Investimento sustentável cresce na exigência

  • Ana Gomes
  • 26 Julho 2023

As preocupações pelas questões ambientais, sociais e de governação já não são meramente de nicho. São questões que preocupam cada vez mais investidores e consumidores e as empresas.

O interesse pelas questões da sustentabilidade não é novo e ultrapassa já as fileiras dos governos, das instituições supranacionais, dos reguladores ou das ONG. Na verdade, é um tema que interessa a todos, indivíduos e organizações, pois, em última instância, o impacto da inércia ou da pouca ação nesta matéria é global e afeta todos. Neste
contexto, a indústria financeira é também chamada a participar e atuar ativamente na resolução dos problemas sociais, ambientais e económicos do mundo.

As Nações Unidas colocaram na agenda dos decisores os seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como forma de alcançar um futuro mais sustentável e melhor para todos. Definindo os desafios globais que enfrentamos, incluindo pobreza, desigualdade, mudança climática, degradação ambiental, paz e justiça, estes objetivos acabam por ser uma língua comum para todos os investidores, auxiliando-os a direcionar o seu capital para empresas, que ao mesmo tempo apresentem forte potencial de crescimento e estejam a ser geridas de forma sustentável, em transição ou em processo
de melhoria do seu perfil de sustentabilidade. Permitem estabelecer padrões mínimos de comportamento para as empresas nas quais se investe. Se uma empresa estiver envolvida em atividades ou comportamentos que causem danos graves à sociedade, não há seja, que possa compensar esse impacto negativo.

Assim, as preocupações pelas questões ambientais, sociais e de governação (ESG – Environment, Social and Governance) já não são meramente de nicho. São questões que preocupam cada vez mais investidores e consumidores e, consequentemente, as empresas. Os consumidores estão cada vez mais interessados em colocar o seu dinheiro em produtos e serviços que estejam alinhados com os seus valores. As marcas que melhor criam laços com estes clientes e com as comunidades envolventes estão a crescer mais rapidamente e de forma mais sólida que os seus pares. Simultaneamente, as empresas que colocam os seus colaboradores em primeiro lugar geram níveis de satisfação dos seus colaboradores mais elevados, pois estes sentem-se mais seguros, empenhados e comprometidos com a missão da empresa, entregando mais e melhores resultados, de forma consistente. Aliás, há uma correlação positiva entre a satisfação dos colaboradores e os retornos empresariais. Ou seja, ter considerações ambientais e sociais é bom para o negócio!

Mas de que forma é que se materializam estas considerações ESG? As ambientais reportam-se à relação das empresas com o mundo natural, à sua interação e uso de recursos renováveis e não renováveis. Abarcam as questões associadas à sua pegada ambiental, tais como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, a utilização de recursos escassos, como a água ou os solos, a poluição, a gestão dos resíduos, a promoção da economia circular ou a transição energética. Neste quadrante, a eficiência na gestão dos recursos será cada vez mais determinante. Economia e ambiente estão hoje mais interligados que nunca.

As preocupações sociais também entram em jogo na esfera empresarial, na medida em que se espera que as empresas sejam “organizações socialmente responsáveis”. O respeito pelos direitos humanos e pelos direitos dos consumidores, a promoção da igualdade de género e de minorias, a inclusão social e a não tolerância com a corrupção, são exemplos de questões sociais cada vez mais relevantes para consumidores e investidores. Adicionalmente, as empresas devem ser capazes de responder às megatendências sociais se quiserem ser vencedoras amanhã. Estas correspondem a mudanças sociais de longo prazo e que afetam de forma permanente as sociedades e as economias, destacando-se a globalização, a automação e a inteligência artificial, a criação de riqueza e as desigualdades na sua distribuição, disrupção digital, os “social media” e o acesso aos aparelhos eletrónicos, alterações no trabalho, no lazer e na educação e as alterações nos direitos individuais, responsabilidades e estruturas familiares bem como na demografia da população, nomeadamente ao nível da saúde e da longevidade e urbanização e as megacidades.

