Editorial

Teodora Cardoso vai fazer falta (1942-2023)

O que podemos fazer para honrar o seu trabalho, a sua vida? Defender sempre a independência das instituições, como Teodora Cardoso o fez, sem concessões.

Teodora Cardoso (1942-2023) foi uma das economistas mais relevantes dos últimos 50 anos em Portugal, mulher à frente do seu tempo, foi a primeira administradora do Banco de Portugal, e dedicou-se ao serviço público, ao país. Deixa legados (no plural) que hoje, mais do que nunca, devem ser protegidos, em benefício do coletivo, da qualidade da nossa Democracia. Haveria muito por onde escolher, mas um há deles que é crítico, a defesa das instituições e da sua independência, que exigiu muitas vezes não só uma liberdade de espírito, mas uma coragem que não é habitual no país do ‘respeitinho’.

Entrevistei Teodora Cardoso uma mão cheia de vezes, e o ECO, nestes quase sete anos, fez outras tantas. Recusou sempre o ‘carreirismo’ político, o alinhamento partidário à esquerda ou à direita, a espuma dos dias. Tinha, talvez até, a virtuosa obsessão do longo prazo, os ciclos e as mudanças estruturais que não via (mas não se cansava de as exigir, tantas vezes isolada) e que nos prendiam, prenderam, à estagnação. Em cada entrevista, em cada análise técnica ou artigo de opinião aprendia-se sempre alguma coisa.

A carreira de Teodora Cardoso foi longa, ativa, começou na Gulbenkian, passou pelo Banco de Portugal e terminou, em termos executivos, no Conselho das Finanças Públicas, um organismo estranho à cultura portuguesa, independente do Ministério das Finanças e do Governo, com meios próprios e um modelo de governação que o protegeu, pelo menos até agora, das tentativas de pressão do poder político. Públicas e diversas ao longo destes anos, muitas vezes de quem tinha a obrigação ética e política de o proteger.

Como recorda o seu amigo Carlos Costa num texto de despedida e homenagem a Teodora Cardoso (pode ler aqui), com quem trabalhou durante quarenta anos, a economista abdicou do conselho de administração do Banco de Portugal para liderar um Conselho que não existia, que era preciso criar de raiz, e que funcionasse como um polícia das políticas orçamental e pública, que alertasse para as consequências de medidas para a sustentabilidade das Finanças Públicas. A nomeação de peritos internacionais, fora do circuito político e dos corredores do poder, teve uma relevância fundamental para a consistência, e resistência, do Conselho (Basta recordar o que são hoje a Cresap, como se vê nas nomeações públicas, ou a IGF, como se viu na auditoria à TAP).

Hoje, com uma maioria absoluta, e com esta maioria absoluta em particular, a independência das instituições é um fator crítico, e quando isso não se vê, como no Banco de Portugal, as consequências são trágicas. Se a cultura política do país é remediada, a cultura económica está mesmo abaixo do limiar de pobreza, sendo por isso fácil ao poder político enganar, dissimular, iludir. É por isso que o trabalho de entidades independentes, e o seu escrutínio das decisões políticas, é o melhor instrumento de apoio aos cidadãos para as avaliarem com sentido crítico. Aquele que Teodora Cardoso sempre teve, fosse qual fosse o Governo em funções.

Teodora Cardoso não fez muitos amigos, mas a forma suave como fazia as suas análises desarmava os mais agressivos. O país deve-lhe muito mais do que provavelmente perceberá. Defendeu, sempre, a independência do Conselho das Finanças Públicas e nunca cedeu.

Em entrevista ao ECO, em 2019, explicava, de forma simples, o que estava em causa. “Convivo perfeitamente [com as críticas]. Quando fomos criados, nessa altura todos os partidos estavam contra o Conselho das Finanças Públicas, porque esta noção de uma entidade independente em Portugal não soa bem. Nessa altura, estavam todos contra nós e todos nos tinham criticado. Um jornalista perguntou-me se não me sentia mal com isso. Eu respondi-lhe, e continuo a pensar da mesma maneira, que sentir-me-ia muito pior se todos estivessem de acordo connosco“.

O que podemos fazer para honrar o seu trabalho, a sua vida? Defender sempre a independência das instituições, como Teodora Cardoso o fez, sem concessões.

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