O atuário Luís Portugal isolou a Covid-19, as vagas de calor e o envelhecimento para saber se existe mortalidade excessiva entre os portugueses. E teme pela sobrevivência do SNS e da Segurança Social.
Em Portugal morrem cerca de 125 mil pessoas por ano mas, se excluirmos três causas de morte, os números podem ser normais, revela Luís Portugal, CEO da Actuarial, empresa que fundou e com hoje trabalha para análise de riscos e atuariado para seguradoras em Portugal, Dubai e Hong Kong.
Luís Portugal é doutorado na área das provisões técnicas, trabalhou com a Associação Portuguesa de Seguradores, foi presidente do Instituto dos Actuários Portugueses e está muito habituado a usar a matemática profunda para calcular os riscos de sinistro que as companhias correm quando vendem um seguro.
A propósito do estudo, agora divulgado, questionando se houve excesso de mortalidade em Portugal entre 2009 e 2022, o ECOseguros entrevistou Luís Portugal.
Por que motivo a Actuarial promoveu este estudo “Mortality in Portugal 2009-2022 Did we have Excess Mortality?”
Seguimos este tema há muitos anos com modelos em permanente atualização, para a nossa profissão é um tema importante e temos vindo a publicar sobre este assunto, quer em revistas científicas, quer em Working Papers. Este tema revelou-se mais importante porque temos assistido a muitos comentários na comunicação social sobre o tema. Por isso achamos importante dar o nosso contributo.
Quais as fontes de informação relevantes?
Foram usados dados de várias entidades, Ministério da Saúde, Pordata, INE, Worldometers, MeoBlue, Instituto Ricardo Jorge e IPMA.
No estudo a dúvida a esclarecer é se houve excesso de mortalidade ou um agravamento esperado da mortalidade. Comecemos pela constatação de que há hoje mais probabilidades de uma pessoa morrer…
A probabilidade de uma pessoa morrer é hoje, e ainda bem, inferior. Porém, quando vemos o coletivo, a população, esta probabilidade é maior, porque a idade mediana da população portuguesa tem vindo a crescer.
Em 2009 a idade mediana era inferior a 41 anos. Em 2022 esta mesma idade está a passar os 46 anos. Isto significa que o peso dos mais velhos está a aumentar e estes têm uma maior probabilidade de falecer. Há mais mortes no total devido ao envelhecimento da população, mas individualmente as pessoas vivem mais, se bem que desde 2020 que a esperança de vida deixou de aumentar.
Seguramente que morrem por ano quase entre mil a duas mil pessoas por causa da gripe. Mas não os três mil que se costuma anunciar.
Como entra a Gripe sazonal entra nos dados? Como evolui e qual a mortalidade que causa?
A gripe gera mortalidade e existe um modelo europeu para contabilizar as mortes por gripe, já que não há estatísticas para o efeito. Esse modelo é meramente matemático e chama-se FLUMOMO. Na nossa opinião sobrestima bastante as mortes por gripe, já que não considera o envelhecimento da população e outras variáveis importantes para seguir a mortalidade e acaba por atribuir à gripe tudo o que está acima do seu modelo matemático.
Mesmo assim, seguramente que morrem por ano quase entre mil a duas mil pessoas por causa da gripe. Mas não os três mil que se costuma anunciar. No nosso modelo considerámos, para explicar as mortes por gripe, o índice de Síndrome Gripal publicado pelo Instituto Nacional Ricardo Jorge. Infelizmente, anunciaram há algum tempo o fim desta publicação. Vai fazer falta para perceber a mortalidade. Há uma tendência para haver menos mortalidade por gripe, provavelmente, por causa do aumento do número de pessoas vacinadas.
Peso das doenças do aparelho circulatório tem vindo a descer, ao contrário dos tumores malignos que tem vindo a subir.
Em relação a outras doenças há dados recentes a mudar tendências?
Apenas há estatísticas até 2021 e, para além do Covid-19 que passou a ter peso desde 2020, as restantes doenças têm mudado pouco o seu peso na causa das mortes. Há no entanto algumas tendências. O peso das doenças do aparelho circulatório tem vindo a descer, ao contrário dos tumores malignos que tem vindo a subir, com uma queda em 2021 que ainda tem de ser analisada. Os diabetes também têm vindo a descer como causa de morte, o mesmo acontecendo com a SIDA e a tuberculose.