Quanto à governação, esta diz respeito à gestão e à direção empresarial. Boas práticas a este nível conduzem a resultados empresariais e perspetivas a longo prazo fortes e sólidas, para benefício dos seus acionistas e stakeholders. Dentro dessas boas práticas, encontram-se coisas tão simples como a promoção da transparência, da independência e da responsabilização pelas decisões tomadas. Os critérios ESG constituem-se assim como uma forma de medir o impacto da atuação das empresas. Os critérios ambientais medem a pegada ambiental de uma empresa. Os critérios sociais consideram as relações de uma empresa e a governação leva em conta a forma como a empresa é gerida.

Posto isto, a grande questão é se e de que forma o ESG cria valor para as empresas. São vários os eixos para essa criação. O primeiro diz respeito ao crescimento de primeira linha, na medida em que o ESG ajuda as empresas a explorar novos mercados. Há vários estudos que sugerem que os produtos comercializados como sustentáveis crescem mais rápido que os convencionais. O segundo reporta-se à redução de custos, pois uma boa execução ESG permite um melhor controlo dos custos, nomeadamente ao nível de matérias-primas chave para o negócio, como a água ou o carbono. A adoção de critérios ESG permite também uma melhor e mais ativa gestão do risco por parte das empresas. Assim, as que baseiam a sua atuação no ESG acabam por melhorar a sua produtividade, e isso traduz-se em melhores e mais consistentes resultados no longo prazo. Ao considerarem o seu impacto na sociedade e nas partes interessadas, as empresas estão em melhor posição para converter as vantagens ambientais, sociais e de governação em vantagens financeiras.

A matriz de objetivos de investimento sustentável resumida nas três esferas dos famosos fatores ESG são uma oportunidade para alinhar todos os stakeholders: governos, investidores, gestores de ativos e empresários. Mas esse alinhamento não tem sido fácil. Não há um modelo, um regulamento comum que permita um confluir de conceitos, métricas de impacto, de marketing e formas de canalizar o dinheiro para o dito “investimento sustentável”. Só a este nível são vários os conceitos que podem ser usados na definição de políticas de investimento sustentáveis, cujo espetro vai desde o negative screening (exclusão de investimentos não cumpridores de critérios), passando pelo best-in-class, pelo investimento responsável, investimento temático, e pelo investimento com impacto.

Atualmente, toda a indústria financeira está a navegar um período de grandes mudanças regulatórias para acomodar todo este interesse no investimento sustentável. Na geografia que mais nos interessa, a União Europeia (UE), foi adotado um Plano de Ação em Finanças Sustentáveis, tendo introduzido a regulamentação da Taxonomia da UE, o Sustainable
Financial Disclosure Regulation (SFDR) e foram feitas algumas alterações ao MIFID II. Estas mudanças no contexto regulamentar vieram trazer implicações profundas à indústria dos investimentos. O seu objetivo é garantir uma maior transparência em termos de sustentabilidade, permitindo que os investidores possam comparar, selecionar e monitorizar as características de sustentabilidade dos ativos financeiros, incluindo os fundos de investimento, ao criarem uma linguagem comum entre os vários players do mercado, upstream e downstream na indústria.

Ao abrigo do regulamento SFDR, publicado em Dezembro de 2019 e lançado em Março de 2021, as sociedades gestoras dos fundos deverão classificar os seus produtos financeiros em 3 categorias de acordo com o seu grau de sustentabilidade:

  1. Fundos “verde-escuro”, conforme definido no art.º 9: são produtos que têm como objetivo os investimentos sustentáveis. Devem contribuir para um objetivo ambiental ou social, mas não podem causar nenhum dano significativo a outro (do no significant harm – DNSH). Genericamente, estes fundos tendem a ser mais orientados para os impactos, como tal devem explicar como pretende alcançá-los, bem como os irão medir;
  2. Fundos “verde-claro”, conforme definido no art.º 8, promovem características ambientais ou sociais. Embora levem em linha de conta critérios ESG, esse é apenas mais um fator que é considerado na sua gestão;
  3. E os outros fundos/produtos, correspondentes a estratégias que integrem considerações ESG no processo de tomada de uma decisão de investimento, ou expliquem por que razão o risco de sustentabilidade não é relevante, mas que
    não satisfaçam os critérios complementares das estratégias do art.º 8º ou do Art.º 9º.
    Ainda dentro deste regulamento SFDR, foi introduzido um novo conceito no ambiente regulatório europeu, os Principais Impactos Negativos (Principal Adverse Impacts – PAIs). Referem-se ao efeito negativo que os investimentos podem ter no ambiente e na sociedade. Ao serem considerados nas decisões de investimento, são usados como fator de exclusão de empresas com atividades que contribuem para algum dos principais impactos negativos. Consistem em 18 indicadores de possíveis impactos obrigatórios e 46 facultativos.

