O CEO da seguradora de crédito Atradius Crédito y Caución está em Portugal e explica porque é tempo de as empresas garantirem melhor os pagamentos dos seus clientes.
Portugal é “um mercado complicado para cobrar vendas”, afirma David Capdevila, atuário e Mestre em Economia e Gestão de Empresas pelo IESE e está desde 1992 no hoje Grupo Catalana Occidente, um dos maiores grupos seguradores de Espanha em todos os ramos. É CEO da Atradius Crédito yCaución, seguradora que emitiu prémios de 2,2 mil milhões de euros em 2022 em 50 países, e está agora em Portugal para celebrar 25 anos de atividade da empresa no país.
A Atradius Crédit y Caución (CyC) é líder em Espanha e 2º maior em Portugal em seguros que as empresas fazem para garantir recebimentos dos seus clientes. E também em seguros de caução, concorrentes cada vez mais incómodos das garantias bancárias que são exigidas em muitos dos fornecimentos ao Estado e privados.
Para a sua atividade a CyC precisa de muita informação, autoriza 10 mil processos de seguros de crédito e caução por dia, precisa de estar muito atualizada sobre todos os riscos empresariais, dos geopolíticos aos micro-empresariais. No auge da pandemia, teve sinistralidade de 55% do valor dos prémios, mas já baixou para cerca de 42%, tem forte solidez ilustrada pelo rating A pela A.M.Best e A2 pela Moody’s .
Sobre os riscos mundiais, ibéricos e portugueses, e sobre o atual e futuro papel dos seguros e crédito e caução, David Capdevila foi entrevistado por ECOseguros.
Em 25 anos de atividade em Portugal e Espanha como sente a evolução económica e empresarial dos dois países?
Tanto Espanha como Portugal sofreram uma notável transformação da sua estrutura económica que se acelerou após a crise financeira de 2008. O foco das empresas está na melhoria permanente da sua competitividade, de forma a enfrentar o mundo global com garantias, e subir posições na cadeia de valor no quadro de duas economias muito abertas ao investimento estrangeiro e ao comércio externo. Há um foco crescente na inovação, na digitalização, na sustentabilidade e na exportação como motores de crescimento. Neste contexto de abertura económica, tem-se verificado uma profissionalização do controlo do risco de crédito dentro das empresas e um aumento da utilização do seguro de crédito. Essa é outra grande diferença. Há 25 anos, havia apenas um grande operador de seguros de crédito em Portugal. Abrimos o mercado em 1998 e hoje somos o segundo operador, a uma curta distância do primeiro. O valor diferencial que explica o nosso crescimento não é apenas a nossa presença em Espanha, o principal mercado de exportação português, mas também a nossa dimensão como operador global de seguros de crédito, o que nos dá um profundo conhecimento dos níveis de risco comercial de qualquer empresa do mundo com a qual um dos nossos segurados queira fazer negócios.
Entre os fatores que estão a pesar sobre o crescimento do comércio estão o aumento dos custos de financiamento devido ao aperto monetário, as alterações nos fluxos de investimento direto estrangeiro, a reorientação da procura para os serviços após a pandemia, as oscilações dos preços da energia, o colapso comercial entre a União Europeia e a Rússia, e, embora não haja sinais de dissociação da China, a queda do seu comércio com os Estados Unidos
Quais os maiores riscos que prevê para o comércio global?
A Organização Mundial do Comércio reduziu significativamente as suas previsões para o crescimento do comércio mundial de mercadorias, que mal crescerá 0,8%, nove décimas a menos do que o esperado em abril e significativamente abaixo do crescimento do PIB global. Entre os fatores que estão a pesar sobre o crescimento do comércio estão o aumento dos custos de financiamento devido ao aperto monetário, as alterações nos fluxos de investimento direto estrangeiro, a reorientação da procura para os serviços após a pandemia, as oscilações dos preços da energia, o colapso comercial entre a União Europeia e a Rússia, e, embora não haja sinais de dissociação da China, a queda do seu comércio com os Estados Unidos. Todas as empresas devem também considerar que o risco de crédito dos seus clientes vai piorar. O nosso último Insolvency Forecast, que analisa a evolução das insolvências em 29 mercados, prevê que o ano termine com um aumento de 49% na América do Norte e de 37% na Ásia-Pacífico. Esta taxa será menor na Europa, de 18%, já que o processo de normalização pré-pandemia está mais avançado em comparação com outras regiões. Além disso, devemos considerar o surgimento de cisnes negros, como a atual crise no Médio Oriente, cujos efeitos sobre o comércio ou sobre os preços das matérias-primas são difíceis de estimar. É um ambiente complexo, mutável, cheio de incertezas que têm de ser geridas. E os nossos segurados em Portugal fazem-no com bastante sucesso, exportando para mais de uma centena de mercados.