Como a Covid-19 alterou a normalidade? Falava-se que as outras doenças ficaram por tratar e haveria mortalidade acrescida no momento e no futuro com a Long Covid.
É provável que algumas doenças tenham ficado por tratar ou com o tratamento adiado. Porém, não se veem, por enquanto, números significativos destes efeitos. Convém no entanto ter em conta que, apesar de termos concluído que não existe excesso de mortalidade, apenas uma mortalidade alta provocada pelo Covid-19, ondas de calor e envelhecimento da população, não é de excluir que os números de 2022 estejam a mostrar um pouco daquilo que se chama de Long Covid. É no entanto cedo para tirar conclusões.
Ondas de calor são também causa de maior mortalidade. O que mudou, a frequência? a intensidade? A duração?
De acordo com o IPMA há um aumento da frequência das ondas de calor, nomeadamente em 2022. Os números de mortalidade que obtemos, ligados a ondas de calor, parecem justificados pela frequência e não pela sua severidade ou duração. Sempre houve ondas de calor e as medições do IPMA vêm desde 1945. Para compreender as ondas de calor acho que se justifica uma investigação só sobre isto.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de uma reforma e urgente. Com a população a envelhecer e a longevidade a aumentar o SNS e a Segurança Social vão ter muita dificuldade em sobreviver.
A conclusão final é que excluindo os efeitos da Covid-19, ondas de calor e envelhecimento da população a tendência de mortalidade mantém-se desde 2009 a 2022. Não é um mau resultado? Não era suposto existir uma melhoria da longevidade da população? Menos mortes anuais?
Não se comparou neste trabalho a mortalidade com a longevidade. A mortalidade não está a crescer quando se excluem os efeitos que referiu, era este o objetivo do trabalho que usou os anos de 2009 a 2022. Confirmou-se que não há excesso de mortalidade estatisticamente significativo mas que existe incremento da mortalidade dentro do que era esperado, sobretudo por causa do Covid-19, das ondas de calor e do envelhecimento da população. A longevidade analisa-se de outra forma, sabemos que a esperança de vida subiu neste período e que desceu ligeiramente desde o início do Covid-19. A longevidade pode subir e a mortalidade também, já que esta última depende da composição etária da população, o que não acontece com a primeira.
Não teme que as conclusões deste estudo justifiquem ineficiências do sistema português de saúde?
Que há ineficiências todos o sabemos, mas estas têm de ser confrontadas com base em factos objetivos e credíveis. As filas de espera, as greves, geram mal-estar e podem trazer a curto e médio prazo mortalidade. Este trabalho não analisou estas situações, apenas procurou mostrar que a mortalidade que estamos a ter tem tido uma explicação. Imagine as filas de espera, se estas provocam x mortos por ano e este número for estável fará parte da mortalidade esperada e o nosso trabalho não o deteta. Já se duplicassem no tempo o trabalho já o conseguiria detetar. Ou seja, a nossa mortalidade anual também traduz o nível de eficiência ou não do sistema. O nosso trabalho não exclui que possam existir mortes provocadas pela ineficiência que refere, mas não é visível essa situação, o que significa que, a existir, não será em número significativo face aos quase 125 mil mortos que temos por ano.
Significa então que SNS e Segurança Social podem aguentar esta mortalidade?
Os estudos da mortalidade tem de ser feitos pelas entidades que trabalham estas situações diariamente, como é o caso dos atuários e alguns profissionais ligados a áreas como a demografia, a saúde pública e a bioestatística. Há muito ruído à volta da mortalidade, mas isto não significa que tudo seja assim tão mau. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de uma reforma e urgente. Com a população a envelhecer e a longevidade a aumentar o SNS e a Segurança Social vão ter muita dificuldade em sobreviver. Para além das reformas necessárias, vai ser preciso muito crescimento económico para aguentar toda esta pressão.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Será preciso muito crescimento económico para aguentar SNS e Segurança Social”
{{ noCommentsLabel }}