Exclusivo “Se a baixa da dívida não é uma reforma, não sei o que é uma reforma”

O ministro das Finanças “mais político” dos governos de António Costa deu uma entrevista à edição mensal premium do ECO a 24 de outubro, antes da crise, sobre a a governação e o futuro.

Fernando Medina deu uma entrevista ao ECO na tarde de 24 de outubro, antes da crise política que levou à demissão de António Costa e à marcação de eleições antecipadas para 10 de março. Desde a entrevista, o mundo mudou, António Costa demitiu-se e Medina vai ter de decidir o que fazer no contexto da luta partidária no PS. Pode ler aqui em três partes a entrevista com o (ainda) ministro das Finanças, e que é tema de capa da nova edição mensal premium, em papel, do ECO, que chega às bancas esta terça-feira, com a assinatura “A ECOnomia nas suas mãos”.

Leia aqui as outras partes da entrevista:

 

Eliminar o calcanhar de Aquiles do país — o endividamento que manchava a credibilidade junto dos mercados — foi e é o objetivo central desde o início do mandato, pois esse fardo afetava as vidas das famílias e das empresas. Por isso, Fernando Medina recusa ser visto como apenas um ministro que gere orçamentos, mas sim um pleno ministro das Finanças dado que esse esforço de desalavancagem transcende os exercícios meramente anuais.

Aponta a consolidação orçamental via crescimento (em contraste com a opinião de Vítor Gaspar) como uma das principais reformas nos oito anos da governação socialista, mas também assinala progressos na saúde, na educação e na habitação, três dos grandes desafios atuais.

É mais ministro das Finanças ou sobretudo ministro do Orçamento?

Sem dúvida das Finanças.

Definiu, desde o início deste mandato que a sua prioridade seria a descida do peso da dívida pública no PIB, retirar o país do grupo dos países com dívida pública mais elevada. Isso, somado à ausência da uma prioridade à economia, não faz deste ministro das Finanças uma espécie de ministro à francesa, ministro do Orçamento e não ministro das Finanças?

Não, de forma alguma. Eu acho que não caracteriza a forma como vejo a função em que procuro exercer a função. Indiscutivelmente que o nível de dívida pública do país era e é hoje muito menos um enorme fator de risco para o país. Se compararmos não só a posição onde estávamos e a forma como os mercados nos avaliavam, e se víssemos as consequências que isso tinha na vida das empresas e das famílias. Basta comparar a diferença que há, que havia, face ao financiamento das empresas alemãs em relação aquilo que é hoje, para se perceber bem a importância da estratégia de redução da dívida pública. E melhor percebe quem tem memória do que vivemos há não muitos anos.

Não foi assim há muitos anos…

Não, não foi assim há muitos anos. Há uns poucos que já se esqueceram, estão assim mais esquecidos, mas eu não. E quem obviamente vê a incerteza e a turbulência que grassam no mundo em várias esferas, de perceber claramente que nós tínhamos um calcanhar de Aquiles quando aparecemos na posição de sermos o terceiro mais endividado, com um historial de um crescimento económico que não era muito alto. E por isso o que, para mim foi muito claro, no início, com o primeiro-ministro, e esta estratégia consta do programa do governo, foi reduzirmos a dívida pública abaixo de 100% do Produto Interno Bruto (PIB). Não sei quantos governos foram eleitos com esta meta no seu programa eleitoral, é importante sublinhar. E por isso a definição clara desse objetivo que fiz no início do mandato, e fi-lo sem nenhuma tibieza e sem nenhum contorno. Primeiro, isto era muito claro para mim, o objetivo tinha que ser enunciado com clareza. E o segundo motivo é que se tornou também para mim claro, quando chegamos a agosto, setembro de 2022, quando ganhamos a consciência de que todas as projeções do crescimento económico estavam a ser ultrapassadas, que estávamos num momento de uma oportunidade verdadeiramente histórica, porque em meados de 2022 tornou-se claro que estávamos a caminhar, para o que poderiam ser dois anos extraordinários do ponto de vista do crescimento nominal do PIB. E a questão política que se põe é a seguinte: quando temos uma oportunidade rara, porque nós nunca tínhamos tido períodos de inflação alta prolongadas na Zona Euro e sabemos o quanto a inflação ajuda os devedores, agarramos essa oportunidade ou não? E nós decidimos agarrá-la, sem hesitação.

Qual foi o principal custo de ter feito essa opção?

Não, acho que foi uma determinação em fazê-lo. Acho que conseguimos fazê-lo, aliás, sem sacrificar de forma alguma o que foi os apoios depois às famílias mais vulneráveis e a todo o apoio social e económico naqueles dois anos de 2022 e 2023. Nós somos, aliás, dos países que aparecem a nível europeu com maior percentagem do PIB em apoios sociais. Fomos daqueles que tiveram os apoios mais concentrados aos estratos sociais mais vulneráveis e conseguimos fazer uma redução da dívida sem precedentes. Nós iremos acabar este ano de 2023 encostados à casa dos 100% do PIB, ali nas imediações dos 100%, uma dívida de 100% do PIB, o que nos fez imediatamente deixar para trás a Grécia e a Itália, que já estavam, e deixamos agora para trás a Espanha, a França e a Bélgica. E por isso, agora, o país a seguir a nós, com a dívida mais baixa do que nós, está a Finlândia, com 75%. Hoje claro é que nós, no próximo ano, teremos a dívida abaixo de 100% do Produto. E por isso estamos numa posição em que estamos a deixar de ser um país da periferia, do ponto de vista da forma como somos vistos financeiramente. Estamos a aproximar-nos dos países mais do centro. Vamos ter aqui, nos próximos anos, um caminho mais em direção ao centro. Mas isto não faz do ministro das Finanças um ministro do Orçamento? Não. Porquê? E esse é que é o ponto importante. Foi sempre minha convicção, aliás, contra aquilo que foi sempre a opinião de Vítor Gaspar e desse governo, de que era muitíssimo difícil qualquer processo de consolidação orçamental num país com muito baixo crescimento. E por isso um país que não cria emprego, não investe, não tem condições, do ponto de vista da estrutura das suas finanças, para poder sequer manter contas equilibradas.

