Editorial

E se Galamba tivesse mão nas empresas que tutela?

João Galamba convocou a gestão e acionistas de uma empresa privada para avaliar o compromisso com o país. E ninguém se indigna?

Ainda há poucos meses, João Galamba esteve com um pé (ou mesmo com os dois) fora do Governo por causa de uma reunião às escondidas com a anterior presidente executiva da TAP para preparar uma audição parlamentar, mas isso, aparentemente, não serviu de lição ao ministro que agora quer convocar a presidente executiva e o acionista de uma empresa privada, a Altice, para avaliar o compromisso da companhia com Portugal. Isto é todo um programa político, ou a tradição que continuar a ser a que era.

O ministro das Infraestruturas decidiu receber os sindicatos da Altice para um encontro que tinha um pretexto, a investigação judicial da Operação Picoas e aos negócios de altos quadros da empresa, mas serviu basicamente para pressionar a empresa a dar aumentos salariais e voltar a pôr na agenda política uma nacionalização à força, qual Venezuela. Percebe-se a intenção dos sindicatos, faz parte da relação de forças e a tensão com a gestão e o acionista, num momento em que têm alguma capacidade mediática. O que já não se percebe é o que veio a seguir, a informação de que um ministro iria convocar a Altice para um encontro. A que propósito, com que objetivo?

  • “Face às mudanças recentemente conhecidas [a quais se refere?], pareceu-nos importante [importante para quê?] um compromisso firme da empresa [qual é a medida desse compromisso?] com investimentos [que investimentos?] e com certas áreas de negócio [quais áreas de negócio?]“. João Galamba dixit

Depois do anúncio que foi feito pelos próprios sindicatos, Galamba foi obrigado a confirmar uma iniciativa que não deveria sequer tomado. Um ministro — logo João Galamba, depois de tudo o que se passou na TAP — considera razoável questionar uma empresa sobre o seu compromisso com Portugal. Isto é, se a Altice decidir por razões económico-financeiras que só à empresa, gestão e trabalhadores, e aos seus acionistas dizem respeito, cortar no investimento, reorganizar negócios, será penalizada? Passará para uma espécie de lista negra do ministro das Infraestruturas? E o que considera Galamba um compromisso suficientemente relevante?

Tendo em conta que Galamba pertence a um Governo que tem como mantra, quando dá jeito, “à justiça o que é da justiça”, seria no mínimo grave que estivesse a convocar Ana Figueiredo, CEO da Altice, e Patrick Drahi, acionista, para saber o que está em causa na Operação Picoas. Galamba garante que não, mas a oportunidade do encontro, um ‘convite’ que é na verdade um eufemismo, uma forma de pressão sobre uma empresa privada, é mesmo um aproveitamento político inaceitável e que deveria merecer um sinal de indignação.

Não é a primeira vez que membros do Governo de Costa, a começar pelo próprio primeiro-ministro, fazem comentários públicos sobre empresas privadas como se elas fossem participadas do Estado, do universo empresarial público. Costa não gosta das empresas privadas a não ser quando são úteis para a propaganda. Foi assim desde o início, em 2015, contra as grandes empresas, os bancos, as de energia, as telecom e a distribuição, alvos fáceis para o discurso populista.

A iniciativa política de João Galamba passa para outro patamar de pressão, de intervenção do Governo nas empresas privadas e nas suas opções legítimas de negócio, a Altice está obrigada a dizer o óbvio, a mostrar disponibilidade para responder às perguntas e dúvidas do ministro das Infraestruturas como se estivesse a responder a um qualquer investidor, mas isto é mesmo uma anormalidade que merecia ser contestada, ao menos pelas associações empresariais representativas. Hoje é a Altice, amanhã é a sua empresa. E se João Galamba tivesse mão nas empresas que tutela, como a CP, por exemplo?

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