Bolsa de Londres apanha Paris à boleia da energia, luxo e libra fraca

A capital britânica está prestes a reconquistar o primeiro lugar entre as bolsas europeias, beneficiando com a alta do petróleo, a desvalorização da libra e um menor brilho das empresas de luxo.

Martirizada por um conjunto de fatores negativos nos últimos anos, a Bolsa de Londres tem vindo a perder o brilho, saindo do radar de muitos investidores. O ciclo negativo da City arrancou com o Brexit em 2016 e culminou no final do ano passado quando a bolsa da capital britânica perdeu para Paris a coroa de maior mercado de capitais europeu.

Um título que está prestes a reconquistar, menos de um ano depois, numa recuperação que traduz uma dinâmica positiva em favor das ações cotadas na bolsa britânica e é justificada por uma série de fatores que fazem os analistas rever em alta as expectativas para as companhias listadas na Bolsa de Londres.

Segundo os cálculos da Bloomberg referentes ao final de setembro, a capitalização bolsista das cotadas da Bolsa de Paris situava-se em 2,93 biliões de dólares, apenas ligeiramente acima do valor de mercado das cotadas britânicas (2,90 biliões de dólares). Quando Paris superou Londres em novembro do ano passado, estavam ambas com uma capitalização em redor de 2,8 biliões de dólares. Em março deste ano, a diferença era favorável a Paris em 250 mil milhões de dólares, enquanto no tempo Brexit era Londres que levava uma vantagem substancial (1,5 biliões de dólares).

No final do ano passado, segundo o popular inquérito mensal do Bank of America a gestores de fundos e analistas, as ações britânicas eram as “mais detestadas” pelos investidores, com uma posição underweight de 25%. Os efeitos do Brexit, o golpe que o breve governo de Liz Truss infligiu na confiança nas finanças públicas do país, o crescimento económico anémico, uma inflação descontrolada e a atuação errática do Banco de Inglaterra justificaram a aversão dos investidores aos ativos britânicos.

As ações britânicas continuam a ter uma subponderação na carteira dos investidores, mas o pessimismo é agora bem mais brando. Análises recentes do HSBC, Goldman Sachs, JPMorgan e Barclays indicam uma maior atratividade das ações cotadas na Bolsa de Londres, citando a confluência de uma série de fatores positivos, que estão resumidos em baixo e ajudam a explicar a aproximação de Londres a Paris no que ao mercado acionista diz respeito.

  • Petrolíferas com forte peso em Londres

Paris tem a TotalEnergies, mas em Londres estão cotadas duas das seis “oil majors” mundiais. A Shell e a BP têm um peso muito substancial no índice FTSE100, estando nesta altura a beneficiar com a forte valorização dos preços do petróleo, que vai dar um novo impulso aos lucros do setor, depois dos recordes de 2022. A Bolsa de Londres tem ainda uma série de outras cotadas ligadas ao setor energético e das matérias-primas, que têm registado um desempenho positivo nas últimas semanas. A valorização acentuada das ações da Shell e da BP permitiu ao FTSE100 escapar às perdas registadas pela generalidade dos índices acionistas globais em setembro e no terceiro trimestre. As estimativas da Bloomberg Intelligence apontam para que as cotadas do setor energético representem 20% dos lucros do FTSE100, bem acima do peso de 14% que têm no índice.

No geral, o FTSE100 é um índice de valor e defensivo, com pesos relevantes de empresas dos setores da saúde, produtos básicos, matérias-primas e finanças. Acreditamos que a combinação destes setores e forças a que o mercado britânico esteve/está sujeito é adequado a um ambiente de estagflação. Por outro lado, alguns dos recentes vencedores que ajudaram o mercado francês a ultrapassar o Reino Unido, como os bens de luxo, foram atingidos.

