Impasse resultante das eleições em Espanha está a ser acompanhado de perto pelas empresas portuguesas com negócios do outro lado da fronteira, onde mora o principal fornecedor e cliente do país.
A indefinição que resultou das eleições de domingo em Espanha está a ser acompanhada de perto pelas empresas portuguesas com negócios do outro lado da fronteira, onde mora não apenas o principal destino das exportações nacionais, como também o principal parceiro económico de Portugal – as trocas comerciais entre os dois países ascenderam a um valor recorde de 55,5 mil milhões de euros em 2022, o equivalente a 23% do PIB. Independentemente da força política que vier a liderar o Executivo, os empresários e gestores portugueses ouvidos pelo ECO torcem por uma solução que garanta estabilidade política e fuja aos “radicalismos”.
Ricardo Costa, CEO do grupo Bernardo da Costa, olha com “alguma apreensão” para o impasse gerado pelo ato eleitoral do último fim de semana. E explica porquê. “Estamos perante um cenário de incerteza e instabilidade política. Como sabemos, estes dois fatores podem ter impactos significativos na economia de um país. Sabemos que a incerteza e a possível instabilidade política podem conduzir a uma redução dos investimentos, tanto por parte de investidores locais como estrangeiros”, detalha o empresário.
Para o líder deste grupo de Braga, para quem Espanha representa cerca de 60% do volume de negócios, com o maior contributo a vir da atividade da IBD Global, que atua na distribuição de soluções de segurança eletrónica, há também que ter em consideração o impacto que esta incerteza poderá ter na “confiança dos consumidores”, uma vez que “essa insegurança sobre o futuro faz com que as pessoas sejam mais cautelosas com os seus gastos”.
“Este cenário dificulta a implementação consistente e eficaz de políticas económicas. Como empresários, somos sempre defensores de governos estáveis, com políticas estruturais, consistentes e transparentes. Só assim é possível criar um ambiente favorável para um crescimento económico, social e cultural sustentável”, conclui Ricardo Costa, que é também presidente da Associação Empresarial do Minho.
Sabemos que a incerteza e a possível instabilidade política podem conduzir a uma redução dos investimentos, tanto por parte de investidores locais como estrangeiros.
O que dizem os clientes espanhóis? “Nunca falamos de política, falamos de vender roupa [risos]. Tenho vários clientes em Espanha e nunca discutimos esse assunto nem está em cima da mesa qualquer perspetiva de alguma instabilidade ao nível das encomendas”, responde César Araújo, dono do grupo de vestuário Calvelex, que soma três fábricas de confeção em Portugal (Lousada, Vila Nova de Gaia e Matosinhos).
O empresário nortenho desvaloriza o impacto que um eventual cenário de instabilidade possa ter na operação. Embora reconheça que haverá “essa narrativa durante algumas semanas”, faz questão de separar o campo da política do mundo dos negócios. Mais. “Espanha pode vir a ter um programa eleitoral diferente, mas em termos económicos pouco se vai alterar. Com a integração europeia, o que é político e o que é económico não se misturam muito. Os países têm de obedecer às regras europeias e quem não cumpre é penalizado. Os países não são tão soberanos quanto pensam”, argumenta.
Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), concede, por outro lado, que “sempre que há instabilidade política e isso pode afetar o crescimento do país, é uma situação que traz algum tipo de preocupação”. “Mas o mais relevante é, sem dúvida, que Espanha tenha um bom crescimento económico e que os consumidores estejam mais confiantes porque dessa forma saímos beneficiados”, contrapõe.
Para esta indústria tradicional que tem Espanha como o principal mercado – valeu 23,3% das exportações têxteis no ano passado –, “normalmente as questões geoestratégicas têm mais impacto do que propriamente as eleições num país”. “Nem um nem o outro [PSOE ou PP] querem destruir a sua economia. Uns serão mais eficazes do que outros, mas não é, de todo, essa situação das eleições que mais nos preocupa”, resume o presidente da ATP.
Após as eleições, espero que os espanhóis reencontrem, com equilíbrio e sem radicalismos, o caminho da estabilidade governativa e social, reduzam a taxa de desemprego e dinamizem a economia.
Já o presidente da histórica empresa conserveira Ramirez, que faturou 32 milhões de euros e produz 50 milhões de latas por ano em Matosinhos, expressa um desejo. “Após as eleições, espero que os espanhóis reencontrem, com equilíbrio e sem radicalismos, o caminho da estabilidade governativa e social, reduzam a taxa de desemprego e dinamizem a economia. O mercado espanhol não tem uma expressão muito relevante nas nossas vendas, mas tem um potencial de crescimento que não gostaríamos de ver regredir”, indica Manuel Ramirez.
“Bons ventos” da indústria aos seguros
A dependência da economia nacional de Espanha é tão grande que, na última década, um quarto das exportações tiveram como destino o mercado espanhol e quase um terço das importações nacionais tiveram como origem empresas espanholas, revelam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). No ano passado, 26% das exportações nacionais tiveram como destino Espanha e 32% das importações nacionais foram contabilizadas com produtos made in Spain.
Dado o peso que tem na economia nacional, com milhares de empresas com operações também no país vizinho, não surpreende que os cenários pós-eleitorais sejam acompanhados com atenção deste lado da fronteira. É o que acontece no grupo Indasa, um dos maiores fabricantes europeus de abrasivos flexíveis, com um total de 400 trabalhadores. Conta com oito filiais espalhadas pelo mundo e a de Barcelona é mesmo a mais antiga, aberta em 1988.
