É urgente uma Comissão de Inquérito à Efacec
"Hoje é um dia feliz para a economia portuguesa", afirma, candidamente, um ministro da Economia que usou 390 milhões de fundos públicos para dar a Efacec. É um dia trágico para os contribuintes.
O ministro da Economia António Costa Silva anunciou, candidamente, que a “venda” da Efacec ao fundo alemão Mutares foi “um dia feliz para a economia portuguesa”. Tendo em conta que o Estado vai pagar 390 milhões de euros para fazer este negócio, enquanto o privado ‘paga’ 15 milhões (já lá vamos), este é, antes, um dia trágico para os contribuintes e ofensivo para um tecido empresarial português sob pressão que é esquecido, orçamento após orçamento, e que não beneficia dos favores do Governo.
Não há outra forma de o dizer: O negócio da Efacec é um escândalo financeiro, inaceitável, incompreensível, e está quase tudo por explicar. O que sabemos é que o Governo assumiu já perdas de 200 milhões de euros e vai injetar, de várias formas, mais 190 milhões, nomeadamente usando fundos do PRR e o Banco de Fomento. E como reconhecia o secretário de Estado João Nuno Mendes, com a honestidade intelectual que Costa Silva não demonstrou, não é um depósito a prazo. Poderia ter dito que é mesmo um investimento com o mesmo risco das critptomoedas. Mais: Do ponto de vista relativo, este negócio é mais grave, sob todos os aspetos, do que o que foi feito com a injeção de 3.2 mil milhões na TAP.
A Efacec, lamentavelmente, está em perda há anos, receitas a caírem e prejuízos a subirem, não é de agora, nem sequer do momento da nacionalização. Ainda nem se conhecem os resultados dos primeiros seis meses deste ano (e só pode ser por vergonha e falta de transparência). Se fosse a empresa que nos querem ainda hoje vender para justificar este desastre, teriam aparecido muitos interessados para comprar a Efacec no momento em que Isabel dos Santos foi apanhada pelo ‘Luanda Leaks’. Passados estes anos de gestão pública, a Efacec passou a viver da injeção de mais ou menos 10 milhões de euros por mês por parte do Estado, via Parpública, para pagar salários e despesa corrente. O negócio caiu a pique e quem está no mercado sabe que a Efacec já perdeu dos melhores quadros.
António Costa Silva prestou-se a um triste papel, o de enganar os portugueses para justificar o injustificável. O que Costa Silva patrocinou foi uma ajuda de Estado, com dinheiro dos contribuintes, a um fundo alemão, para salvar o Governo do ponto de vista político. Não salvou a Efacec, nem a tecnologia portuguesa, salvou o Governo com dinheiro público, deu uma bilhete de lotaria ao fundo Mutares. Uma das perguntas a que tem de responder quando for ao Parlamento é mesmo se este negócio tem alguma coisa de parecido com a proposta que foi apresentada pela Mutares na chamada BAFO (Best and Final Offer), a última proposta vinculativa e que tinha como concorrente um consórcio industrial português que se propunha injetar 70 milhões na Efacec). E que acabou por ser a escolhida.
O Estado, obviamente, não vai receber um euro do que está agora a injetar na Efacec, a Mutares vai gerir a empresa de acordo com os seus interesses (e bem), para garantir que vai capturar os quase 400 milhões de fundos dos contribuintes. Vai reestruturar a Efacec, despedir os trabalhadores que não estão nas áreas mais relevantes, integrar no grupo o que valer a pena e definir uma comissão de gestão que vai ser a forma de remuneração encapotada para tirar o dinheiro público para o próprio fundo. O que é que aconteceu com o novobanco e o fundo Lone Star? Ao menos, era um banco, com depositantes e risco sistémico para o sistema bancário.
Este acordo é ofensivo, inaceitável, e deveria estar a justificar uma onda de indignação do setor empresarial português, das associações empresariais, das milhares de empresas que lutam pela conquista de mercado, que não têm acesso a fundos públicos e que mesmo quando têm, o Estado tarda anos a reembolsá-las (lembram-se das notícias recentes do ECO sobre o IAPMEI?). E também dos trabalhadores de empresas em dificuldade que não beneficiam deste subsídio absurdo por trabalhador. Sim, ficaria mais barato ao Estado pagar as indemnizações, acima do que determina a lei, e liquidar a empresa. E seria sobretudo uma decisão moralmente aceitável.
Quando o ministro da Economia argumenta que foi necessário manter a Efacec por causa das empresas fornecedoras — argumento semelhante ao que foi usado na TAP –, nem se dá conta da falácia em que incorre, ou dá, e está a enganar-nos de forma deliberada. Felizmente, muitos dos fornecedores da Efacec já tinham procurado alternativas, não poderiam viver dependentes de uma empresa em risco de parar a atividade, e se o seu futuro só dependia da salvação da companhia industrial, provavelmente já fariam parte daquele grupo de empresas ‘zombie’ que se arrasta no mercado. Comparar a Efacec à refinaria da Galp em Matosinhos e a uma decisão estratégica de uma grande empresa portuguesa é, no mínimo, outra ‘preciosidade’.
Sinceramente, o que estão à espera os partidos da oposição para avançarem com uma Comissão Parlamentar de Inquérito à Efacec?
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