Em termos regulamentares, coexistindo com o SFDR, temos também a Taxonomia. Esta regulamentação, ao obrigar as empresas a comunicarem se as suas atividades económicas são sustentáveis em termos ambientais, procura criar uma metodologia de reporte comum a todas as empresas, promovendo assim o financiamento sustentável e reduzindo os riscos de greenwashing. As empresas deverão, assim, contribuir para pelo menos um dos seguintes 6 objetivos ambientais:

  1. Mitigação das alterações climáticas;
  2. Adaptação às alterações climáticas;
  3. Uso sustentável e proteção da água e recursos marinhos;
  4. Transição para a economia circular;
  5. Prevenção e controlo da poluição;
  6. Proteção e restauro da biodiversidade e ecossistemas

Contudo, apenas existem critérios técnicos para os 2 primeiros objetivos, e os relatórios das empresas sobre o seu alinhamento com a Taxonomia ainda não são, em grande parte, obrigatórios. Quando existem, apresentam inconsistências em diferentes fontes de dados. Prevê-se que apenas no final de 2023 haja maior consistência de dados. A adaptação a toda esta onda regulatória tem exigido um grande esforço de produtores e distribuidores de instrumentos financeiros, para acomodar todos os requisitos legais, que foram construídos de forma inversa. Os produtores, têm que classificar os seus produtos em termos de sustentabilidade, desde janeiro de 2021, sem que todos os critérios técnicos para o efeito estivessem já completamente definidos e fechados.

Já os prestadores de serviços de consultoria/gestão de investimentos, a partir de agosto de 2022, passaram a ter que recolher informações específicas sobre as preferências de sustentabilidade dos seus clientes. Para além das dimensões presentes no Questionário de Perfil de Investidor, conhecimentos e experiência deste em matéria de investimento, bem como a sua situação financeira, incluindo a capacidade para suportar perdas e os seus objetivos de investimento, incluindo a tolerância ao risco, soma-se um novo eixo à adequação das propostas de investimento aos clientes: o da sustentabilidade. Porém, essa tarefa é ainda um exercício difícil, pois os produtos não estão completamente classificados em termos de sustentabilidade e, adicionalmente, assiste-se a um downgrade dos produtos de classificação de mais sustentáveis para menos. Na maioria dos casos, esse movimento de downgrade é voluntário e promovido pelos próprios
produtores, como reação ao aumento de custos associados à medição dos impactos dos investimentos em termos de investimentos, à incerteza regulatória e ao risco de serem acusados e multados por greenwashing. Muitas das vezes isso não quer dizer que os produtos deixem de ter considerações de sustentabilidade, mas simplesmente não querem ter o ónus de o alegarem. Estes movimentos têm sido considerados de greenbleashing, uma forma de desresponsabilização das entidades. A última peça a entrar nesta engrenagem (em 2024) é a obrigação das empresas (que são o objeto dos investimentos) em classificar as suas atividades em termos de sustentabilidade e dos impactos adversos.

Naturalmente, os receios de greenwashing estão na mente de todos os atores no mercado. É importante avaliar o risco da sua ocorrência na oferta de fundos sustentáveis, mas também distinguir entre o objetivo de intencionalmente confundir o investidor e o errar devido a uma regulação pouco clara e ainda em mutação. Não é correto interpretar estas 2 situações da mesma forma e utilizar o termo de greenwashing de forma demasiado ampla, sob o risco de minar a confiança dos investidores nos investimentos sustentáveis.

