Reformas

Portugal precisa urgentemente reavivar o debate sobre reformas estruturais. Uma política de redistribuição de rendimento mais eficaz poderia ajudar.

Quando Fernando Medina foi questionado, em entrevista ao ECO, sobre as reformas dos últimos oito anos de governação do PS, a sua resposta foi admitir que não sabe bem o que são reformas. Infelizmente, a redução da dívida pública por ele tão apregoada foi feita à custa do investimento público. É uma “reforma” mais política do que económica. Deu cobertura ao Partido Socialista num ponto fraco da história recente do partido, mas foi feita sem critério económico, à base de cativações de despesa e reduções no investimento público arbitrárias, ao mesmo tempo que se enterravam recursos em empresas falidas. Aliás, como se pode ver no saque ao excedente, foi uma “reforma” sem mudanças estruturais. Bastou um pedido de demissão para acabar com tudo.

Entretanto, os juros poupados são migalhas quando comparados com o custo de oportunidade do investimento falhado. Não investir quando é necessário é muito parecido a contrair dívida. Temos mais recursos agora para amortizar dívida (e TAPs), mas eventualmente teremos de fazer os investimentos necessários. É um pouco como adiar a reparação do telhado de uma casa. Gastamos menos hoje, mas mais tarde pagamos ainda mais.

A oposição mais relevante ao PS parece também não ter grandes ideias para as reformas do país. Por exemplo, no congresso do PSD do último fim-de-semana, Luís Montenegro focou-se em aumentar o rendimento dos pensionistas. Parece que a fórmula vencedora para políticas públicas em Portugal continua a ser manter o status quo, redistribuindo recursos aqui e ali, ao sabor das circunstâncias e sem critério definido (além de potenciais ganhos eleitorais). Discussões sérias sobre reformas estruturais são raras.

Porque é que não se discutem reformas em Portugal? Uma das razões parece ser a descrença generalizada que as reformas possam trazer benefícios tangíveis para a vida das pessoas. Olhando para exemplos recentes como o euro ou a integração europeia, percebemos que grandes reformas estruturais podem ter impactos positivos. Há, no entanto, uma percepção de que as mudanças na política económica acabam por prejudicar grande parte da população.

Esta visão não é desprovida de fundamento. Alguns dos benefícios de reformas estruturais são indiretos e não são necessariamente visíveis em termos de rendimento. Quando pensamos nos efeitos das políticas, por exemplo a introdução do euro, temos de comparar com um contrafactual realista, e não com um universo mágico em que uma política monetária portuguesa não teria problemas. Ainda assim, há razões para pensar que estas políticas beneficiaram alguns mais que outros, e que apesar de gerarem crescimento (comparando com o contracfatual certo), tiveram efeitos desiguais.

Face a esta desigualdade, uma política de redistribuição eficaz é essencial. Caso contrário, vamos eventualmente acabar com as políticas económicas que têm efeitos positivos mas onde os ganhos são desiguais. Olhando para as transferências monetárias do Estado Português, cerca de 40% beneficiam os 20% mais ricos. Os 20% mais pobres recebem menos de 15%. Claro que os mais pobres também recebem alguns bens (e serviços) em espécie. Só que os bens são frequentemente bastante maus.

Seria possível fazer reformas que garantissem resultados para os mais pobres? O caso de Singapura no início dos anos 2000 oferece um precedente interessante. O governo distribuiu ações do Estado, especialmente aos mais pobres, como compensação por reformas estruturais. Estas ações podiam ser trocadas por dinheiro ou render um dividendo anual ligado ao crescimento do PIB real. Em Portugal facilmente se poderia fazer isto com os Certificados de Tesouro (estes são os outros, ligados ao PIB real). Este modelo permite a mais cidadãos beneficiarem diretamente dos frutos das reformas, e de beneficiarem mais quando estas correm bem. Já se as reformas não forem bem sucedidas, o encargo para o Estado seria relativamente limitado.

Claro que um euro dado não é um euro ganho. Melhor seria ter um sistema económico que permitisse distribuir os benefícios de reformas sem ter de ser pelo Estado. Um novo contrato social deveria envolver reformas ao nível da corrupção, da transparência e da concorrência, abordando os vários fatores que perpetuam as desigualdades económicas e sociais em Portugal. No entanto, estas transferências condicionais poderiam servir como um mecanismo de segurança, uma garantia que todos sintam que têm algo a ganhar directamente com reformas, ainda que os benefícios para muitos possam parecer distantes. Mais importante, permitiria trazer de volta a discussão sobre as reformas que o país tanto precisa.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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