Editorial

A ministra que queria destruir as parcerias internacionais

Elvira Fortunato recuou na decisão de cancelar as Parcerias Internacionais com três escolas americanas. O escrutínio serve sempre para alguma coisa.

A mais triste herança de uma ministra que nunca o chegou a ser“. A ministra é Elvira Fortunato, o autor da afirmação é do antigo ministro Pedro Siza Vieira, a causa para esta crítica foi a decisão de cancelar as Parcerias Internacionais da Fundação Ciência e Tecnologia (FCT) com três universidades americanas, das melhores do mundo. A ministra recuou, mas o mal continua lá, à espreita, enquanto a ministra for ministra e puder estragar um programa criado em 2006 e que contribuiu decisivamente para a criação de unicórnios portugueses e para o aumento das exportações de base tecnológica.

A história foi pública na sexta-feira, na edição do Expresso, mas só ganhou dimensão mediática a partir de um texto do fundador do Feedzai, Nuno Sebastião, com críticas duras à ministra da Ciência e a autoridade de quem, a partir destas parcerias, construiu um dos unicórnios portugueses, a valer mais de mil milhões de dólares. O ECO fez a notícia e, depois, teve acesso a um parecer elaborado por um conjunto de personalidades independentes – Guy Villax, João Barros, Isabel Sousa Pinto, Maria Manuel Mota, Teresa Pinto Correia e Isabel Furtado – a pedido do Conselho Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação (CNTI), que a ministra escondeu do olhar público.

Este parecer é claro na defesa das Parcerias Internacionais, foi entregue a Elvira Fortunato em junho, mas metido numa gaveta para que ninguém o pudesse ver. E no meio da crise política e sem legitimidade política para tal, a ministra decide cancelar um programa com a Carnegie Mellon University, o MIT e a University of Texas at Austin, plurianual e que existe desde 2006, com impactos inquestionáveis sobre a capacidade de inovação, tecnologia e empresas portuguesas.

As reações de gestores, do meio académico e científico junto do Governo, provavelmente junto do próprio António Costa, que terá sido apanhado de surpresa com esta decisão, e de figuras como Pedro Siza Vieira e Carlos Oliveira nas redes sociais, obrigou a ministra a dar o dito por não dito. A reconhecer que, por razões éticas, a decisão sobre uma renegociação dos contratos – e é natural que tenham de ser avaliados e ajustados face ao seu período de vigência – terá de ser feita pelo novo Governo.

Ao todo, e até hoje, as três Parcerias concederam financiamento a mais de 330 projetos de investigação – vários dos quais liderados por empresas portuguesas – e apoiaram mais de 1.500 alunos de mestrado e doutoramento, e mais de 500 intercâmbios de professores e estudantes.

Nuno Sebastião acusou a ministra de miopia, mas infelizmente, as razões são outras, mais graves, mais pequenas, como o próprio fundador da Feedzai acaba por sugerir. “Agora digam-me o número de patentes ou uma que seja a empresa de sucesso criada por esses laboratórios e laboratoriozinhos que existem por essas universidades portuguesas. A resposta é simples. Não existem porque não criam valor nenhum para além de alimentar empregos e serem usados nas disputas de poder dentro das universidades”, denuncia.

A ministra, investigadora de profissão, preferiu olhar pelos seus, mais uns milhões a distribuir em Portugal, para alimentar investigadores, laboratórios e universidades que, anos após anos, falharam o acesso a programas de financiamento da Fundação Ciência e Tecnologia (FCT). Estes acordos abrem a comunidade cientifica e empresarial do país ao que de melhor se faz no mundo, mas Elvira Fortunato queria usar aqueles fundos públicos para alimentar a cadeia de interesses doméstica.

Não é por isso de estranhar a posição do CRUP, o conselho que reúne os reitores portugueses, às Parcerias Internacionais. Esta organização tinha dado um parecer à ministra a suportar a decisão, que não terá tido, de resto, o apoio consensual dos reitores. E, ao Expresso, o presidente do CRUP, António Sousa Pereira, terá considerado que não existiam “recursos para financiar a ciência em Portugal”, sendo gasto “milhões a financiar universidades americanas, com um retorno duvidoso para o país”. Perante os números verdadeiros, não há mais nada a dizer, pois não?

O verdadeiro objetivo era este: Sem possibilidade de aumentar o bolo, a ministra decidiu capturar as fatias que vão para as Parcerias Internacionais – menos de 5% do orçamento da fundação, 316 milhões de euros entre 2006 e 2022 – para as redistribuir em Portugal, alimentar o sistema que tem como principal característica, com honrosas exceções, a endogamia, os círculos de amigos e de interesses.

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