E para as empresas do mercado ibérico?
As empresas do mercado ibérico devem estar muito atentas a alterações bruscas nos níveis de risco comercial dos seus clientes, tanto no mercado interno como nos mercados externos. Em Portugal, esperamos que o aumento das insolvências atinja os 22% em 2023. Em Espanha, terão um desempenho mais estável porque os seus níveis já são relativamente elevados e ultrapassam os níveis pré-pandemia de 2019. Todas as empresas, independentemente do seu setor de atividade ou dos seus mercados relevantes, devem preparar-se para um agravamento dos níveis de incumprimento dos seus clientes. Mas o maior risco em que poderiam incorrer seria o de desistirem do crescimento devido às dificuldades que encontram nos mercados externos. Uma das principais funções do seguro de crédito neste contexto é ajudar os nossos segurados na seleção das suas operações e a detetar alertas precoces no agravamento dos níveis de liquidez e de solvabilidade dos seus clientes. O crescimento das empresas portuguesas está particularmente dependente das exportações porque o seu mercado interno é muito reduzido; 29% das operações dos nossos segurados portugueses destinam-se a outros mercados e essa percentagem não parou de crescer.
Há mercados emergentes interessantes para os quais as empresas portuguesas não estão a olhar?
Não há planos de internacionalização que funcionem para um país inteiro. Cada empresa, individualmente, deve questionar-se sobre o que fabrica, em que mercados do mundo se vende aquilo que fabrica e se a sua relação qualidade/preço é competitiva nesses mercados. As empresas portuguesas têm um serviço que ainda não está operacional noutros mercados, o CyComex Premium, que as pode ajudar a planear esta expansão. Entre os nossos clientes há casos em que esta internacionalização significou passar de um volume de negócios de 600.000 euros em Portugal para 150 milhões em mercados de todo o mundo numa década. Seja como for, penso que as empresas portuguesas estão a fazer muito bem o seu trabalho. Espanha é, de longe, o principal mercado para as suas exportações, seguida da França, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Países Baixos, Bélgica… Por outras palavras, exportam para os mercados que as rodeiam. Hoje isso é uma força, porque o risco de desglobalização e mesmo de fragmentação regional aumentou claramente. Nos próximos anos, devemos estar muito atentos à evolução do conflito comercial e tecnológico entre a China e os Estados Unidos. Embora seja improvável uma dissociação entre as duas grandes potências económicas, é provável que outros mercados arranquem. Especialmente temos de ficar atentos às oportunidades na Índia ou em países da América Latina.
Há clientes que, se não pagarem, podem levar à falência do fornecedor. Historicamente, um em cada quatro encerramentos de empresas na Europa tem a ver com incumprimentos dos clientes.
O seguro de crédito em Portugal ainda não tem a expressão que tem em outros países europeus. Porquê?
Desde que abrimos o mercado em 1998, a base de clientes do setor cresceu significativamente. Fizeram-se muitos progressos nos últimos 25 anos, mas é verdade que ainda há muito a fazer. Acho que a principal mudança pendente ainda é cultural, relacionada com manter o risco de crédito sob controlo profissional. A dimensão das empresas portuguesas está intimamente relacionada com isso. As médias e grandes empresas são aquelas onde o seguro de crédito é utilizado intensivamente, sendo esta a melhor ferramenta para crescer de forma rentável em todos os mercados do mundo e estar protegido contra uma mudança no comportamento de pagamento dos seus clientes.
Será que as empresas portuguesas e aquelas para as quais os portugueses tradicionalmente exportam são tão cumpridoras ao ponto dos seus fornecedores não precisarem de segurar os seus créditos?
O mercado português é um dos mercados com prazos de pagamento mais elevados na Europa. Portugal é um mercado complicado para cobrar vendas se compararmos, por exemplo, com a Alemanha. Mas começam a surgir problemas no mercado alemão. É preciso ser claro: a morosidade empresarial é um dos riscos mais relevantes que pode derrubar uma empresa. Pensar que existem setores ou mercados bons e maus é um erro de abordagem. Há clientes que, se não pagarem, podem levar à falência do fornecedor. Historicamente, um em cada quatro encerramentos de empresas na Europa tem a ver com incumprimentos dos clientes. Nenhuma empresa se pode dar ao luxo de não ter sob controlo as suas dívidas não pagas, pois quando vende o seu produto ou serviço e cobra a operação, ela retém a margem comercial em dinheiro, 1%, 5%, 10%… Mas quando não cobra, o prejuízo é de 100% da operação.