Matthew Joyce, analista do Barclays
  • Queda da libra beneficia exportadoras

As empresas do FTSE100 obtêm perto de três quartos das suas receitas fora do Reino Unido, pelo que a evolução do mercado cambial tem uma forte relevância na cotação das maiores empresas britânicas. Entre o pico de meados de julho e o início de outubro, a libra desvalorizou perto de 7% face ao dólar, tornando mais atrativos os produtos e serviços que as empresas da bolsa de Londres vendem fora do país. O mercado cambial “pode ser um vento favorável para o FTSE100, tendo em conta a forte exposição internacional” das empresas do índice, refere o Goldman Sachs num estudo recente, onde o banco também aponta a alta do petróleo com um fator que pode impulsionar a Bolsa de Londres. Muitos analistas perspetivam a manutenção do dólar em alta contra as principais divisas mundiais, pelo que o fator cambial pode continuar a jogar a favor de Londres.

  • Economia britânica já não é a pior do G7

Se o FTSE100 é dominado por empresas exportadoras e multinacionais, as restantes empresas britânicas estão sobretudo dependentes do mercado doméstico. A economia britânica tem registado um fraco desempenho nos últimos tempos, apresentando os níveis de inflação mais elevados e o crescimento do PIB mais reduzido entre as maiores economias mundiais (G7). Contudo, os últimos indicadores têm surpreendido pela positiva, denotando uma resiliência inesperada da economia, sobretudo apoiada pela manutenção do consumo das famílias em níveis elevados. O instituto de estatística britânico reviu recentemente em alta a evolução do PIB nos últimos trimestres, colocando a economia britânica 1,9% acima dos níveis pré-pandemia, superando a Alemanha (0,2%) e França (1,7%).

  • Banco de Inglaterra perto de concluir o ciclo

O agravamento da política monetária por parte do Banco de Inglaterra, marcado por uma comunicação muitas vezes atabalhoada com o mercado, foi um dos fatores a pressionar as ações britânicas de forma mais acentuada do que noutros mercados. Contudo, o alívio substancial da inflação nos últimos meses permitiu ao banco central efetuar a primeira pausa nos juros depois de 14 aumentos consecutivos, num acumulado de mais de 5 pontos percentuais em menos de dois anos. As expectativas apontam agora para a manutenção da política monetária, o que poderá acentuar a queda da libra e retirar pressão sobre os custos de financiamento das empresas cotadas.

Ações defensivas beneficiam com abrandamento económico

Além destes fatores identificados pelos analistas, existem mais motivos e características da Bolsa de Londres para explicar a maior atratividade face a Paris. “No geral, o FTSE100 é um índice de valor e defensivo, com pesos relevantes de empresas dos setores da saúde, produtos básicos, matérias-primas e finanças”, refere Matthew Joyce ao ECO. O analista do Barclays acredita que “a combinação destes setores e forças a que o mercado britânico esteve/está sujeito é adequado a um ambiente de estagflação”.

O Barclays melhorou recentemente a recomendação do FTSE100 para overweight (peso superior nas carteiras), assinalando que apesar de o fluxo de investimento ser constantemente negativo desde o Brexit, as ações estão com “avaliações relativas mais baixas” e o reduzido posicionamento torna a Bolsa de Londres “de novo interessante”. As cotadas do FTSE estão a transacionar a cerca de 10 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, um múltiplo inferior ao registado por índices como o paneuropeu Stoxx600 (12x), o francês CAC (12,4x) e o norte-americano S&P500 (18x).

Julia Hoggett, CEO da London Stock Exchange, também se mostra otimista com a recuperação da Bolsa de Londres, destacando que estão esgotadas as narrativas do impacto negativo do Brexit e evolução fraca da economia. “Na vida real estamos a virar a esquina há algum tempo. Leva sempre tempo para que os factos, as narrativas e as perceções se alterem”, mas “existem muitos motivos para estarmos extremamente otimistas”, disse a líder da Bolsa de Londres num podcast da Bloomberg.

As empresas de luxo estão a ficar fora de moda junto dos investidoresREUTERS/Stephanie Lecocq

Luxo deixa de brilhar em Paris

O facto de a bolsa de Londres estar agora bem posicionada para reconquistar o primeiro lugar europeu também espelha uma inversão da tendência que levou a bolsa de Paris à liderança. “Alguns dos recentes vencedores que ajudaram o mercado francês a ultrapassar o Reino Unido, como os bens de luxo, foram atingidos”, assinala Matthew Joyce, acrescentando que “o mercado do Reino Unido tem um peso energético mais forte do que o da França”.