As autoridades europeias estão bastante sensíveis ao tema e têm vindo a tentar reduzir os riscos de greenwashing, nomeadamente através de regulamentação, reconhecendo que os nomes dos fundos são uma poderosa ferramenta de marketing e podem induzir os investidores em erro. Neste contexto, merece destaque o recente lançamento de uma
consulta pública sobre o greenwashing (novembro 2022), e cujos primeiros resultados preliminares serão conhecidos em Maio de 2023. Esta procura reunir a opinião dos diferentes players da indústria, para compreender as principais características, impulsionadores e os riscos associados, bem como recolher exemplos de possíveis práticas. O objetivo é a elaboração de políticas e contribuir para a supervisão e, assim, ajudar a promover a fiabilidade das afirmações relacionadas com a sustentabilidade, protegendo os investidores contra declarações de sustentabilidade infundadas ou exageradas.

O caminho para a sustentabilidade tem sido atribulado e ainda tem um longo percurso para percorrer. O investimento sustentável recebeu um importante impulso durante a pandemia, mas a sua progressão abrandou no último ano, marcado pela invasão russa da Ucrânia, pela crise energética e pelo agravamento dos custos de vida. Um relatório recente da M&G Investments dá conta que em 2022 não existiram progressos na maioria dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – 13 dos 17 ODS permaneceram inalterados; há uma ligeira melhoria em 2 (saúde e bem-estar e indústria, inovação e infraestruturas, fruto da luta contra a covid-19) e um passo atrás no ODS relativo à energia acessível e limpa. Em 2022, os investidores de certa forma perderam o foco nos temas da sustentabilidade e elegeram como prioridade a preservação do capital. Isso é visível na redução das subscrições líquidas de fundos ESG no ano.

Contudo, é inegável que o mundo das finanças está a mudar, impulsionado pelos desafios que a sustentabilidade lhe coloca e pelo seu papel de catalisador da própria mudança na economia e na sociedade. É ao mesmo tempo ator e gestor dessa mudança. Cada vez mais pessoas trazem os valores para os seus hábitos de consumo, e isso repercute-se também nos seus investimentos. Por exemplo, o Estudo de Investidores Globais 2022 da Schroders, que recolheu a opinião de milhares de investidores em todo o mundo, concluiu que dois
terços dos portugueses inquiridos acreditam que o investimento sustentável é a única forma de assegurar a rentabilidade a longo prazo, em comparação com 60% das pessoas a nível global. Segundo o mesmo estudo, os portugueses inquiridos estão cada vez mais conscientes de que as práticas de investimento têm um papel importante a desempenhar na abordagem de questões de sustentabilidade global, e 67% do universo concorda que o investimento pode impulsionar o progresso em desafios de sustentabilidade.

O caso do Best

Consciente do interesse que o tema da sustentabilidade tem para os seus clientes, o Banco Best tem vindo a alargar a sua oferta de produtos ESG (fundos e Exchange Traded funds – ETFs). Neste momento, é composta por 2260 produtos classificados como verde-claro (artº. 8) e 174 verde-escuro (artº. 9). Adicionalmente, o Banco Best tem vindo
a desdobrar a sustentabilidade em vários temas de investimento, como “Investir como futuro”, “Investir no ambiente”, “Investir no capital humano” e “Agricultura e Alimentação”, para ajudar os seus clientes a navegar nos mares da sustentabilidade, para que possam mais facilmente alinhar os investimentos com os seus valores ambientais e sociais. No âmbito da prestação do seu serviço de consultoria para investimento, o Banco Best afere as preferências em termos de sustentabilidade dos seus clientes.

O banco continua a monitorizar de perto as evoluções no âmbito da implementação prática do pacote regulamentar no âmbito das finanças sustentáveis, respondendo sempre às exigências dos reguladores e dos interesses dos seus clientes. A caminhada da sustentabilidade já começou. Este é um tema incontornável, devagar ou mais rápido todos faremos este caminho, na nossa casa, no trabalho, mas também sendo mais exigentes nos produtos financeiros onde investimos o nosso dinheiro. Nesta caminhada ninguém pode ficar para trás, é uma questão de ‘sobrevivência’.

  • Ana Gomes
  • CFA - Responsável pelo Serviço de Consultoria para Investimentos, Banco Best

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