O crescimento das empresas portuguesas está particularmente dependente das exportações porque o seu mercado interno é muito reduzido; 29% das operações dos nossos segurados portugueses destinam-se a outros mercados e essa percentagem não parou de crescer.
Pode o custo do seguro de crédito estar a limitar a expansão da atividade?
Muito pelo contrário. O seguro de crédito é um investimento que contribui para um crescimento sólido e rentável, que garante a estabilidade da demonstração de resultados da empresa e o aumento sustentado dos seus níveis de volume de negócios. A evidência mais clara do retorno deste investimento é que a relação com a maioria dos nossos segurados se assemelha a uma corrida de longa distância em que os ajudamos constantemente a encontrar novos clientes solventes e a manter a evolução dos riscos da sua carteira sob controlo. O custo/benefício é sempre muito favorável para as empresas que o subscrevem.
Quais as consequências do facto de a COSEC ser um parceiro privilegiado do Estado português?
Penso que o Estado já está muito sensível ao facto de todas as seguradoras de crédito que operam no país, não um único operador, serem fundamentais para salvaguardar a saúde financeira do tecido empresarial. A prova mais recente foi o trabalho que fizemos juntos durante a pandemia. De qualquer forma, acredito que o setor se encontra num momento importante de ajustamento e transformação em Portugal. Em linha com as tendências de outros mercados da União Europeia, existe um projeto para segregar as linhas de seguro de crédito garantidas pelo Estado e que sejam geridas pelo Banco de Fomento, que não é um operador de seguros de crédito comercial.
As quatro seguradoras de crédito a atuar em Portugal estão alinhadas, embora em competição, no sentido de fazer crescer o mercado? Como?
Só posso falar por nós. A nossa vocação é fazer crescer o mercado e que mais empresas portuguesas tenham um seguro de crédito, porque é a melhor ferramenta para se protegerem contra o risco de crédito comercial. Para tal, contamos com uma rede de agentes exclusivos que disponibilizam um vasto conhecimento técnico de seguros de crédito para garantir um serviço de proximidade ao cliente na hora de cobrir as suas possíveis necessidades. A isto juntam-se serviços de valor acrescentado que abrangem todas as fases do ciclo económico, desde o crescimento ao controlo de carteira, gestão de cobranças ou financiamento da atividade: a prospeção de clientes geolocalizados pelo Maps, opiniões de risco através do Target, aconselhamento sobre internacionalização com o CyComex, e-commerce com o B2B Safe, listagens de prospeção e relatórios comerciais da Iberinform através do Insight View, visão detalhada com o CRM, acompanhamento financeiro da carteira através do View, notificação de não pagamento ao devedor dada pelo serviço Alerta, automatização da gestão de cobranças através do Bot, compensação antecipada com o CyCash, melhoria do acesso ao financiamento bancário através do SIB, integração ERP do sistema do segurado com a Crédito y Caución através do serviço Link ou o catálogo completo de dados de empresa disponibilizado pela Iberinform através da sua API.
O facto de o grupo segurador Grupo Catalana Occidente (GCO) não estar – ainda – em Portugal, exceto com a CyC, limita o crescimento do negócio em Portugal?
A principal contribuição de valor do seguro de crédito é a sua capacidade comprovada de manter atualizada a evolução do risco de crédito em milhões de empresas em todo o mundo. Cada uma das empresas que nos confiam a gestão do seu risco comercial conhece o seu produto, mas exige que conheçamos os seus clientes melhor do que eles. Isto explica a nossa presença em mais de 50 países. Na maioria deles não temos a presença de outras linhas de negócio do grupo, uma vez que a estratégia de crescimento da GCO no setor segurador tradicional tem o seu foco principal em Espanha, mas não descartamos oportunidades de internacionalização que possam enquadrar-se na nossa estratégia. A única limitação que nos impomos é que queremos ser players relevantes nos mercados em que exercemos a nossa atividade, pelo que só entraremos num novo mercado ou atividade se a operação cumprir esta premissa.
Quais são os planos da Crédito y Caución para Portugal num futuro próximo?
Queremos tornar este mercado maior. O nosso modelo de negócio baseia-se em relações de longo prazo, porque as empresas que começam a recorrer ao seguro de crédito dão um salto qualitativo nas suas capacidades de se desenvolverem de forma rentável. Queremos crescer em prémios, mas, acima de tudo, expandir a nossa base de clientes. Nos próximos dois anos queremos ultrapassar a barreira das atuais 900 empresas seguradas e chegar a mais de 1.000 segurados.
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David Capdevila, CEO da Atradius CyC: “Insolvências em Portugal vão crescer 22% em 2023”
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