ANA e Santarém travam “duelo” por novo aeroporto
ANA sublinha distância como fator crítico. Promotores de Santarém afirmam que "a entrega direta de qualquer outra opção diretamente à ANA não se afigura legal".
Na decisão sobre o aeroporto de Lisboa não está apenas em jogo a resolução dos constrangimentos no Humberto Delgado e o crescimento do turismo, está o futuro do negócio da ANA e uma obra que pode mudar a economia dos municípios onde vier a ser construída.
Nada em Portugal mexerá com tantos interesses neste momento como a localização do novo aeroporto. Um deles é o da ANA, detida pela francesa Vinci e que tem a concessão dos aeroportos nacionais até 2062. Embora não tenha indicado explicitamente preferências neste processo, a solução da empresa para a expansão da capacidade na região de Lisboa sempre foi a Base Aérea nº. 6, no Montijo, por ser mais rápida de construir e ter custos menores.
A ANA chegou, de resto, a assinar com o Governo português, em janeiro de 2019, um acordo que previa o investimento de 1,15 mil milhões de euros até 2028 na expansão do Humberto Delgado e a abertura de uma nova infraestrutura civil naquele concelho da margem esquerda do Tejo, financiado através das taxas aeroportuárias.
A solução não avançou devido ao chumbo dos municípios abrangidos pela obra, em 2021, que incluíam autarquias lideradas pelo PCP, que sempre defendeu a opção pelo Campo de Tiro de Alcochete. O Montijo até já tinha um Estudo de Impacto Ambiental favorável à construção, embora contestado pelos ambientalistas. A legislação que permitia o veto dos municípios foi entretanto alterada em julho, retirando-lhes essa prerrogativa.
A ANA pode, em teoria, ver escapar o novo aeroporto. O Governo decidiu incluir nas opções a estudar a proposta da única outra localização que tem um promotor privado assumido: Santarém, que fica a cerca de 90 quilómetros da capital e já fora da área de concessão da ANA (raio de 75 quilómetros).
O projeto Magellan 500 é liderado por Carlos Brazão, antigo diretor da Cisco em Portugal, e promovido por um consórcio que, por ora, só tem como elemento conhecido Humberto Pedrosa e o seu Grupo Barraqueiro. O presidente da câmara municipal, Ricardo Gonçalves, também se tem envolvido na defesa do projeto.
Os promotores esgrimem como argumento a possibilidade de aproveitar as acessibilidades rodoferroviárias já existentes (A1 e Linha do Norte), sem necessidade de incorrer em elevados custos com investimentos públicos não planeados. Com um acesso através de um shuttle ferroviário, o aeroporto ficaria apenas a 30 minutos da capital, sustentam. Carlos Brazão diz ainda que “em cinco anos” põe “o primeiro avião a aterrar em Santarém”.
Considera ainda a ANA a distância das infraestruturas dos centros de população, um fator chave de viabilidade, sendo absolutamente imprescindível a sua integração nos fatores de decisão.
A consulta pública sobre o “Relatório de Fatores Críticos de Decisão”, divulgada em julho, expõe o “duelo” entre a ANA e o projeto na capital do Ribatejo. A empresa da Vinci sublinha nos seus contributos que considera “a distância das infraestruturas dos centros de população, um fator chave de viabilidade, sendo absolutamente imprescindível a sua integração nos fatores de decisão”. Esse é, justamente um dos critérios tidos em conta pela Comissão Técnica Independente (CTI), que esta terça-feira apresenta o relatório com a avaliação das nove opções em cima da mesa.
“Será fundamental também avaliar o impacto desse critério na exequibilidade da deslocação ou da criação de milhares de postos de trabalho numa infraestrutura distante. Finalmente o impacto ambiental relacionado com as deslocações cidade-aeroporto terão igualmente de ser avaliadas”, defende também a ANA. Ora a distância é justamente uma das desvantagens de Santarém.
A atual concessionária pede também que seja tida em conta a necessidade de expropriações, um obstáculo na cidade ribatejana. Por outro lado, “recusa que o contrato de concessão seja apresentado como uma limitação ou uma debilidade”.
Já o projeto de Santarém reclama que a “referência a ‘contrato de concessão’ deixa uma imagem associada à concessão da ANA, o que também não se afigura correto”. Propõe que onde se lê “contrato de concessão” se deve ler “modelo de exploração”.
A Magellan 500 sublinha também que o “aeroporto de Santarém está totalmente fora da concessão da ANA”. E vai mais longe: “Tendo já sido exercida a Opção NAL (Novo Aeroporto de Lisboa), a entrega direta de qualquer outra opção diretamente à ANA não se nos figura legal nem contratualmente possível”.
A Comissão definiu como um dos critérios de avaliação justamente o risco decorrente do contrato de concessão e a análise das suas implicações jurídicas e financeiras em cada uma das opções.
Ttendo já sido exercida a Opção NAL (Novo Aeroporto de Lisboa), a entrega direta de qualquer outra opção diretamente à ANA não se nos figura legal nem contratualmente possível.
A Magellan 500 assinala ainda desvantagens de uma solução na margem sul, cuja ligação à capital implica a travessia de uma ponte: “Em caso de conflito armado ou de catástrofe no Rio Tejo (por exemplo, causada por algum acidente maior numa das grandes barragens a montante), existe o risco de destruição da(s) ligação(ões) da(s) ponte(s) sobre o rio Tejo, deixando Lisboa isolada e sem receber capacidade de apoio ou ajuda internacional por via aérea se necessário”.
A ANA defende também, sem a identificar, uma solução complementar à Portela idêntica à do Montijo, que comporta apenas uma pista, ao rejeitar a necessidade de um aeroporto com duas pistas, como seriam Alcochete, Santarém ou Vendas Novas. “Uma solução dual apenas com uma pista em cada aeródromo responde à procura de tráfego no período de transição e no longo prazo”. A CTI considerava na altura que essa opção poderia ser insuficiente.
A combinação da Portela com o Montijo é também a opção preferida pela Confederação do Turismo de Portugal: “É a que melhor combina a necessidade de reforço imediato da capacidade aeroportuária na Região de Lisboa (curto prazo) com a cenarização de uma única eventual futura infraestrutura aeroportuária naquela Região (longo prazo)”.
O relatório de análise estratégica e multidisciplinar do aumento da capacidade aeroportuária da região de Lisboa, que a CTI vai apresentar esta terça-feira, acrescentará argumentos para a discussão. Resta saber se poderá fazer xeque-mate a alguma destas aspirações.
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