”.

Luís Leon salienta que isto acontece porque “continuamos a olhar para o rendimento mensal”, pelo que sempre que há “situações de contribuintes cujo rendimento não é igual ao longo do ano”, como trabalho noturno, suplementar, subsídios por trabalho ao fim de semana, “não há acerto na taxa final”.

O fiscalista sinaliza que a única forma de isto não acontecer é implementar um sistema como o de Espanha, que não tem as taxas mensais e adota uma lógica anual. “O processamento é o cálculo por pessoa com rendimento anual e, sempre que há oscilações, corrige-se e altera-se para frente”, exemplifica, notando que esta uma forma de “não ligarem ao rendimento do mês e ser por ano”.

Estado recebe menos IRS antecipadamente. Mudança agora “não foi inocente”

Como estas novas tabelas reduzem o montante retido aos trabalhadores em Portugal, ao aproximar o valor daquele que efetivamente deve ser pago, o Estado vai receber menos imposto antecipadamente. No final, o valor continua a ser o mesmo, mas os timings da entrada do dinheiro nos cofres do Estado são diferentes em termos orçamentais. A altura desta mudança “não é inocente”, diz Luís Leon.

Jaime Esteves aponta que a receita fiscal fica a mesma com as mudanças na retenção, “porque aquilo a que o Estado tem direito é o valor de IRS calculado no final”, ou seja, os montantes obtidos depois do ajuste de contas, que não vão mudar. Mesmo assim, a “antecipação ou até empréstimo que depois tem de ser reembolsado” é menor, concede.

Luís Leon também aponta que “não há nenhuma diferença, há uma transferência de receita” no tempo. Isto porque o “Estado contabiliza a receita em pagamento de caixa”, pelo que o reembolso é contabilizado no ano em que é pago, numa “linha contínua”, e conta o valor final. Já no Orçamento do Estado o caso é diferente. Aí “tem impacto orçamental, porque há menos receita no momento da retenção”, indica.

Para o fiscalista, “não é inocente o facto de Portugal ter decidido mudar o sistema este ano e também no segundo semestre do ano, porque a receita está-se a comportar duma forma acima do orçamentado”, afiança. Havia, face ao orçamentado, “mais receita e, portanto, é possível esta redução“, salienta.

Este ano, a receita fiscal tem sido elevada, o que o Governo justifica com o dinamismo do mercado de trabalho, num contexto de inflação e também de aumento de salários (à boleia inclusivamente do salário mínimo nacional). Até abril, a receita fiscal atingiu 15.625,5 milhões de euros, de acordo com a execução orçamental, dos quais 5.303,1 milhões correspondem ao IRS.

Agora, “com a redução generalizada dos descontos mensais (com exceção dos últimos escalões), espera-se que receita a ser arrecada neste segundo semestre de 2023 seja menor que a do período homologo de 2022, com eventual impacto na execução orçamental para este ano”, indica Sandra Aguiar. “Essa redução terá, contudo, um efeito positivo na diminuição dos reembolsos de IRS a serem pagos em 2024, após o período de entrega das declarações de IRS”, ressalva.

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