A LVMH, L’Oreal, Hermes International e Kering SA representam quase 20% do CAC40, tendo sustentado os ganhos do índice francês desde meados de 2022 até ao final de maio, com as empresas de luxo impulsionadas pela perspetiva de integrarem um setor mais imune ao abrandamento da economia global e a beneficiarem com a reabertura da economia chinesa.

Em abril, a LVMH conseguiu o feito de ser a primeira cotada europeia a superar a barreira dos 500 mil milhões de dólares de capitalização bolsista, levando o seu maior acionista (Bernard Arnault) ao topo da lista dos homens mais ricos do mundo.

A partir de julho, as ações iniciaram uma trajetória descendente, a capitalização bolsista está atualmente em 360 mil milhões de euros (380 mil milhões de dólares) e a dona de marcas como a Louis Vitton, Christian Dior e Tiffany chegou a perder o lugar de maior cotada europeia para a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk.

O STOXX Europe Luxury, índice que agrupa as maiores cotadas europeias de luxo (sobretudo francesas), está a negociar em mínimos desde o início de 2023 e já desvaloriza mais de 20% desde o pico no final de maio, o que corresponde a uma perda de valor de 175 mil milhões de dólares. O índice desceu 15% no terceiro trimestre, bem pior do que o desempenho do generalista Stoxx600 (-2,5%). No mesmo período o índice Stoxx Europe Energy valorizou 10%.

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Diversos analistas estão a adotar uma visão mais cautelosa, citando o crescimento débil da economia chinesa, as perspetivas sombrias para a economia europeia e a travagem do consumo nos Estados Unidos. O Morgan Stanley reviu em baixa as perspetivas de crescimento das receitas do setor na segunda metade do ano e cortou as previsões de lucros de 2024 em 6%. Ainda mais pessimista, o Bank of America reduziu as estimativas para os resultados do próximo ano em 7%. Os sinais de menor procura na China e Europa também levaram o UBS, Barclays, Deutsche Bank e Goldman Sachs a emitirem notas de research negativas para o setor do luxo nas últimas semanas.

Em sentido inverso, as empresas de energia da Europa atingiram recentemente máximos de sete meses e estão a regressar ao radar de vários analistas e investidores, perante a perspetiva de manutenção dos preços das matérias-primas energéticas em níveis elevados por mais tempo.

Novas cotadas ainda longe de Londres

Apesar de estar perto de apanhar Paris, a Bolsa de Londres tem poucos motivos para celebrar, pois continua sem capacidade para atrair novas empresas e viu o mercado de capitais da Índia ascender ao quarto lugar entre as principais praças mundiais. As capitais de França e Reino Unido disputam agora o quinto lugar, sendo que no pódio dos mercados com maior capitalização bolsista permanecem os Estados Unidos, Japão e China.

Além de outros fatores, a ascensão da Índia reflete o domínio dos países emergentes no mercado de ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês), que só abriu nas últimas semanas nos mercados desenvolvidos e permanece quase congelado na Europa.

De acordo com dados da EY, os IPO nos mercados emergentes representaram cerca de dois terços do total de entradas em bolsa a nível global em 2023. Foram realizados apenas nove IPO acima de mil milhões de dólares este ano, sendo que sete aconteceram em mercados emergentes.

O maior foi registado em Nova Iorque e representou um forte revés para a bolsa de Londres. A fabricante de chips britânica Arm escolheu Nova Iorque para dispersar o capital em bolsa, demonstrando como Londres continua a agonizar no mercado de IPO. Em 2022, saiu do TOP10 a nível mundial, o que só tinha acontecido por uma vez nos 20 anos anteriores.

Os outros mercados europeus também têm motivos para estar preocupados. O maior IPO do continente em 2023 foi registado em Bucareste, com a entrada em bolsa da empresa de energia romena Hidroelectrica.

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