Rafael Dias, responsável pelo mercado ibérico neste grupo de Aveiro, pretende “dar continuidade” ao crescimento e ao aumento da quota de mercado e do reconhecimento da marca em Espanha. “Para isso, é importante contar com um ambiente onde as empresas do nosso setor possam encontrar uma estabilidade e um plano claro para dar continuidade ao desenvolvimento e ao investimento. (…) O importante é que se possa garantir a maior estabilidade política possível para assegurar o crescimento da economia e a manutenção da paz social”, sintetiza o gestor.
O importante é que se possa garantir a maior estabilidade política possível para assegurar o crescimento da economia e a manutenção da paz social.
Profundo conhecedor da realidade em Espanha, país onde viveu durante seis anos e onde viu nascer a filha mais nova, Américo Pinheiro, CEO da Castelbel, desvaloriza a situação de impasse vivida depois do fecho das urnas. “Esta situação política é a mesma que os espanhóis têm vivido nos últimos 15 anos. Espanha tem um eleitorado muito fragmentado, o que obriga a quem quer que governe a fazer alianças”, começa por dizer.
Ainda assim, reconhece que o atual contexto é um pouco diferente. “A diferença agora é que há uma crispação que há dez anos era só política. Havia um discurso muito duro e radicalizado por parte dos políticos, mas que não tocava a população. Mas esse discurso passou à vida pública, às pessoas. Uma coisa era o discurso político e outra era o dia a dia; e agora não é claramente esse o caso. Há uma radicalização social e que se reflete na emergência destes partidos mais extremistas, à esquerda e à direita”, ressalva o gestor.
Há dez anos a vender para Espanha, a fabricante de sabonetes da Maia tem ambiciosos planos de expansão para este mercado. Depois de vender sobretudo em espaços na cadeia El Corte Inglés, tem vindo a abrir espaços personalizados em grandes perfumarias do país vizinho, como fez nas últimas semanas em Bilbau, Santander, Astúrias, Catalunha e Badajoz. Até ao final do ano quer atingir 20 espaços destes para a venda dos produtos perfumados das marcas Castelbel e Portus Cale, pretendendo adicionar mais 30 no próximo ano.
O gestor da Castelbel, que exporta para um total de 55 países, fatura 17 milhões de euros e emprega 200 pessoas, confia na solidez da economia espanhola. “Espanha já tem vivido estas dificuldades em formar governo, mas tem uma economia muito forte, industrial, com grandes empresas multinacionais exportadoras. Aguenta esse impacto. O nível de fragilidade da economia espanhola não tem nada a ver com a portuguesa. É muito mais resiliente”, considera. Mais desafiante será o ajustamento nas contas públicas que o país terá de fazer nos próximos anos, por pressão europeia, com “impacto sobre os investimentos e também sobre o consumo”.
Espanha já tem vivido estas dificuldades em formar governo, mas tem uma economia muito forte, industrial, com grandes empresas multinacionais exportadoras. Aguenta esse impacto. O nível de fragilidade da economia espanhola não tem nada a ver com a portuguesa.
Com Espanha a representar vendas anuais de mais de 3.500 toneladas, o equivalente a 10% das exportações da Colquímica, a situação política neste mercado está igualmente a ser acompanhada com “particular atenção” por Sofia Koehler, que pretende “continuar a consolidar o ritmo de crescimento” no país vizinho, onde no ano passado as vendas do grupo sediado em Valongo aumentaram 5%.
“Neste momento, aquilo que se perspetiva é um cenário de grande indecisão, com negociações que se podem arrastar durante algum tempo. Para a economia e para os negócios, a previsibilidade e a estabilidade são vetores essenciais, pelo que o desejável é que seja possível chegar a uma solução de governo de forma célere, e que sobretudo permita transmitir segurança e uma visão de longo prazo ao mercado e às empresas”, afirma a vice-presidente.
Há mais de uma década com uma atuação a nível ibérico – fruto da participação na IberAssekuranz, corretora de seguros com escritórios em Madrid e Barcelona, com mais de 700 clientes e um volume de prémios superior a 20 milhões de euros –, na corretora de seguros F. Rego, o desfecho do processo legislativo do outro lado da fronteira também está a ser objeto de uma “atenta monitorização”, frisa a administradora e vice-presidente, Sara Rego.
“Infelizmente, não é a primeira vez no passado recente em que Espanha se encontra num cenário de indecisão pós-eleitoral, o que naturalmente não contribui para a confiança dos mercados, das empresas e dos investidores”, comenta. E atravessando a indústria seguradora um período de transformação, com desafios que vão desde a escassez de talento ao impacto das alterações climáticas, nota, “é fundamental que o setor possa encontrar no poder político um vetor de estabilidade e de previsibilidade, que permita implementar as necessárias reformas de forma sustentada e sustentável”.
Este é também o desejo de Mário de Sousa, CEO da Portocargo, que chama a atenção para o papel dos partidos independentistas, que voltam a apoiar Sánchez. “Espanha é, há várias décadas, um país particularmente agitado, fruto do intenso regionalismo, o que se reflete num conjunto de disputas e num xadrez político cuja complexidade não conhece paralelo na Europa Ocidental. Em todas as disputas eleitorais, e têm sido muitas as que Espanha tem atravessado nos últimos anos, os movimentos independentistas surgem como um dos fatores de maior relevo para o desfecho destas”, contextualiza.
“Nesta ótica, e estando ambos os espetros políticos a trabalhar na construção de soluções de maioria, merece-nos a maior atenção perceber a forma como serão acomodadas as pretensões e ensejos destes partidos, em particular depois das recentes altercações políticas da Catalunha. Este será um dos fenómenos mais relevantes para decisores e empresários, mas igualmente para toda a logística internacional, que seria tremendamente afetada por qualquer cenário que implicasse alterações à atual livre circulação de mercadorias neste espaço“, considera o gestor da empresa logística.
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Exportadoras portuguesas querem governo estável e sem “radicalismos” em Espanha
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