Fernando Medina Rafael G. Antunes

Oito anos depois constatamos a falta de médicos, de professores, de casas, áreas absolutamente críticas do Estado. Descemos a dívida pública em percentagem do PIB, mas temos estas três áreas críticas de serviços públicos em situação difícil. O que é que isto revela de oito anos de governação?

Em primeiro lugar, de forma muito clara, nenhum desses problemas relatados decorre de nenhuma falta de prioridade relativamente aos recursos financeiros. Este é um ponto importante. No debate político muitas vezes procura-se dizer “não, nós não deveríamos ter tido um saldo positivo, mas deveríamos ter apostado na educação e na saúde”. Tenho ouvido isso muito claramente da parte do PSD que o tem dito, que no fundo o discurso de que os recursos não estão a ir para as pessoas, porque não estão a ir para os serviços públicos e podiam ir. O que eu estou a reafirmar é que o problema da falta de médicos não é um problema nem novo, nem nacional. Basta abrir as páginas dos jornais internacionais e perceber qual é o ponto da realidade.

Mas já são oito anos… Ainda acabamos por dizer que a culpa é de Passos Coelho, ou que é preciso mais tempo…

Vamos lá ver. Eu estou, em primeiro lugar a responder à primeira parte, que é aquela que me diz mais diretamente respeito num debate mais de atualidade. Ou seja, esses problemas não se resolvem já porque não há orçamento suficiente para resolver? Não, não é um problema de orçamento. E o orçamento da Saúde explica muito bem, mostra isso muito bem. Novamente, o orçamento da Saúde vai crescer de forma muito significativa este ano. Vamos ter um crescimento face ao ano de 2015, que vai ultrapassar os 70%. Este ano o financiamento da Saúde só de fundos de origem no Orçamento do Estado supera os 13 mil milhões de euros e tem um crescimento de 30% face ao período pré-pandemia.

Nestes oito anos, o Governo fez reformas? Quais?

Acho que há reformas que estão a ser feitas em múltiplas áreas e de forma muito clara e evidente. A primeira, desculpem puxar a brasa à sardinha daqui deste lado, é o que estamos a fazer em matéria de finanças públicas… se não é uma verdadeira reforma, eu não sei bem o que é uma reforma. Se passarmos do que é um país historicamente considerado devedor, com uma credibilidade internacional oscilante, para um país com um nível de vida muitíssimo mais elevado, com custos de financiamento muito mais baixos e com uma sólida credibilidade internacional… Se isto não é uma grande reforma, não há grandes reformas. Estou a dar exemplo do que acho que são coisas concretas, mudanças e ações que têm um caráter de transformação e de pilar de transformação sobre a forma como o país funciona. E acho que um país que funciona com uma credibilidade junto dos mercados financeiros e com um nível de solidez da sua dívida pública muito mais forte, é um país necessariamente diferente do país que tínhamos antes. É diferente para melhor. Porquê? Porque estávamos com muito mais risco, pagávamos muitos mais juros, passamos a ter muito menos risco perante intempéries e passamos a pagar todos muito menos juros, com tudo o que isso significa. Convém ter presente que qualquer variação sensível na taxa de juro da República terá repercussões nas taxas de juro praticadas às empresas e aos particulares. Ora, isto equivale a vários Orçamentos do Estado, no sentido de estímulo, de apoio à competitividade das empresas e aos benefícios para as famílias.

Oito anos de governos PS e os desafios da saúde à educação
Fernando Medina prefere focar nos quase dois anos desta legislatura, mas não foge à questão das reformas feitas (ou não) nos oito anos de governação socialista. Na saúde, diz que o problema não é o financiamento, recusando acusações da oposição que o dinheiro não vai para os serviços públicos. Há reformas que estão em marcha no sistema de saúde e que vão mudar bastante o quadro de gestão dos recursos humanos”, defende, destacando a criação das ULS, pois vão integrar cuidados de saúde primários e hospitalares dentro das mesmas unidades de comando e organização. Diferente é o problema da educação, que já vem das reformas antecipadas dos professores no período da troika. As maiores dificuldades nas colocações sentem-se em Lisboa e no Algarve, devido à pressão dos preços da habitação, algo que o Governo quer ajudar a resolver com apoios às rendas dos professores nessas regiões. Sobre a crise da habitação em geral, aponta como principal causa uma década e meia de juros muito baixos, com o dinheiro barato a ser aplicado ao imobiliário e levar a um aumento dos preços, algo que não é exclusivo às cidades portuguesas. O problema foi exacerbado por uma década de baixa construção nova em Portugal, “o que resulta também de uma parte da desestruturação do sector da construção que veio da crise financeira, onde erradamente o sector foi diabolizado como se tivesse sido um setor que tinha de morrer”.

 

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